quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Opinião do dia - Jürgen Habermas* (Os direitos humanos)

“Os direitos humanos formam uma utopia realista na medida em que não mais projetam a imagem decalcada da utopia social de uma felicidade coletiva; antes, eles ancoram o próprio objetivo ideal de uma sociedade justa nas instituições de um Estado constitucional.

Naturalmente, essa ideia transcendente de justiça introduz uma tensão problemática no interior de uma sociedade política e social. Independentemente da força meramente simbólica dos direitos fundamentais em muitas das democracias de fachada da América do Sul e de outros lugares, na política dos direitos humanos das Nações Unidas revela-se a contradição entre a ampliação da retórica dos direitos humanos , de um lado, e seu mau uso como meio de legitimação para as políticas de poder usuais, de outro.”

*Jürgen Habermas (Düsseldorf, 1929) é um filósofo e sociólogo alemão, ‘Sobre a Constituição da Europa’ (2011), pp. 31-2, Editora Unesp, 2012.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ruína do Master expõe incúria de fundos públicos

Por O Globo 

Não há justificativa para Previdência do funcionalismo investir em papéis do banco que todos sabiam definhar

É fundamental que a polícia investigue com rigor os investimentos dos fundos de Previdência de estados e municípios em títulos do Banco Master, cuja liquidação extrajudicial foi decretada nesta semana. De outubro de 2023 a dezembro de 2024, R$ 1,9 bilhão foi aplicado em papéis do Master por 18 fundos do funcionalismo público — metade disso pelo Rioprevidência, do governo do Rio de Janeiro. As dificuldades do Master eram conhecidas, e não há justificativa plausível para tais investimentos. No fim do ano passado, o Tribunal de Contas do Estado do Rio apontou irregularidades e fez um pedido para o Rioprevidência suspender novas aplicações no Master. Foi ignorado. Não há notícia de que o governador Cláudio Castro (PL-RJ) tenha se esforçado para proteger o patrimônio dos funcionários do estado.

Linguagem simples, por Merval Pereira

O Globo

Juridiquês” é uma maneira empolada de explicar as decisões do Judiciário e geralmente quer revelar uma sofisticação de linguagem que não passa de presunção, sem conexão com a realidade.

A busca por “linguagem simples” ganhou força com a assinatura, pelo presidente Lula, da lei que proíbe o uso da linguagem neutra na administração pública em todos os níveis, como União, estados e municípios. A regra determina que órgãos públicos sigam a norma culta, sem usar “novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas, ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, promulgado pelo Decreto nº 6.583, de 29 de setembro de 2008”.

A lei vale para todos, por Julia Duailibi

O Globo

O fato de ele ser ex-presidente influenciará os próximos passos. Mesmo sem qualquer previsão legal

Jair Bolsonaro deverá ser preso nos próximos dias. A discussão agora é se a pena de 27 anos e três meses começa a ser executada em regime fechado ou se ele continua em casa, onde cumpre prisão cautelar num outro processo, em que seu filho Zero Três foi denunciado e se tornou réu.

Bolsonaro não tem direito a qualquer regalia por ter sido presidente. A lei não prevê isso. Ao contrário, prega que todos os brasileiros são iguais. Mas ele terá eventual direito a domiciliar se, e apenas se, ficarem comprovadas questões humanitárias, como as de saúde. Embora seja uma previsão ignorada para a maioria, ela se faz valer quando o preso tem recursos. Deveria valer para todos, mas o fato de ser aplicada a figurões não a torna ilegal. Ilegal é receber o benefício só porque ocupou o mais alto cargo da República.

Antes tarde do que mais tarde, por Malu Gaspar

O Globo

A operação da Polícia Federal (PF) que prendeu Daniel Vorcaro e outros dirigentes do Banco Master por falsificar títulos de crédito para encobrir um desvio de R$ 12,2 bilhões do Banco de Brasília, o BRB, foi certeira, mas o Banco Central não precisava ter esperado até que surgisse uma fraude tão grosseira para começar a agir.

As peripécias de Vorcaro são acompanhadas com lupa no mercado já há alguns anos, pelo menos desde 2021, quando seu banco passou a crescer vertiginosamente vendendo títulos que prometiam rendimentos extraordinários aos clientes e pagando comissões fora do comum aos corretores.

Cientistas avisam: não há mais tempo, por Míriam Leitão

O Globo

Eles cobram mais empenho para o fim do uso dos combustíveis fósseis e Lula entra na força- tarefa para destravar as negociações

Uma grande tempestade despencou sobre Belém logo após os cientistas fazerem mais um de seus alertas, em tom bem duro: “Estamos numa encruzilhada planetária. A COP 30 tem uma escolha: proteger as pessoas e a vida, ou proteger a indústria do combustível fóssil”, escreveram. Naquele mesmo momento, em outro lado da Blue Zone, o presidente Lula estava recebendo o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Carsten Schneider. Ao sair, o alemão afirmou que apoia o mapa do caminho para sair dos combustíveis fósseis. Oitenta e dois países já fizeram isso, entre eles, Reino Unido, Noruega, França, México, Quênia, Portugal e Holanda.

A hora de a América Latina se ajustar, por Assis Moreira

Valor Econômico

O custo será mais doloroso se a região demorar a construir uma base mais sólida capaz de elevar a produtividade e promover inclusão e sustentabilidade

A América Latina necessita realmente reconfigurar sua composição econômica para responder aos desafios atuais. É a mensagem, nada nova, mas revigorada, agora num cenário global mais turbulento, feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em novo relatório sobre as perspectivas econômicas da região, na qual o Brasil tem forte peso, a constatação é de que o crescimento econômico está desacelerando na América Latina, em linha com a economia global. A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) per capita estabilizou-se próximo ao seu crescimento potencial. A inflação persistente, as vulnerabilidades fiscais, as tensões geopolíticas e as perturbações relacionadas ao clima continuam a representar riscos, variando conforme as diferentes estruturas econômicas, composições das exportações e capacidades institucionais.

A Black Friday do Estado policial, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Quem entrar no gabinete de Lula movido pela expectativa de arrancar panos quentes no Master corre o risco de sair com as mãos abanando

Quem entrar no gabinete presidencial movido pela expectativa de arrancar panos quentes, tamanho é o imbricamento do caso Master, corre o risco de sair com as mãos abanando. Lula I e II tinham um projeto de poder. O de Lula III é um projeto de legado que passa, sim, pela extensão do poder até 2030, mas se invalidará se abrigar as petições desta pauta, venham do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, da Casa Civil ou do Ministério das Minas e Energia.

Sem preso algemado, condução coercitiva, imprensa na porta das operações, coletivas espalhafatosas ou uma máquina de conluios como a de Curitiba, é o Estado policial que está de volta. Na verdade, uma prolongada Black Friday do Estado policial, que vai garantir emoção na folhinha do calendário até o fim do primeiro semestre de 2026. Dos desdobramentos dos inquéritos que resultaram no desbaratamento das fraudes do INSS ao caso Master, passando pela operação Carbono Oculto e pela venda de sentenças no STJ, cabe tudo lá.

Bolsonaro 2026, nem com Fux ou Kassio, por Carolina Brígido

O Estado de S. Paulo

Mesmo com apoio de integrantes da cúpula do Judiciário, não há condições de reverter inelegibilidade

Jair Bolsonaro deposita em dois ministros a esperança de ter o rosto estampado nas urnas em 2026. No Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux é o relator de um recurso contra a inelegibilidade. Em junho do ano que vem, Kassio Nunes Marques assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Embora ambos tenham afinidade ideológica com o ex-presidente e não economizem demonstrações públicas nesse sentido, não há caminho jurídico capaz de reverter a situação eleitoral do capitão agora.

Daniel Vorcaro e o funk ostentação, por William Waack

O Estado de S. Paulo

Daniel Vorcaro criou um “hedge” político que consistia em levar todo mundo para a festa. Nada de novo ou original. Periodicamente alguma figura de ascensão meteórica na arte de juntar dinheiro – em geral, às custas de trouxas – garante seus negócios chamando quem está próximo do cofre e/ou da máquina pública.

O que fez o ex-banqueiro sentir-se tão à vontade foram dois fatores, um de longo prazo e o outro o resultado das novas tecnologias (leia-se redes sociais). O primeiro é o velho patrimonialismo brasileiro, na forma de agrupamentos privados apelidados de partidos que entendem como ninguém de dinheiro de trouxas (contribuintes). Tem sempre dinheiro público envolvido em manobras como as de Vorcaro e de seus antecessores.

Caso Master enseja modernização do Estado, por Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

Episódio deveria servir para que o poder público repensasse as normas atuais, endurecendo-as

Ocaso do Banco Master está sendo amplamente discutido, graças ao bom trabalho do jornalismo brasileiro, a partir de veículos sérios, com profissionais aptos ao exercício do ofício. É hora de refletir e de agir sobre as brechas regulatórias; elas ainda permitem o surgimento de monstrengos perigosos, como se vê.

A atuação firme do Banco Central é motivo de orgulho. A autonomia da instituição é essencial para a boa condução da política monetária e igualmente importante para garantir a solvência, a organização e o funcionamento do sistema financeiro. O recente episódio noticiado a respeito das pressões de parlamentares para alterar a legislação e avançar sobre diretores do Banco Central não pode ser esquecido.

Banco Master e PL Antifacção deixam Lula e Hugo Motta em rota de colisão, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A crise do Master desmontou uma engrenagem de proteção política que vinha funcionando nos bastidores de Brasília. O banqueiro Daniel Vorcaro investiu pesado na construção de blindagem institucional

A aprovação do PL Antifacção por 370 votos a 110, em meio à maior operação da Polícia Federal desde o início do governo Lula, pode ser um ponto de ruptura entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que estão em rota de colisão e trocam farpas pelas redes sociais. De um lado, uma derrota legislativa contundente em um tema tão sensível, a segurança pública, mostrou a fragilidade da base de apoio do governo na Câmara e pôs em xeque sua governabilidade. De outro, revelou o grau de infiltração do Banco Master no sistema político e financeiro, com ramificações que atingem diretamente o núcleo do Centrão que hoje comanda a Câmara.

O que as eleições no Chile revelam, por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Houve metamorfose nas forças políticas em três democracias sul-americanas

É provável que o próximo presidente seja de direita

Eleições sempre podem trazer surpresas. Mas é provável que o próximo presidente do Chile seja um político de ultradireita: José Antonio Kast. Embora no primeiro turno tenha sido superado pela candidata da coligação de esquerda Unidade pelo Chile, ele tem agora mais chances de crescer, somando os votos de dois outros candidatos direitistas, do que sua adversária comunista Jeanette Jara.

A possível vitória de Kast vem sendo interpretada de duas maneiras. A primeira prevê que ela selará uma virada histórica à direita na América do Sul, antecipada pela eleição de Bolsonaro em 2018 e seguida pelas vitórias de Javier Milei, na Argentina, em 2023, de Daniel Noboa, no Equador, e de Rodrigo Paz, na Bolívia, ambas em 2025.

Congresso quase inteiro está caladinho sobre o Master e o BRB, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Caso Americanas, que era roubança privada, teve CPI. Rolo com banco estatal não vai ter?

CPIs têm dado em nada, mas frente ampla de inquéritos dificulta a vida dos malandros

O Congresso não tem vontade alguma de criar uma CPI do Master-BRB. Um deputado federal, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), tenta arrumar assinaturas para o requerimento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. "Não vai rolar", diz uma dúzia de seus colegas da Câmara. Querem ver o assunto cair morto em um caixão.

Pelo menos desde que o BRB decidiu comprar o Master, em março, se diz que Daniel Vorcaro tinha muito amigo e contato importante em Brasília, o que em si não quer dizer nada. Banqueiros e empresários muito maiores têm ainda mais amigo e contato importante em Brasília. Não quer dizer que corrompam.

O silêncio parlamentar, no entanto, é sintomático.

Ministro banqueirófilo pode julgar banqueiro? Por Conrado Hübner Mendes

Folha de S. Paulo

Decisão do STF sobre Vorcaro, seja qual for, exalará todos os cheiros da suspeita

Banqueiro acusado de crimes contra o sistema financeiro patrocinou elites políticas, jurídicas e empresariais

Daniel Vorcaro é acusado de crimes contra o sistema financeiro. Teria praticado as mais desvairadas aventuras com dinheiro público e privado, fundos de previdência estatais, recursos de aposentados, falsificado títulos de crédito, negociado CDBs de contos de fadas.

Sob a condescendência do Banco CentralCade, Fundo Garantidor de Créditos, além de governos municipais e estaduais que bancaram suas promessas, o Banco Master explodiu e acaba de ser liquidado pelo Banco Central. Vorcaro segue em prisão preventiva enquanto advogados trabalham juridicamente e "sócio-politicamente" para tirá-lo de lá.

Entre Belém e Berlim, por Thiago Amparo

Folha de S. Paulo

Fala condenável do primeiro-ministro da Alemanha reflete uma visão neocolonial

Forma europeia de hierarquizar o mundo mostra que pouco se aprendeu sobre justiça climática

Entre Belém e Berlim, não há comparação. Apenas o governo sediado em uma delas definiu que possui um problema de "paisagem urbana" (lido como referência xenófoba a imigrantes); apenas uma delas decidiu retomar a venda de armas a Israel na última segunda-feira (17); apenas uma delas reprime de forma violenta protestos pró-Palestina; e apenas o governo sediado em uma delas cometeu um genocídio na Namíbia, pelo qual deve bilhões de euros. Spoiler: não é Belém, no Pará.

Cala a boca já morreu' morreu mesmo, por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Há 10 anos, a ministra Cármen Lúcia libertou as biografias no Brasil

E, ao contrário do que temiam, os artistas não tiveram suas intimidades bisbilhotadas

Dez anos se passaram desde que, em junho de 2015, a ministra do STF Cármen Lúcia liquidou com a censura prévia que dois impertinentes artigos do Código Civil impunham às biografias produzidas no Brasil. Por esses artigos, os biógrafos eram obrigados a pedir a autorização de seus biografados ou dos herdeiros deles para investigar-lhes a vida e descrevê-la em livro. Se essa obrigação parece justa ao leigo, imagine um biógrafo alemão tendo de pedir à família de Adolf Hitler que o autorizasse a escrever uma biografia do homem. O Brasil era o único entre as democracias a praticar esse estrupício —e, não por acaso, debochado pelos de fora ao saberem que aqui era assim.

A História e as suas camadas, por Ivan Alves Filho

Por nossa casa no Rio de Janeiro transitavam, ao longo dos anos, Astrojildo Pereira, Nelson Werneck Sodré, Oscar Niemeyer, Domingos da Guia, Ismael Silva, Gerardo Mello Mourão, João Saldanha, Sílvio Caldas, Ferreira Gullar, Carlos Alberto Caó de Oliveira, Fernando Ferrari, Giocondo Dias e Luiz Carlos Prestes. Outros que eu não me recordo de ter visto lá em casa, mas que eram amigos de meu pai, e que eu também conheci, foram Prudente de Morais, neto, Doutel de Andrade, Benjamin Cabello e Alberto Passos Guimarães. Com o tempo, algumas dessas amizades foram sendo transferidas também para mim. E eu fui criando outras pela vida afora, naturalmente. 

Poesia | Por Luciana Braga e Ana Beatriz Nogueira - A máquina do mundo, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | 'A cara do Brasil, por Celso Viáfora

 

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Opinião do dia -Jürgen Habermas* (O discurso democrático)

“O Estado democrático de direito se tornou um projeto, ao mesmo tempo resultado e acelerador de uma racionalização do mundo da vida que vai muito além do aspecto político. O verdadeiro conteúdo deste projeto é a institucionalização gradualmente melhorada dos procedimentos de formação coletiva racional da vontade, os quais não podem prejudicar os objetivos concretos dos participantes. Cada passo nesse caminho tem repercussões sobre a cultura política e sobre as formas de vida. Porém, por outro lado, sem a contrapartida de uma cultura política e de formas de vida racionalizadas, não poderiam surgir formas de comunicação adequadas à razão prática.

*Habemas, Jürgen (1929). Facticidade e Validade: contribuições para uma teoria discursiva do direito e da democracia. Trad: Felipe Gonçalves Silva e Rúrion Melo. p.651, São Paulo: UNESP, 2020.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

BC e PF agiram na hora certa contra Master e Vorcaro

Por O Globo

Liquidação do banco e prisão do dono não esgotam investigação. Ela deve mirar agora braço político do esquema

Veio em boa hora a decisão do Banco Central (BC) de decretar a liquidação extrajudicial do Banco Master. Sob a acusação de negociar títulos fajutos de crédito, o banqueiro Daniel Vorcaro, dono do Master, foi preso pela Polícia Federal (PF) quando estava prestes a decolar de Guarulhos num jatinho rumo à Ilha de Malta. A PF prendeu ainda seu sócio Augusto Lima e outros executivos do banco. A Justiça afastou a cúpula do Banco de Brasília (BRB), também alvo das investigações. Entre os crimes investigados pelas autoridades estão gestão fraudulenta e temerária. Apesar das cifras bilionárias envolvidas, a liquidação do Master não representa risco para o sistema bancário brasileiro. Ao contrário, demonstra a independência e a agilidade da vigilância do BC para preservá-lo.

Governo e Centrão selam divórcio, por Vera Magalhães

O Globo

Votação de PL antifacção e operação tendo Daniel Vorcaro, amigo de caciques do bloco, consolidam afastamento que terá reflexos nas eleições

A votação do Projeto de Lei Antifacção pela Câmara e a deflagração da terceira operação da Polícia Federal em poucos meses com reflexos na classe política selam o divórcio litigioso entre o governo Lula e uma parcela poderosa do Centrão. O que resta é avaliar os efeitos desse afastamento, cada vez mais definitivo, no último ano de mandato do petista e nas eleições do ano que vem.

Diante das seguidas evidências de que a ala do Centrão que declarou guerra a Lula — com Ciro Nogueira e Antonio Rueda à frente e outras figuras-chave da Câmara nos pelotões intermediários — exerce enorme influência sobre Hugo Motta, o governo aposta cada vez mais na aproximação com Davi Alcolumbre para praticar algum tipo de redução de danos em votações e também na montagem de palanques regionais. Mas o céu não está assim tão desanuviado.

A camaradagem de Vorcaro, por Bernardo Mello Franco

O Globo

PF prendeu Daniel Vorcaro sob acusação de fraude bilionária; falta pegar quem o ajudou a chegar tão longe

Daniel Vorcaro fez fortuna com títulos podres, tentou escapar da polícia e foi alcançado com o pé no jato. A aventura do banqueiro terminou numa prisão espetacular no aeroporto, quando ele embarcava para Malta. Agora falta pegar quem o ajudou a chegar tão longe.

O Banco Master se notabilizou por oferecer títulos que pagavam muito acima dos valores de mercado. Trombeteava juros impossíveis e despejava capital alheio em empresas encrencadas. Sua propaganda prometia risco zero: se o banco quebrasse, a conta seria terceirizada para o Fundo Garantidor de Créditos (FGC).

A encrenca sindical de Lula, por Elio Gaspari

O Globo

A ideia é tungar os trabalhadores

O Senado aprovou e está no Palácio do Planalto, à espera da sanção de Lula, o Projeto de Lei que veda “a realização de descontos, nos benefícios pagos pelo INSS, referentes a mensalidades, contribuições ou quaisquer outros valores destinados a associações, sindicatos, entidades de classe ou organizações de aposentados e pensionistas, ainda que com a autorização expressa do beneficiário”. Depois da exposição das roubalheiras que uma dúzia de entidades praticava contra os aposentados, isso era pedra cantada. Mesmo assim, o comissariado petista defende que esse artigo seja vetado pelo presidente. Ele já foi conhecido como Lula, o Metalúrgico.

Seguir essa questão é uma visita ao mundo das prebendas nacionais. No final do século passado, ao tempo do Metalúrgico, Lula era outro. Opunha-se à cobrança de um dia de trabalho dos cidadãos, sob o nome de imposto sindical, e há meio século dizia coisas assim:

— O Estado de Direito para o trabalhador vai muito além de coisas genéricas como liberdade de imprensa e habeas corpus. Eles precisam ter autonomia e liberdade sindical.

Prisão de Vorcaro assusta mais a política do que a de Bolsonaro, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Busca de blindagem mostra o que Vorcaro é capaz de fazer para evitar prisão e tirar o sono em Brasília

Foram tantas as investidas do banco Master e de seu principal controlador em busca de cumplicidade na Praça dos Três Poderes e na avenida Faria Lima que a operação que prendeu Daniel Vorcaro e decretou a liquidação do banco chegou a ser desacreditada por muitos em Brasília. Sua efetivação, na noite de segunda, levou a aflições, na política, que superam, e muito, aquelas que precedem a provável ida do ex-presidente Jair Bolsonaro para o regime fechado.

No dia 2 de setembro, as digitais de sua rede de proteção no Congresso apareceram num requerimento de urgência apresentado pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA) a um projeto que permitiria ao Congresso demitir diretores do Banco Central. Com esta afronta à autonomia do BC, buscava-se impedir que a autoridade monetária vetasse a compra do Master pelo BRB, banco público cujo acionista majoritário, o governo do Distrito Federal, vive de mesada da União.

Governistas buscam capitalizar caso Master, mas cautela deve prevalecer, por César Felício

Valor Econômico

Lista de aliados de Daniel Vorcaro no mundo político é longa e não se limita à oposição

Ainda na parte da manhã desta terça-feira, o escândalo do Banco Master virou pauta para governistas na CPI do crime organizado e na CPMI do INSS, que tomavam depoimentos em salas do Senado. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), ficou na retórica. Durante a audiência que ouviu o diretor da Polícia Federal Andrei Rodrigues na CPI do crime organizado, pontuou que a operação policial que prendeu o banqueiro Daniel Vorcaro mostrava que a delinquência também estava “na Faria Lima”.

O deputado Rogério Corrêa (PT-MG) foi um pouco além e antecipou a intenção de transformar o Banco Master em mais um dos múltiplos alvos da CPI do INSS. Tomou a palavra para construir um vínculo, para lá de tênue, do banqueiro com o caso.

Prisão de banqueiro e liquidação do Master também repercutem na política, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Segundo a PF, várias operações financeiras só prosperaram após pressões diretas de autoridades com trânsito em bancos estaduais, autarquias e fundos de servidores

A liquidação do Banco Master, decretada pelo Banco Central após a deflagração da Operação Compliance Zero pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, nesta terça-feira (18/11), desencadeou um abalo simultâneo no sistema financeiro e no mundo político. A investigação aponta que a cúpula do Master montou um esquema de fraude contábil bilionário para mascarar um rombo estrutural, mantendo a aparência de solvência enquanto as finanças da instituição se deterioravam rapidamente.

O controlador do banco, Daniel Vorcaro, preso quando tentava embarcar para Malta, é acusado de vender ao Banco de Brasília (BRB) carteiras de crédito fictícias no valor de R$ 12,2 bilhões, apoiando-se em documentos com datas retroativas e assinaturas eletrônicas emitidas meses depois, uma evidência direta de falsificação. Tratava-se de criar ativos inexistentes e inflar o patrimônio do banco artificialmente, numa tentativa desesperada de evitar o colapso.

O medo de uma nova Lava Jato, por Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo

Demora de Lula para enviar o projeto Antifacção ao Congresso ajudou a criar polêmicas

A cena lembraria a novela Vale Tudo. O empresário Daniel Vorcaro ia deixar o Brasil em seu jatinho horas antes de a Federal bater na sua porta. Não deu. Algemas esperavam o banqueiro no embarque. O desfecho do caso Master se une a outros fantasmas que rondam Brasília. Avisos não faltaram, enquanto o governo Lula patinava na formulação de um projeto de lei antimáfia.

Desde que o PCC e o CV passaram a atuar no tráfico transnacional de drogas seus recursos cresceram exponencialmente. E não é só para a Receita que dinheiro não tem cheiro. Na hora de receber comissões, operadores do mercado agiram da mesma forma: pouco importava a origem do bilhão da contabolsão ou das operações de câmbio para a compra de USDT. Isso fez com que recursos do crime e do terror passassem a circular nos mesmos escaninhos do dinheiro da sonegação e da corrupção. Era questão de tempo para da festa se passar à ressaca.

Segurança pública une novamente centrão e bolsonarismo na Câmara contra Lula

Por Ranier Bragon , Victoria Azevedo , Carolina Linhares e Raquel Lopes / Folha de S. Paulo

Governo foi derrotado por ampla maioria no PL Antifacção, relatado por Derrite e comandado por Motta

Aliança centrão-oposição havia sido abalada pela reação da esquerda com o discurso de justiça tributária e soberania

O bloco de centro-direita e de direita na Câmara se uniu novamente nesta terça-feira (18) contra a esquerda em um tema que tem se mostrado, por ora, a principal dor de cabeça de Lula na sua tentativa de se reeleger em 2026.

A Câmara aprovou o projeto de Lei Antifacção por 370 votos a favor e 110 contra, num revés ao Palácio do Planalto, que viu seu projeto ser alterado e tentou adiar a apreciação da matéria após discordar de mudanças feitas. Partidos com representantes na Esplanada dos Ministérios entregaram 60% dos votos favoráveis, em mais um sinal da fragilidade da base aliada no Congresso.

Delação no caso Master pode explicar simpatia do centrão e do direitão pelo banco. Ou não, por Vinicius Torres Freire

Folha S. Paulo

Investigações preliminares indicam que BRB comprou R$ 12 bilhões de vento do Master

Fraude tão grande só se explica por inépcia total ou por corrupção. Para benefício de quem?

Daniel Vorcaro tinha amigos importantes em Brasília, a gente está farta de ler e ouvir faz meses, ainda mais agora, quando o futuro ex-dono do Banco Master está na cadeia. Fazia lobby, eventos, jantares, tal como quase qualquer empreendedor, digamos, que não vai a passeio à capital.

Ele, sócio e parentes tinham amigos no centrão e no direitão. Esse rumor sabidão de "bastidores", porém, diz quase nada até sobre a dúvida mais óbvia sobre esse rolo, um escândalo que pode empatar com o da Americanas em roubança.

Segundo investigações, o BRB, banco do governo do Distrito Federal, dava dinheiro para o Master, antes e depois da decisão oficial de comprá-lo. Como assim? O BRB comprava dívidas a receber, créditos, fictícias do Master (no caso, consignados).

O mito da polarização, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Estudo mostra que os apaixonados políticos são minoria barulhenta e eleitoralmente insignificante

O problema é que a maioria não engajada não tem (ainda?) alguém que seja capaz de representá-la

Direita e esquerda, da forma como se apresentam hoje, não caem nas graças da maioria. A dita polarização tampouco. Um passeio pela vida real dá a dimensão do que se passa longe da internet e do noticiário que reverbera as vozes engajadas.

Foi o que fizeram os pesquisadores Pablo Ortellado e Felipe Nunes ao elaborar um estudo com duas centenas de perguntas a 10 mil brasileiros. O resultado traduziu a realidade em números: os apaixonados extremos são 11%, e os levemente enamorados, 35% —enquanto 54% estão na pista, no aguardo de quem lhes desperte o interesse.

A esquerda ainda não entendeu o apoio popular à operação militar no Rio, por Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Viver sob facções ativa autoritarismos que a esquerda insiste em tratar como direitismo

Facções destroem a ordem comum; a reação autoritária popular não é ideologia, é sobrevivência

A megaoperação no Rio produziu um fenômeno desconcertante para a esquerda e os progressistas: apesar do número extraordinário de mortos, a maioria da população a aprovou. A Quaest mostra que 67% dos brasileiros consideram a operação correta e que 67% julgam que a polícia não exagerou na força.

No Rio, o Datafolha confirma: 57% concordam com o governador que a ação foi "um sucesso", e quase 70% dizem que ela foi bem ou suficientemente bem executada. Mais decisivo: 81% acreditam que "todos" ou "a maioria" dos mortos eram criminosos.

Para a maioria, portanto, a operação foi legítima, necessária e moralmente justificável, e os rótulos "chacina" e "genocídio" não pegaram.

Bolsonaro merece tratamento especial? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Condição de ex-presidente não deveria por si só assegurar nenhum tipo de regalia penal

Se STF optar por domiciliar por razões sanitárias, deveria estender benefício a todos os presos com saúde frágil

Começou a contagem regressiva para o encarceramento definitivo de Jair Bolsonaro. É justo que ele receba algum tratamento especial?

O jornal O Estado de S.Paulo acaba de publicar um editorial em que crava um "sim" à pergunta. E a linha-fina da peça desenvolve o raciocínio: "Como ex-presidente, Bolsonaro não pode ser tratado como um preso qualquer". A Folha já defendera, em setembro, prisão domiciliar para o ex-mandatário.

Poesia | A mulher que passa, de Vinícius de Moraes

 

Música | Carlos Lyra - Além da Bossa (Carlos Lyra e Daltony Nóbrega)

 

terça-feira, 18 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Prioridade é reforma administrativa, não reajustes salariais

Por O Globo

Congresso parece mais preocupado em preservar distorções que em tornar Estado mais eficiente, mais justo e mais barato

A multiplicação de aumentos salariais para o funcionalismo público chancelada no Congresso é uma afronta ao bom senso e ao espírito republicano. Apenas o pacote de bondades aprovado na Câmara até o momento supera R$ 22 bilhões em custos, num Orçamento já engessado por gastos fixos que se refletem na crônica crise fiscal vivida por praticamente todos os governos. Evidentemente, como costuma acontecer nessas situações, a pressão de sindicatos por equiparação salarial com outras categorias promete tornar essa conta maior.

Onda conservadora, Por Merval Pereira

O Globo

A prevalência do grupo direitista no Chile fecha um ciclo de renovada onda conservadora na América do Sul

A provável vitória do candidato de ultradireita José Antonio Kast no segundo turno do Chile, onde cerca de 70% dos votos do primeiro turno foram dados para partidos de direita, desenha-se de maneira semelhante à situação atual brasileira. A direita chegou ao segundo turno desunida, mas imediatamente passou de segunda colocada para primeira no fim do primeiro turno. A esquerda estava unida, mas não teve força para obter nem mesmo o mínimo de 30% de votos esperados, embora tenha chegado em primeiro lugar.

A prevalência do grupo direitista no Chile fecha um ciclo de renovada onda conservadora na América do Sul, já governada pela direita na Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Equador. Na Colômbia, existe a perspectiva de uma vitória da direita, embora o presidente Gustavo Petro, que não pode se reeleger, ainda tenha força política respeitável. Desde a reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos, há uma tendência de união em torno dele do que os críticos já chamam de “internacional reacionária”.

Uma aventura em Belém, por Fernando Gabeira

O Globo

Há muitas questões na Amazônia que continuam insolúveis. A presença do crime organizado é uma delas

A decisão de realizar a COP30 em Belém foi audaciosa. Em termos de público é um sucesso. Cinquenta mil pessoas passaram por aqui. Fisicamente, para mim a COP representou um desafio. Andamos muito, tudo é muito distante. Descrevi o espaço como um gigantesco aeroporto sem cadeiras.

No meu telefone, há um aplicativo que mede meus movimentos. Todos os dias, registrava um recorde e me parabenizava pelo feito, como se fosse um atleta rompendo limites. E eu estava com a língua de fora.

Como em todas as COPs, as negociações se arrastam. Elas tratam dos grandes temas, financiamento, redução de emissões...

Por ser conhecido, tive o privilégio de sentir a diversidade e a riqueza do movimento ambiental. As pessoas me descreviam suas lutas, e gostaria de ter algumas horas de televisão para mostrar tudo isso.

Negociar como um rio amazônico, por Míriam Leitão

O Globo

COP segue seu curso, contorna os obstáculos e os incorpora na busca por consenso climático

A conferência de Belém tem encontrado caminhos sinuosos que contornam obstáculos, mas, ao mesmo tempo, vai negociando os bloqueios e os incluindo na jornada. Lembra um rio amazônico. De início, quatro grandes itens ficaram de fora da agenda. Pois bem, esses quatro agora viraram um só bloco que corre paralelo e pode desembocar no rio principal, o dos temas da agenda. Houve um olho d’água que surgiu inesperadamente, e ele pode desaguar também no comunicado final, o mapa do caminho para a redução gradual dos combustíveis fósseis.

Ontem foi o primeiro dia da etapa decisiva. Esta é a semana dos ministros, dos tomadores de decisão, e eles começaram a chegar para esses cinco dias finais. Um observador me explicou o seguinte: é como se houvesse três grupos, o G-100 com os assuntos que estão na agenda, o G-4, com os itens sobre os quais se conversa em consultas; e o G-Roadmaps, do qual pode sair o roteiro para zerar o desmatamento e abandonar os combustíveis fósseis.