O Estado de S. Paulo
A responsabilização de Bolsonaro não gerou reação antidemocrática entre seus eleitores
Em contextos altamente polarizados como o
brasileiro, em que praticamente tudo é interpretado sob a lente das crenças e
identidade de grupo, é difícil imaginar que decisões judiciais sejam percebidas
como imparciais. Em geral, quando uma decisão da Justiça contraria as
preferências de um cidadão, espera-se que sua confiança tanto no Judiciário
quanto na democracia diminua.
A responsabilização judicial de líderes políticos, portanto, é frequentemente percebida como uma empreitada arriscada, com potencial de acirrar divisões e corroer a legitimidade institucional. Para os adversários do líder acusado, a decisão tende a ser lida como justa e necessária. Já seus apoiadores costumam interpretá-la como politicamente motivada.
Diversos estudos de opinião pública sustentam
essa hipótese, ao mostrar que eleitores tendem a rejeitar instituições ou
processos democráticos que atinjam seus líderes preferidos. Alguns
pesquisadores chegaram a afirmar que “os eleitores são partidários antes de
serem democratas”.
No entanto, um estudo recente desafia essa
suposição. Os pesquisadores Nicolás de la Cerda, Isabel Laterzo-Tingley e
Ayelén Venegas conduziram um experimento natural com 2 mil eleitores
brasileiros – incluindo apoiadores e não apoiadores de Jair Bolsonaro – durante
o anúncio da denúncia da PGR contra o ex-presidente, em fevereiro de 2025. O
timing do evento permitiu comparar atitudes em relação à democracia antes e
depois do episódio.
Os resultados são reveladores: a
responsabilização de Bolsonaro não reduziu o apoio à democracia entre seus
eleitores. Mais do que isso, fortaleceu esse apoio entre os que não votaram
nele. Antes da acusação, 74% dos eleitores de Bolsonaro concordavam que a
democracia é preferível a qualquer outra forma de governo, e 98% consideravam
eleições livres e justas importantes. Em resumo, não há evidência de que a
denúncia tenha provocado reação antidemocrática em sua base eleitoral.
Como era de se esperar, entre os eleitores
que não votaram em Bolsonaro observouse um aumento no apoio à democracia após o
anúncio, especialmente em relação à valorização das eleições livres e justas e
à importância de uma oposição forte.
A conclusão é clara: responsabilizar
judicialmente líderes antidemocráticos não necessariamente polariza a
sociedade. Pelo contrário, pode reforçar os valores democráticos. E, ao
demonstrar que instituições são capazes de conter abusos sem comprometer sua
legitimidade, também abre espaço para que alternativas eleitorais à direita –
livres do bolsonarismo – se tornem viáveis em 2026.
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