segunda-feira, 17 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Leis de IA não podem incentivar o ‘roube primeiro, acerte depois’

Por O Globo

Europeus têm aplicado multas por violação de direitos autorais, mas recuo em regras de privacidade é preocupante

O Brasil precisa ficar atento aos movimentos de regulação da inteligência artificial (IA) na Europa. A legislação europeia foi inspiração da brasileira na proteção de dados e à privacidade. O PL das Redes Sociais, infelizmente ainda parado no Congresso, se inspira no regramento europeu ao atribuir às plataformas digitais corresponsabilidade pelo conteúdo que veiculam, exigindo que retirem posts do ar assim que notificadas da ilegalidade, em vez de esperar decisão judicial — que, lenta, é insuficiente para reparar danos quando tomada. A IA impôs novas questões aos reguladores e, mais uma vez, a União Europeia (UE) adotou regras que embasam as propostas em discussão no Congresso. Mas é motivo de preocupação o recuo encetado pelas autoridades europeias.

Reality da pré-prisão, por Miguel de Almeida

O Globo

Em pouco tempo, o brasileiro acostumou-se a votar para presidente e a acompanhá-los depois no curioso reality da pré-prisão

Até o Natal, deveremos ter dois ex-presidentes presos. Collor, por corrupção; Bolsonaro, por tentativa de golpe contra a democracia. Desde a redemocratização, já houve outros dois: Lula por corrupção e Michel Temer, sob acusação de maracutaias diversas e cabeludas. A Presidência só perde para o cargo de governador do Rio. Já passaram pela cadeia Moreira Franco, Cabral, Pezão, Garotinho, Rosinha, Witzel, enquanto Castro dá seus tiros para mostrar resistência.

De todos, Bolsonaro é o mais lamuriento. À beira da cela, comporta-se sem heroísmo. Seus parceiros plantam notícias da decadência de seu estado de saúde para angariar empatia. Compungido, o ex-ministro José Dirceu, uma de suas nêmesis, defende que ele cumpra a pena em prisão domiciliar. Este parece ser o tema a dominar as conversas de bar sob a atual primavera sem personalidade — onde Bolsonaro estará nos próximos anos?

Segurança tardia, por Irapuã Santana

O Globo

Brasil enfrenta gargalos profundos: baixo índice de resolução de crimes, excessiva sensação de impunidade

Durante décadas, a segurança pública foi tratada como tema secundário, embora seja, há anos, a principal preocupação da população brasileira. O medo da violência molda rotinas, influencia eleições e destrói vidas. Agora, finalmente, o país parece disposto a discutir o tema de frente — com a PEC da Segurança Pública e a Lei Antifacção reacendendo o debate sobre como proteger melhor a sociedade e restaurar a confiança nas instituições.

É preciso foco e paciência. A segurança não se resolve com discursos inflamados nem com medidas apressadas. O Brasil enfrenta gargalos profundos: o baixo índice de resolução de crimes, a excessiva sensação de impunidade e leis brandas, muitas vezes mal aplicadas pelo sistema de Justiça. Apenas uma resposta articulada entre polícia, Ministério Público, Judiciário e sociedade civil pode romper esse ciclo.

Insegurança tem custo alto, por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Empresas evitam o país ou certas regiões, não apenas pelos gastos com segurança, mas também para não expor seus funcionários

Antigamente era o “dinheiro do ladrão”. Hoje, o “celular do assaltante”. Esse antigamente é de décadas atrás. Os mais velhos diziam que não se devia sair de casa sem algumas notas no bolso. No caso de topar com algum meliante, você teria aquela reserva para entregar e evitar um desfecho mais desagradável do episódio. Hoje não se anda mais com dinheiro. Nem os assaltantes querem dinheiro, querem um celular, de preferência desbloqueado.

Como se carrega tudo no celular, de conversas íntimas a contas bancárias, incluindo a carteira de investimentos, o roubo do aparelho tem um custo econômico que pode ser desastroso. Além dos danos morais e psicológicos. Vai daí, muitas pessoas saem com um celular mais simples, apenas com os aplicativos de comunicação e localização. Os aplicativos financeiros ficam noutro aparelho, bem guardado em casa.

Inflação e mercado de trabalho, por Benito Salomão

Correio Braziliense

No processo de desinflação do Brasil, um fato chama a atenção: essa queda tem se dado simultaneamente a reduções consecutivas da taxa de desemprego

É conhecido por todos que a economia brasileira vem passando por um duro processo inflacionário, desde a saída da pandemia. Apenas recentemente, diante de contínuas quedas nas taxas de inflação, houve a convergência para a meta. Porém, nesse processo de desinflação, um fato chama a atenção: essa queda tem se dado simultaneamente a reduções consecutivas da taxa de desemprego.

A inflação é um dos fenômenos macroeconômicos mais difíceis de interpretar, e os economistas divergem sobre as suas causas. Uma interpretação desse fenômeno se deve a Alban Phillips, que estudou nos anos 1950 a inflação para o Reino Unido e verificou que, quando o desemprego caía, a inflação acelerava, e vice e versa. Em suma, haveria uma relação inversa na relação entre desemprego e inflação que ficou conhecida como Curva de Phillips.

O canal de transmissão de um desemprego baixo para uma inflação elevada seria exatamente o salário. Economias com desemprego baixo — como a brasileira — geram acirramento da concorrência entre as firmas por trabalhadores, isso as torna mais propensas a pagarem salários maiores, pressionando seus custos que serão consequentemente transmitidos aos preços.

A volta das doações empresariais e o voto distrital, por Bruno Carazza

Valor Econômico

Sistema político brasileiro pode ser aprimorado, desde que medidas sejam pensadas de forma estrutural e não oportunista

Nas últimas semanas têm sido observadas, nos corredores do poder em Brasília, movimentações para alterar as condições de disputa eleitoral no Brasil. De um lado, um projeto de lei estabelecendo o voto distrital misto tem ganhado tração na Câmara, enquanto uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal pretende reinstituir as doações de empresas nas campanhas eleitorais. Ambas podem modificar radicalmente o sistema político atual, embora tenham um forte componente oportunista.

Para entender o que está em jogo, é preciso desconsiderar as justificativas oficiais, entender que eleições são disputas resolvidas em geral na base do dinheiro (muito dinheiro) e, antes de descartar as propostas, pensar que elas podem trazer ganhos para a sociedade - se forem ajustadas.

Fazenda e BC travam disputa de dados, por Alex Ribeiro

Valor Econômico

Uma contenção fiscal pode segurar a atividade econômica e baixar a inflação, mas se a credibilidade for fraca, provoca aumento dos prêmios de risco e atrapalha na ancoragem das expectativas

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, assumiu uma posição mais vocal pela redução da taxa básica de juros nas últimas semanas. O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, respondeu que “não pode brigar com os dados” - ou seja, a economia segue sobreaquecida e a inflação ainda não caiu para a meta.

A Fazenda, então, passou a citar seus dados que apoiariam um corte na Selic - em uma entrevista do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao jornal Estado de S. Paulo, e numa entrevista coletiva do secretário de Política Econômica da Fazenda, Guilherme Mello, para divulgar o Boletim Macrofiscal.

Câmara vota amanhã PL Antifacção, que pode ter mais ajustes, por Murillo Camarotto

Valor Econômico

Hugo Motta não está disposto a novos adiamentos; governo continuará criticando o texto, que também não agrada a oposição

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), não está disposto a patrocinar um novo adiamento da votação do PL Antifacção. Prevista para terça-feira (18), a análise do projeto de lei em plenário vai acontecer por sistema híbrido, ou seja, por meio presencial e remoto. Não se descarta, porém, que haja novas mudanças no relatório mais recente apresentado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP). O governo seguirá apontando problemas no texto a fim de desgastar o parlamentar, adversário político. E a oposição também não está contente com a proposta.

Secretário licenciado de Segurança Pública de São Paulo, Derrite jantou na última quarta-feira (12) com os ex-presidentes da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e Eduardo Cunha, mas desconversou sobre o teor da reunião. Ele já apresentou quatro versões do seu parecer, cada uma com algum recuo em relação às queixas vocalizadas por governo, Polícia Federal (PF) e associações de procuradores. Também viu pedidos de adiamento da votação serem empilhados por governadores e parlamentares da oposição.

O governo Lula e a segurança pública, por Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

O combate ao crime organizado se tornou nota de rodapé das verdadeiras intenções da atual gestão

O que deveria ser o objetivo central do Projeto Antifacção, melhorar o combate a milícias e organizações criminosas, tornouse secundário, praticamente uma nota de rodapé das verdadeiras intenções do governo Lula, que queria usar o texto original apresentado à Câmara dos Deputados para rebater a percepção popular de que é mole com bandidos, e da oposição bolsonarista, que não quer dar essa colher de chá para Lula, nem que para isso tenha que destruir algo potencialmente positivo para a segurança pública.

Os governos do PT foram historicamente negligentes com o tema, com equívocos ideológicos como a vitimização sociológica de criminosos à frente da capacidade de encontrar soluções para o problema.

Segurança e violência, por Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

A segurança e o dizer não à violência tornaram-se bandeiras eleitorais. Finalmente!

A violência foi muito tempo tolerada no Brasil, diria quase normalizada, graças aos discursos e governos petistas que não lhe deram nenhuma atenção, salvo a de sempre frisar a mesma coisa: a de que sua causa seria exclusivamente social. A repetição foi se intensificando enquanto a esquerda no poder nada fazia. Nesse processo, em que discursos-enfeite encobriam uma terrível realidade tomando conta do País, territórios foram abandonados ao narcotráfico e às milícias, além de apoderar-se de outras esferas do aparato estatal. Um “Estado” foi se formando dentro do Estado, com suas próprias regras e “polícias”, além de seus modos próprios de imposição de tributos. Esse novo tipo de “Estado” tomou para si o monopólio da violência, impondo o terror a seus habitantes, com crimes, tiroteios e estupros, controlando, assim, a distribuição de gás, de internet, de eletricidade, além de extorquir os comerciantes da região. A população desses redutos extra-estatais tornou-se subjugada, não tendo a quem apelar.

Boas intenções não são suficientes para produzir mudanças na representação política, por Lara Mesquita

Folha de S. Paulo

Reformas eleitorais não devem desconsiderar ação e estratégia partidária

Mudanças exigem diagnóstico preciso do problema, análise da experiência internacional e compreensão das regras

Pesquisas de opinião sobre confiança nas instituições políticas e sociais brasileiras são unânimes ao indicar que partidos políticos e o Congresso Nacional figuram entre aquelas com menor credibilidade. A pesquisa mais recente sobre o tema, publicada em setembro pela Quaest, mostra que apenas 36% dos brasileiros confiam nos partidos e 45% confiam no Congresso.

A baixa confiança nas instituições é mais um sintoma da insatisfação com a representação política e com a própria democracia. Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil e ocupa posição central no nosso debate público.

Dirigentes políticos não são indiferentes ao descontentamento e buscam medidas para reduzir esse mal-estar.

Para entender o shutdown do governo nos EUA, por Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Foi a estratégia dos senadores democratas minoritários para mostrar oposição a Trump diante das críticas de que eram inertes

O país está dividido e não há vencedores claros no episódio

Não há registro na literatura comparada de algo como o shutdown do governo americano causado pelo impasse Legislativo-Executivo. O atual durou 43 dias e foi o mais longo da história. As implicações são severas: paralisia de serviços e dispensa temporária de funcionários.

Nos últimos 30 anos já ocorreram seis shutdowns. Trata-se, portanto, de evento raro, mas que tem se intensificado. O ponto de discórdia foram os cortes de programas de alimentação e saúde para 2026, e os protagonistas os senadores democratas. Curiosamente, o país está dividido e não há vencedores claros no episódio: 47% atribuem o shutdown aos republicanos, enquanto 50% responsabilizam os democratas.

Nos últimos cinquenta anos, o Congresso só aprovou "o orçamento" segundo o calendário previsto em quatro ocasiões. Outra especificidade americana é que não há exatamente uma lei orçamentária, mas doze, aprovadas nas doze subcomissões orçamentárias setoriais (appropriations), do Senado e da Câmara. Na maioria das vezes, só parte das doze são aprovadas. Só nas últimas décadas é que têm sido integradas em uma lei ônibus ampla. O prazo oficial para votá-las é 1º de outubro, mas nos últimos 15 anos, o prazo só foi cumprido duas vezes!

“Hoy inicia una nueva elección”: Discurso completo de Jeannette Jara tras triunfo electoral

 

Jeannette Jara e José Antonio Kast disputam o segundo turno no Chile

 

Poesia | Esperança, de Mário Quintana

 

Música | Ladeira da memória com Chico Buarque

 

domingo, 16 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais /Opiniões

Combater facções é fator crítico para preservar Amazônia

Por O Globo

Crime organizado se tornou um dos maiores responsáveis pela devastação florestal, revelam estudos

O crime organizado é um dos maiores vetores de destruição da Floresta Amazônica. As facções criminosas são responsáveis não apenas pela explosão de violência na região, mas também por dificuldades para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Por isso se tornaram objeto de estudos recentes e tema de debates na COP30, em Belém.

“O crime organizado se tornou um grande agente de desmatamento. Ele fragmenta a floresta e as comunidades”, diz o climatologista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia (SPA), uma rede de cientistas e líderes indígenas. Em relatório recém-lançado, o SPA constata que as quadrilhas do tráfico, do garimpo ilegal e da grilagem encontraram na devastação florestal uma fonte de lucro, usado para ocupar território e lavar dinheiro, como relatou reportagem do GLOBO.

A quem interessa? Por Merval Pereira

O Globo

O momento é de disputa com o crime organizado, não entre as instituições públicas responsáveis pelo bem-estar da população

O debate sobre a segurança pública no país, que pela primeira vez em muito tempo está saindo do papel para entrar na realidade do cotidiano dos brasileiros, pode estar gerando uma ação política eficaz se os lados que se contrapõem entenderem que o momento é de consenso, e não de disputa. Ou melhor, o momento é de disputa com o crime organizado, não entre as instituições públicas responsáveis pelo bem-estar da população. Pelo andar dos debates, ainda não se convenceram disso, e a dificuldade maior está no momento em que ele se dá, vésperas da eleição presidencial.

Derrite contra a Polícia Federal, por Elio Gaspari

O Globo

Secretário de Segurança de São Paulo produziu um monstrengo revelador dos interesses estabelecidos na máquina da segurança do país

Se Guilherme Derrite fosse um transeunte laçado na Praça dos Três Poderes para redigir um projeto de combate ao crime organizado, teria sido compreensível a barafunda que ele produziu com as várias versões de seu relatório para o projeto de lei contra as facções criminosas.

Infelizmente, Derrite é um veterano policial e secretário de Segurança do governador Tarcísio de Freitas, possível candidato a presidente da República. Mais: Derrite é um deputado federal e provável candidato ao Senado em nome do que seria um desejo do eleitorado por mais segurança. Foi laçado pelo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, para relatar o projeto de lei contra as facções criminosas.

Com quatro versões, Derrite produziu um monstrengo revelador dos interesses estabelecidos na máquina da segurança do país.

A direita e a segurança, por Míriam Leitão

O Globo

A direita tomou para si a pauta da segurança, mas não apresenta políticas eficazes de combate a este problema que tanto aflige a população

No Brasil, há um mito de que a direita sabe como fazer política de segurança. A extrema direita governou o país por quatro anos, de 2019 a 2022, e não apresentou qualquer proposta boa. Ao receber das mãos de Hugo Motta a relatoria do projeto do governo contra as facções criminosas, teve nova chance. Foi um fiasco. O secretário licenciado de segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, fez um relatório inicial perigoso porque enfraquecia a Polícia Federal, além de abrir um flanco para ações militares de outros países em território brasileiro. Quatro recuos depois, o relatório ainda tem defeitos.

O fim do caso dos 9 chineses, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Regime torturou e condenou estrangeiros sem provas; caso levou 21.930 dias para ser encerrado

Aconteceu em 3 de abril de 1964, nas primeiras horas do golpe. A polícia do governador Carlos Lacerda, fervoroso apoiador da quartelada, prendeu nove cidadãos chineses que viviam no Rio. Sem acusação formal, eles foram espancados e levados à sede do Dops. Penaram um ano em prisões militares até serem expulsos do país.

Para a ditadura, os chineses obedeciam ordens de Pequim e queriam implantar um regime maoíosta nos trópicos. Tudo paranoia. Dois deles eram jornalistas da agência estatal Xinhua e cumpriam a tarefa revolucionária de correr atrás de notícias. Os outros sete integravam missões comerciais.

Indiferença ao mal, por Dorrit Harazim

O Globo

Mulheres e idosos podiam ser mortos gratuitamente. Quando o alvo era uma criança ou homem, havia cobrança adicional

O preço do silêncio é sempre alto. Os mortos no Valle de los Caídos (hoje Valle de Cuelgamuros) na Espanha, em Auschwitz, Sarajevo ou Gaza não puderam falar. E os que ousaram abrir nossos olhos não foram ouvidos à sua época. Os muitos abismos de indiferença humana levam tempo até receber uma primeira lufada de verdade. Mas, uma vez aberta a comporta, ela — a verdade — emerge e matura, ora em jorro, ora aos pingos. E graças a uma característica tão humana quanto a indiferença: a perseverança. A busca por justiça, mesmo que tardia, responde a nossa incontornável obrigação de confrontar traumas coletivos e responsabilizar seus perpetradores.

— Toda a bondade e o heroísmo ressurgirão, para depois ser destruídos e ressurgir novamente. Não é que o mal vença (nunca vencerá), mas ele apenas não morre — escreveu John Steinbeck a um amigo no auge da Segunda Guerra.

O sonho acabou: chilenos vão às urnas neste domingo sob o signo do medo, Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O governo Boric chega enfraquecido ao fim do mandato. Sua agenda de reformas — tributária, previdenciária e trabalhista — esbarrou no Congresso conservador

Como aconteceu com as últimas eleições na Bolívia, no Equador e na Argentina, o Chile vota neste domingo polarizado entre a esquerda e a ultradireita. Jeannette Jara (Partido Comunista do Chile), apoiada pelo presidente Gabriel Boric, e José Antonio Kast (Partido Republicano, pinochetista), lideram a disputa.

Durante décadas, o país alternou presidências de esquerda e de direita moderadas, tornando-se um “case” de crescimento alto, estabilidade macroeconômica, redução da pobreza e instituições sólidas. Governos de centro-esquerda e centro-direita partilharam o mesmo “sonho chileno”: transformar o país em desenvolvido até 2020. Esse ciclo ruiu com o tsunami social de 2019, que expôs os limites do modelo: desigualdade social, serviços públicos precários, sistema de pensões privatizado e endividamento das famílias.

Tarcísio de volta ao jogo, por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Quanto mais pesadelo Lula tem, mais Tarcísio sonha com o Planalto em 2026

O impacto da operação policial mais letal da história não apenas conteve o embalo do presidente Lula como empurrou o governador Tarcísio de Freitas de volta para a disputa de 2026. Depois de sucessivos erros, idas e vindas e pedidos de desculpas, Tarcísio está se poupando e avaliando para onde os ventos – e as candidaturas – vão.

Desde o início, Tarcísio e seu principal mentor político, Gilberto Kassab, combinam duas táticas. A primeira é jamais admitir uma candidatura presidencial já em 2026, para evitar as chuvas, trovoadas e ataques, naturais contra quem se destaca. A outra é monitorar quais as condições de vitória, antes de qualquer decisão.

Só aumentar pena não previne o crime, por José Roberto Batochio

O Estado de S. Paulo

A isolada e abstrata exacerbação de penas para coibir a criminalidade constitui impenitente falácia há muito descartada pela Ciência Penal

Em mais um capítulo da interminável e demagógica novela do populismo penal, o Senado aprovou, em 14 de outubro, o Projeto de Lei n.º 4.809/24, que majora penas de certos crimes, em especial os cometidos com violência. Aproveitandose do sumário feito pelo site jurídico Migalhas, serão alteradas as punições para:

“Roubo qualificado: quando praticado em grupo ou contra transporte de valores, passa a ter pena de seis a doze anos de reclusão (antes, de quatro a dez anos);

Roubo com arma de fogo de uso restrito: de oito a vinte anos de prisão (atualmente, de quatro a dez, com aumento de dois terços);

Roubo com lesão corporal grave: de dez a vinte anos (antes, de sete a dezoito anos);

Constituição de milícia privada: de seis a dez anos (atualmente, de quatro a oito anos);

Receptação: de dois a seis anos (antes, de um a quatro anos);

Receptação culposa: de um a cinco anos (antes, de um mês a um ano ou multa); e

Homicídio simples: de oito a vinte anos (antes, de seis a vinte anos)”.

Engendrado na Comissão de Segurança Pública, sob a presidência do senador Flávio Bolsonaro, o projeto será agora apreciado pela Câmara dos Deputados, que tanto pode alterar como pode manter o texto. Causa preocupação que mais uma norma de viés populista passe a integrar nosso ordenamento jurídico-penal. Onde se irá parar?

Avanço com os EUA exige cautela, Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Engajamento entre os governos americano e brasileiro passou por teste de estresse

A suspensão das chamadas “tarifas recíprocas” por Donald Trump favorece o Brasil ao retirar os primeiros 10% do total de 50% de alíquota sobre os produtos brasileiros, e ao revelar a sensibilidade do presidente americano aos preços altos.

Na minha última coluna, escrevi que Trump precisaria mudar de estratégia. Isso tinha ficado claro nas derrotas dos republicanos nas eleições do dia 3, causadas pelo alto custo de vida. O decreto de sexta-feira retirou as tarifas apenas sobre produtos que os EUA não produzem o bastante, como café, frutas, suco de laranja e carne.

A medida pode reduzir a competitividade das exportações brasileiras, sujeitas a 40% de tarifas, enquanto os concorrentes ficam isentos. A Casa Branca anunciou na quinta-feira acordos comerciais com Argentina, Equador, El Salvador e Guatemala, que concorrem com o Brasil nesses produtos.

A guerra de Trump na Venezuela, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Presidente dos EUA parecerá derrotado por Maduro se não fizer nada agora, dizem analistas

Força militar reunida não basta para uma invasão, mas é similar a de outros ataques

O dito mais poderoso porta-aviões dos Estados Unidos, o Ford, chegou na semana passada ao Caribe. Em breve, estaria em posição de lançar aviões para atacar a Venezuela, assim como outros navios da frota poderiam atirar contra os venezuelanos. Na quinta, 13, Pete Hegseth, secretário (ministro) da Guerra, anunciou a operação Lança do Sul para a Nossa Pátria, por ordem de Donald Trump, com o objetivo de eliminar o "narcoterrorismo" da "vizinhança" e do hemisfério (as Américas). No dia 3 de novembro, Trump havia dito que "os dias de Maduro estão contados".

Analistas ou integrantes anônimos do governo americano entrevistados pela mídia dos EUA não veem ou não sugerem plano coerente para o amontoamento de tropas e navios no Caribe e a mobilização de tropas e unidades aéreas em território americano. Não se sabe o objetivo do movimento e os meios militares reunidos ainda não explicitam um plano.

A derrota de Derrite, por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

É uma pena que não haja oposição com quadros qualificados o suficiente para melhorar PL Antifacção

A política de segurança de Bolsonaro foi liberar armas para que cada um enfrente o crime por conta própria

Os fracassos de Guilherme Derrite (PP-SP) na semana passada provaram que o bolsonarismo sabe muito menos sobre segurança pública do que gosta de pensar que sabe. Foi feio de ver, mas foi educativo.

Quando Derrite tornou-se relator do projeto de lei Antifacções proposto pelo governo Lula, a direita lhe deu duas tarefas. A primeira era equiparar as quadrilhas de traficantes de drogas a terroristas, abrindo caminho para uma intervenção de Trump no Brasil. A segunda era manter o combate ao crime sob controle dos governadores.

Deu errado, e não tinha como dar certo.

Um prefeito bossa-nova, por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Sem academicismo, Zohran Mamdani oferece uma perspectiva de enraizamento avessa à conduzida pela extrema direita

Existe um fio mal percebido entre figuras como o príncipe William Zohran Mamdani, recém-eleito prefeito de Nova York. William (43 anos), herdeiro do trono inglês, visitou o Brasil como co-fundador do Prêmio Earthshot, o Oscar da sustentabilidade. No Rio e em Belém, ele aplaudiu as oportunidades de inovação climática que discerniu entre nós. Já Mamdani (34 anos) vem galvanizando o seu eleitorado feminino, jovem, gentrificados do Brooklin e imigrantes. Um toque especial de juventude pode ser o elo inicial entre as duas personalidades. Mais profunda, porém, é a moção da diversidade.

O povo de Hitler, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro esmiúça os processos que levaram à nazificação da Alemanha

População foi ao mesmo tempo vítima e participante ativa do regime

Como indivíduos e grupos que defendem ideias que a maioria de seus concidadãos considera desprezíveis ou absurdas conseguem ascender ao poder numa democracia? E como, uma vez no poder, são capazes de instalar, com pouca ou nenhuma contestação, um regime de terror?

O caso mais extremo desse processo se deu na Alemanha com o nazismo. Embora racismo e antissemitismo já fizessem parte da paisagem teutônica, a maioria da população alemã dos anos 1930, que incluía a fina flor da "intelligentsia" europeia, não era favorável a espancar judeus nas ruas e menos ainda de exterminá-los junto com outros grupos tidos como indesejáveis. Ainda assim, Hitler, que nunca escondeu suas ideias mais chocantes, se tornou chanceler num sistema democrático e se converteu em ditador com amplo apoio popular.

O duto do crime, por Carlos Drummond

CartaCapital

A cruzada para regulamentar as fintechs tem dimensão internacional

A principal instituição financeira do País, segundo os usuários, não é o Itaú, o Bradesco ou o Banco do Brasil, inconfundíveis e tradicionais, com suas logomarcas e cores próprias em cada esquina do Brasil, mas o Nubank, fintech criada em 2013 que não tem agências físicas, não capta depósitos e opera totalmente online por meio de aplicativos e da internet. É o que apurou um levantamento da empresa de pesquisas de mercado Okiar. O Nubank é preferido por 21,7% da população, o Itaú por uma parcela de 14,2% e o Bradesco, por 12%. Em outubro, seu valor de mercado, de 77,7 bilhões de dólares, superou, pela primeira vez, aquele da Petrobras, maior estatal brasileira e detentora do direito à exploração de milhões de barris de petróleo. PicPay, PagSeguro, XP Investimentos, Mercado Pago e C6 Bank são outros integrantes do que poderia ser chamado “Lado A” das fintechs. O lado B inclui o 2Go Bank e o InvBank, citados pela Polícia Federal como suspeitos de utilização pelo PCC para lavagem de dinheiro, o T10 Bank, usado em esquemas de criptomoedas em conexão com o crime organizado, e o BK Bank, braço financeiro do Primeiro Comando da Capital, entre várias instituições menos conhecidas.

Chile: Quatro contra uma, por Murilo Matias

CartaCapital

Um quarteto reacionário disputa a vaga de adversário da comunista Jeannette Jara no segundo turno das eleições

Na primeira eleição presidencial após a instituição do voto obrigatório, sob pena de multas que podem variar ao equivalente entre 100 e 500 reais, mais de 15 milhões de chilenos escolherão no domingo 16 os dois candidatos que se enfrentarão no segundo turno. A comunista Jeannette Jara­, candidata oficial, lidera as intenções de voto, mas a direita, caso se una, reúne maiores condições de eleger o substituto de Gabriel Boric. Quatro nomes direitistas disputam palmo a palmo a vaga oposicionista para enfrentar Jara: o veterano senador Jose Antonio Kast, o extremista Johannes Kaiser, ­Evelyn ­Matthei e Franco Parisi. “Milhões que irão votar pela primeira vez não possuem cultura política ou ideologia, podendo escolher no último momento, com grande influência das redes sociais. São eleitores que podem optar por Jara, Kast ou Kaiser sem maiores contradições”, afirma o sociólogo Ivan Carrasco Mora.

Poesia | A arte de ser feliz, de Cecília Meireles

 

Música | Samba pretexto, por Roberto Riberti

 

sábado, 15 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

E a estratégia? A lei é apenas um meio

Por Revista Será?  

Diante do impacto político gerado pela desastrosa invasão das favelas do Rio – Complexo do Alemão e da Penha – e da evidência do poder das facções criminosas nos territórios – a capacidade militar e logística e a produção própria de poderosos armamentos – os partidos, de direita e esquerda, se apressaram a mostrar serviço. Tinham que reagir. Como? Criando mais lei ou reformando as leis existentes. Não resolve nada, mas mostra que o governo e o Congresso estão preocupados, reagindo à crise de segurança pública do Brasil. Governo e oposição levam a disputa política para o conteúdo da legislação que possa lidar com o problema, divergindo em diferentes aspectos do projeto de lei que, supostamente, serviriam para conter a propagação do crime organizado no Brasil. Alguém já dizia: “se não quer enfrentar um problema, formule uma lei”. Não resolve e, em muitos casos ainda arrisca piorar. Como a proposta da direita e de alguns governadores, contida no primeiro relatório do PL Anti-facção apresentado pelo deputado Guilherme Derrite, enquadrando o crime organizado como terrorismo e tentando subordinar a atuação da Polícia Federal a autorizações dos governos estaduais. Todos concordam na introdução de penas mais elevadas e de maior rigor no regime prisional dos traficantes. Mas, como vão prender os chefões do crime organizado refugiados no quartel general das favelas ou nos presídios?

Lula perdeu a conexão com o povo? Por Thaís Oyama

O Globo

Quando o PT ancorava sua agenda na defesa dos direitos humanos em 1980, o cenário da criminalidade no país era outro

‘Reage, D’Alema, responde! Diz qualquer coisa de esquerda!’ A frase é de Nanni Moretti no filme “Abril”. Na cena, o italiano grita para a TV ao ver seu candidato, Massimo D’Alema, tomar um baile do populista de direita Silvio Berlusconi num debate eleitoral. No longa de 1998, Moretti faz uma versão ficcional dele mesmo — um cineasta de esquerda frustrado com a tibieza de seu campo político.

Lula, para alívio de seus Morettis, disse uma “coisa de esquerda” — aliás, duas — sobre a Operação Contenção, no Rio, e a consequência, como mostrou a pesquisa Quaest desta semana, foi a queda na sua popularidade. As frases do presidente — a operação “foi desastrosa do ponto de vista da ação do Estado” e traficantes são “vítimas dos usuários”, esta última dita e depois desdita — mereceram franca rejeição da maior parte dos brasileiros. Estaria Lula em Marte e os eleitores em Vênus?

Sociedade organizada, por Flávia Oliveira

O Globo

A conferência em plena Amazônia brasileira é também sinal da importância da democracia

A COP30 já é a segunda maior em número de participantes, 56,1 mil, ao todo — e isso tem muito a ver com a mobilização da sociedade civil organizada. As três últimas edições do encontro da ONU aconteceram em países sob regimes autoritários: Egito (2022), Emirados Árabes Unidos (2023) e Azerbaijão (2024). A conferência em plena Amazônia brasileira, portanto, é também sinal da importância da democracia. Belém está tomada por ações de organizações e movimentos sociais. E não apenas nos espaços oficiais; por toda a capital paraense, ao menos 80 endereços abrigam iniciativas sobre os impactos dramáticos da crise climática. Um conjunto robusto de estudos, relatórios, pesquisas, denúncias, inciativas, reivindicações e manifestações compõe o repertório a que as delegações diplomáticas pareciam desacostumadas.

Genealogia é carma? Por Eduardo Affonso

O Globo

O identitarismo inventou o pecado, mas, como na canção de Chico Buarque, se esqueceu de inventar o perdão

Pelos critérios da 36ª Bienal de arte de São Paulo, você não leria esta coluna. Haveria um conflito entre os temas abordados (quaisquer que fossem) e o trágico passado colonial mineiro.

É que um dos meus tetravôs foi o major José Luís da Silva Vianna. Pelos serviços prestados na Guerra do Paraguai, ele ganhou de D. Pedro II a patente militar e as terras onde mais tarde mandou erguer uma capela. No entorno, formou-se uma aldeia de indígenas catequizados, que deu origem à Vila de São Sebastião de Pedra do Anta, hoje um pacato município da Zona da Mata mineira.

O major não só participou do etnocídio no Paraguai e em Minas, como se valia de trabalho escravo em suas lavouras de café. Cinco gerações depois, ainda deve respingar sangue no teclado em que digito — motivo suficiente para que este texto não deva ser lido.

Quando a maioria é injusta, por Juliana Diniz

O Povo (CE)

A espetacularização das operações policiais rende votos porque alimenta a sede de justiçamento de uma sociedade cansada da insegurança. O cadáver do bandido gera gozo: os cidadãos de bem se sentem "vingados" pela eliminação desse inimigo personificado no corpo abatido pela polícia

A operação policial que ocorreu há dias nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, ficou marcada como a mais letal de todas as já realizadas. As imagens dos cadáveres não foram suficientes para impactar a opinião pública: pesquisas indicam que a maioria aprovou o ato. Os números influenciaram a movimentação dos políticos de direita, assim como contiveram instituições como Poder Judiciário e Ministério Público, que reagiram timidamente.

A espetacularização das operações policiais rende votos porque alimenta a sede de justiçamento de uma sociedade cansada da insegurança. O cadáver do bandido gera gozo: os cidadãos de bem se sentem “vingados” pela eliminação desse inimigo personificado no corpo abatido pela polícia. Pouco importa se o morto é inocente ou não; se havia mandado de prisão ou denúncia formal.

Jogo ainda aberto, por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Estamos na quarta versão do relatório de Guilherme Derrite para o projeto Antifacção. Iremos à quinta, pelo menos. A estratégia de seu assessor parlamentar Hugo Motta – de atropelar à la Lira – fracassou. O governo, desapropriado, que teve tomada a autoria-gestão sobre proposta originalmente sua, provocou e colhe o desgaste do relator. Ganhou tempo e ar; e investe em que tenhamos as sexta, sétima, oitava versões como expressões de improviso.

Se não tem mais a propriedade sobre o que criara, trabalha para que o projeto ao menos não tenha a cara da oposição. Gestão de danos, depois da trairagem fundamental de Motta, que pegou a proposta de Lula para segurança pública – para 2026 – e deu na mão da oposição, precisamente na de Tarcísio de Freitas, o provável desafiante. Assim foi posta a mesa, em função da qual o Planalto organizou o seu jogo. Reagir imediatamente ao relatório da hora para lhe apontar “fragilidades e inconsistências”.