segunda-feira, 9 de junho de 2025

A falta de medidas de ajuste fiscal estrutural cobra um preço alto - Sergio Lamucci

Valor Econômico

Cabe ao Executivo o papel de comandar o processo de ajuste fiscal, que exigirá medidas impopulares como desvincular aposentadorias e benefícios assistenciais do salário mínimo

O arcabouço fiscal deu sinais claros do seu esgotamento precoce nas últimas semanas. Primeiro, com as estimativas do projeto de Orçamento de 2026, escancarando como a expansão dos gastos obrigatórios, se não for enfrentada, vai comprimir fortemente as despesas discricionárias (como o custeio da máquina pública e o investimento) nos próximos anos. Depois, com o anúncio da elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para levantar com urgência R$ 20,5 bilhões neste ano e R$ 41 bilhões no ano que vem, iniciativa que descontentou políticos, empresários e investidores. Líderes do Congresso e do governo combinaram de discutir a adoção de medidas estruturais para tratar do problema, como na reunião entre eles ocorrida ontem à noite. Iniciativas de curto prazo também devem fazer parte do pacote para substituir a alta do IOF.

Sem reduzir o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias, não será possível equilibrar as contas públicas, que também podem melhorar com a diminuição do volume elevado de benefícios tributários. A dúvida é se há de fato disposição do governo e do Congresso em adotar medidas nessa direção, que não são populares. Algumas iniciativas deverão ser tomadas desta vez, como alguns cortes de isenções tributárias e aumento da taxação de bets, mas uma estratégia de consolidação fiscal mais ampla tende a ficar para 2027, no primeiro ano do próximo governo.

A situação fiscal do país é complexa e o problema não é só do Executivo - o Congresso e o Judiciário também têm responsabilidade. Além disso, os gastos de Estados e municípios cresceram a um ritmo bem mais forte que os da União nos últimos cinco anos, como mostrou reportagem de Marta Watanabe sobre estudo de Manoel Pires e Bráulio Borges, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), publicada no Valor na semana passada.

As emendas parlamentares, por exemplo, tomaram uma dimensão enorme, alcançando a casa de R$ 50 bilhões neste ano. Além dos problemas de transparência, é um valor muito alto por padrões internacionais, respondendo por uma fatia expressiva das despesas discricionárias de 2025, de R$ 210 bilhões. Esse volume excessivo de emendas parlamentares torna o gasto público menos eficiente, ao pulverizar despesas, atrapalhando o planejamento e levando ainda a um desequilíbrio entre os Poderes, ao hipertrofiar o papel do Congresso.

Outro ponto é que os parlamentares muitas vezes resistem a aprovar medidas de contenção de gastos que sejam impopulares. No pacote fiscal apresentado no fim do ano passado pelo governo, constava o aperto dos critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC, voltado para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda), item que não foi aprovado pelos congressistas.

O Judiciário, por sua vez, tem gastos excessivos. Em 2023, as despesas com tribunais de Justiça somaram 1,43% do PIB, de acordo com um relatório do Tesouro. O documento mostra que, com base em números de 2022, para os quais há uma comparação com 50 países, o Brasil gastou 1,3% do PIB com tribunais, atrás apenas do 1,6% de El Salvador e muito acima da média das 50 nações, de 0,3% do PIB. Penduricalhos inflam os salários de muitos integrantes do Judiciário.

Outro ponto é que as despesas não financeiras de Estados e municípios cresceram a um ritmo muito superior às da União de 2019 a 2024, segundo estudo de Pires e Borges. Com o aumento das transferências do governo federal nesse período, os gastos dos governos regionais superaram os da União. Isso torna mais complexa a política fiscal e o seu impacto sobre a política monetária. Em 2024, as despesas federais perderam força ao longo do ano, o que não ocorreu com as de Estados e municípios.

Esses fatores mostram que uma mudança estrutural das contas públicas depende da colaboração do Legislativo e do Judiciário - e também da de Estados e municípios. Não é uma tarefa exclusiva da União. No entanto, sem a convicção do governo federal de que é preciso adotar medidas estruturais de ajuste das contas públicas, exercendo a liderança na apresentação de iniciativas de consolidação fiscal, essa agenda, difícil de implementar politicamente, não avançará. Cabe ao Executivo o papel de comandar o processo, que exigirá medidas impopulares como desvincular aposentadorias e benefícios assistenciais do salário mínimo.

Um número divulgado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) no fim de maio evidencia o problema das contas públicas do país - o resultado fiscal estrutural. Em 2024, o governo central teve um déficit primário (não inclui gastos com juros) de 0,4% do PIB, uma melhora considerável em relação ao rombo de 2,4% do PIB de 2023. Já o resultado estrutural, que exclui os efeitos do ciclo econômico e receitas e despesas não recorrentes, apontou uma piora, segundo cálculos da IFI. Por essa métrica, o governo central teve um déficit de 1,7% do PIB em 2024, um buraco um pouco maior que o 1,4% do PIB de 2023. Vários fatores atípicos, especialmente pelo lado das receitas, influenciaram os números de 2024, que são excluídos do indicador estrutural, diz relatório da IFI. É um sinal de que as contas públicas dependem especialmente de medidas extraordinárias de arrecadação. Ainda que não seja explosiva no curto prazo, a situação fiscal não é sustentável.

 

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