terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*

“A primeira tentação para o vencedor é a de retomar o antigo repertório, revalorizando obras e instituições de provada serventia no passado. Mas o Natal mudou, a crença disseminada de que, apesar dos pesares, a sociedade estava animada por uma contínua, embora lenta, movimentação em sentido progressivo rumo a um desenvolvimento menos desigual em termos sociais e mais afluente na economia, está em franca dissipação. Os antigos partidos que sustentavam tais crenças já não existem mais, sepultados por uma aluvião de organizações sem alma e meramente fisiológicas, fora os sobreviventes como o PT e alguns poucos e minoritários como o PSOL, Rede e Cidadania, todos com baixa representação orgânica nos setores subalternos.

*Luiz Werneck Vianna (1938-2024), Sociólogo, “Abrir a arca do tesouro”. Blog Democracia Política e novo Reformismo, 8 de fevereiro, 2023.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ataque antissemita na Austrália é alerta para todo o mundo

Por O Globo

No lugar de alimentar discurso de ódio, Brasil deve resgatar tradição de tolerância que sempre o definiu

Não faltou aviso para o risco de crescimento do antissemitismo na esteira da resposta israelense ao ataque terrorista do Hamas no 7 de Outubro. Em agosto passado, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, enviou carta ao australiano, Anthony Albanese, acusando-o de “lançar gasolina no fogo antissemita” e de “encorajar o ódio aos judeus” por atos que, dizia Netanyahu, favoreciam terroristas do Hamas. É compreensível que o morticínio e a violência dos ataques israelenses em Gaza tenham despertado uma onda de simpatia pela justa causa palestina, mas isso não pode justificar ser contra a existência de Israel. O atentado antissemita na Praia de Bondi, em Sydney, que deixou pelo menos 15 inocentes mortos numa das principais celebrações do judaísmo — a primeira noite da festa das luzes, Chanucá — , comprova que Netanyahu não falava no vazio. O ódio milenar a judeus encontrou na defesa dos palestinos um biombo atrás do qual se oculta para passar por aceitável.

Difícil ganhar sempre. Por Merval Pereira

O Globo

O que parecia ser uma solução negociada com todas as partes agora está sob perigo.

Está difícil acertar o “acordão” (grande acordo, não o acórdão do juridiquês) entre os Poderes da República quando se tem apenas quatro dias para montar uma equação em que todos saiam ganhando — menos o povo, que os colocou lá, mas isso é mero detalhe. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, garante que a proposta de dosimetria das penas vai a votação, como prometido. Em contrapartida, já ganhou alguns mimos, entre eles o poder único de manusear as informações que a Polícia Federal extraiu dos celulares do banqueiro Daniel Vorcaro.

A estratégia antiesquerda do partido de Bolsonaro para 2026. Por Malu Gaspar

O Globo

O Partido Liberal (PL), legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro, divulgará aos filiados uma resolução interna que proíbe alianças com partidos de esquerda nas eleições de 2026. Entre as siglas vetadas estão PDTPSBPTPSOL e PCdoB. A medida valerá para a disputa presidencial e também para as coligações nos estados, envolvendo candidaturas aos governos estaduais e ao Senado Federal.

O texto da resolução está em fase final de elaboração e deve ser submetido aos filiados pelo presidente nacional do partido, Valdemar Costa Neto. A proposta estabelece que o PL não poderá firmar coligações ou apoiar candidaturas em parceria com legendas de esquerda.

Quando é que o Brasil se perdeu. Por Fernando Gabeira

O Globo

Não há mais grande debate sobre os rumos do país. Isso é poesia diante da tarefa principal: obter o máximo de dinheiro

Vendaval, voos cancelados, tempo perdido nas cadeiras de Congonhas. A única saída é pensar. Uma palavra me veio à mente diante das crises sucessivas do poder em Brasília: entropia. Não a uso com o rigor da termodinâmica, mas no sentido de que algo está se decompondo, como uma barra de gelo. O governo em crise com o Congresso em crise com o Supremo parece ter entrado num labirinto assustador.

Cruzada de Dino vai substituir a de Moraes em 2026. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Com o inquérito do fim do mundo prestes a ser encerrado, o do orçamento secreto assumirá o protagonismo num momento em que Lula disputa o eleitor antissistema e o Congresso busca nova equação de poder

Em seminário recente, o ministro Flávio Dino, a pretexto de se defender da acusação de ativismo nos inquéritos do orçamento secreto, perguntou: “Quantos parlamentares hoje estão presos por causa de emenda parlamentar?” Ele mesmo respondeu: nenhum. “Quantas buscas e apreensões na Câmara e no Senado deferi?” A negativa a esta segunda pergunta durou oito dias. Aquela que deu à primeira pergunta ganhou prazo de validade na sexta-feira.

A operação que mirou a assessora da liderança do Progressistas na Câmara e mais longeva operadora do organograma das emendas parlamentares, Mariângela Fialek, com busca e apreensão em seu gabinete e na sua residência, foi recebida, em Brasília, como um aperitivo do que vai dominar o Supremo Tribunal Federal em 2026.

Os Correios em um mundo sem cartas. Por Míriam Leitão

O Globo

Empresa pediu aos bancos um prazo de três anos de carência para se recuperar. E promete ajuste com redução de quadro e agilidade logística

Não haverá aporte de R$ 6 bilhões do Tesouro nos Correios. Menos mal. Essa seria a opção caso não fosse possível o empréstimo de R$ 12 bilhões de um consórcio de bancos, entre eles Banco do Brasil e Caixa, mas a operação está avançando. É muito dinheiro, com aval do Tesouro, e não há qualquer garantia de retorno. Emmanoel Rondon, novo presidente que assumiu em setembro, está preparando o plano de reestruturação da empresa e deve anunciar em breve. A falta de informação oficial sobre o futuro só piora a situação.

Os Correios perderam, nos primeiros meses do ano, R$ 2,2 bilhões em receita porque os clientes se irritaram com a qualidade dos serviços e passaram a fazer as entregas eles mesmos. A deterioração do caixa da estatal vem da piora da operação e acaba gerando mais perda de caixa. Virou um círculo vicioso.

Os meninos da Austrália. Por Pedro Doria

O Globo

Teremos números de saúde pública: saúde mental, autoestima, suicídios. Teremos dados escolares. Haverá estudos de sociólogos e antropólogos

Faz uma semana que as redes sociais australianas estão com 1 milhão de usuários a menos. É o resultado do início da proibição de acesso por menores de 16 anos. No país, a medida é popular: dois terços da população aprovam. Mas nada está de todo sedimentado. Existem alguns processos pedindo à Justiça que considere a medida inconstitucional, assim como existem algumas empresas do Vale do Silício, como Reddit, tentando definir de forma mais estrita o que é uma rede social. Ela jura não ser. Tem cara de que a lei ficará de pé, ao menos por alguns anos. É o que pensam os analistas locais. Pois o mundo, a partir de agora, prestará muita atenção.

A hora de Lira. Por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Lança-se hostil o 2026 de Arthur Lira; para Arthur Lira. Já este Natal de 2025 trouxe presente-revés para o ex-presidente da Câmara. A cassação de Glauber Braga lhe era objetivo pessoal. Foi derrotado, via censor Motta – talvez mesmo constante, no contrato que firmou pela ascensão de Huguinho, a cláusula-compromisso sobre o mandato do deputado psolista. Nada a ver com a agressão física geradora do processo. O menino não entregou. Perderam. Perdeu. (Aborrecido com a fraqueza do afilhado, o tutor Lira largou-lhe a mão.) Será a menor das derrotas.

Cristianismo cultural e a bancada cristã. Por Marina Basso Lacerda

O Estado de S. Paulo

Ao elevar o cristianismo a representação política oficial, o projeto deixa em aberto uma pergunta inevitável: e as demais matrizes religiosas?

Com 398 votos, a Câmara dos Deputados aprovou em outubro a urgência para a criação da bancada cristã. A justificativa repousa sobre o argumento de que o Brasil é “uma nação de maioria cristã”, citando o último censo.

A iniciativa, requerida pelos presidentes das frentes católica e evangélica, se aprovada, dará à bancada assento no colégio de líderes e tempo de fala nas sessões. Uma voz oficial no coração do Estado. Será, assim, a formalização de um fenômeno que estudiosos vêm mapeando há anos: o cristianismo cultural.

Trata-se de conceito acadêmico. Autores como Tobias Cremer, Anja Hennig e Oliver Hidalgo mostram que o cristianismo cultural funciona, em contextos europeus e nos EUA, como uma identidade majoritária acionada em disputas políticas contemporâneas, notadamente em contraste com populações muçulmanas, frequentemente apresentadas como uma ameaça ao chamado Ocidente.

PF põe saia justa no STF ao explicar sigilo do Master. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Durante a Operação Compliance Zero, deflagrada para apurar um esquema bilionário de fraudes bancárias, a PF identificou possível conexão com autoridade detentora de foro

O caso do Banco Master assombra o Supremo Tribunal federal (STF). A explicação pública do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, sobre a adoção do sigilo ampliado no caso Master colocou o Supremo numa saia justa institucional. Ao detalhar, com cautela técnica, que a PF interrompe investigações sempre que surge um “achado” envolvendo autoridade com prerrogativa de foro para evitar nulidades processuais, Rodrigues expôs um ponto sensível: o STF passou a concentrar integralmente o controle do inquérito por força de um modelo jurídico que vem ampliando, de forma contínua, o raio de ação da Corte.

O procedimento adotado pela PF é formalmente correto e segue jurisprudência consolidada. O problema não está no rito, mas no efeito político e institucional produzido pela transferência automática de todas as ações ao Supremo e pela decisão do relator de impor sigilo máximo ao caso. Ao explicar o processo com transparência, Rodrigues deixou claro que a iniciativa não partiu da corporação, mas de uma obrigação institucional que concentra no STF o comando de investigações sensíveis. O foco do escândalo financeiro agora está no colo do próprio Supremo.

Como o Congresso se move sob baixa aprovação popular

Evelyn Apolinaria, Maria Letícia Wendt , Ysadora Monteiro e Adrián Albala — membros do Observatório do Congresso/UnB / Correio Braziliense

O risco é de que a sucessão de pautas sensíveis no Congresso continue alimentando um ciclo de desgaste institucional e ceticismo da população

A movimentação da última semana no Congresso Nacional ocorreu em um momento em que pesquisas como a Quaest, divulgada em julho de 2025, apontam um padrão persistente de desaprovação da população em relação ao Poder Legislativo, hoje em torno de 51%. Mesmo sob esse cenário de baixa confiança, o Parlamento viveu dias de intensa atividade em pautas polêmicas: a Câmara avançou no PL da Dosimetria, deliberou o novo Plano Nacional de Educação (PNE) em comissão especial e pautou dois processos disciplinares envolvendo parlamentares de espectros ideológicos opostos: Carla Zambelli (PL-SP) e Glauber Braga (PSOL-RJ). O contraste entre a atividade legislativa e a avaliação negativa pela opinião pública compõe o pano de fundo para compreender o cenário político da semana e as tendências para essa reta final de legislatura.

Nossa tragédia é o devaneio”- conivência parafrastica. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

Acho um pouco reducionista, mas brilhante, a abordagem do jornalista Antonio Machado no artigo publicado, nesse fim de semana (14.12), para o jornal Correio Braziliense, intitulado “Questão de ordem”. Referindo-se à conjuntura brasileira, observa que “… o País se perde em bravatas, cassações de parlamentares, operações policiais midiáticas, embates (puramente) regimentais e monólogos de autoridades”. Uma demonstração de que “o Brasil real segue largado à margem”.

O articulista ampara suas afirmações em três hipóteses: “A política alheia ao País”, “O que não se discute”, “Sabemos fazer, e não fazemos”. Reducionista, porque não escancara a ferida da política econômica voltada claramente para redistribuição da riqueza (dos outros), sem uma contrapartida do aumento da produção e da produtividade, legando a tarefa ao ativismo do MST e aos trabalhadores urbanos sindicalizados que, ao contrário, estão conquistando um dia mais de folga na semana: de 6x1 para 5x2. No modelo de trocas que aí está, o redistributivismo tende a beneficiar, sim, os burocratas hegemônicos no Poder: o Judiciário, recorrente, já voltou a reivindicar aumento de 28 % nos salários dos seus ministros e servidores; o Ministério da Fazenda – o órgão redistribuidor – propõe estender para os funcionários da Carf -Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, as vantagens pecuniárias da “periculosidade”. E, assim por diante. Absurdos compatíveis com os devaneios organizacionais da atual gestão de governo.

Retomando o fio da meada. Por Ivan Alves Filho*

Houve uma fase em que os partidos formularam projetos de nação. Uns mais avançados, outros menos.

Hoje, as agremiações políticas pararam de examinar os problemas mais agudos do país, isto é, de propor alternativas democráticas aprofundadas. Viraram máquinas eleitorais apenas. Distanciados dos movimentos sociais, desprovidos de quadros com capacidade de elaboração teórica e articulação política, os partidos políticos deixaram de atuar como intelectuais coletivos e se transformaram em meros organismos de Estado.

Foram, de certa forma, "estatizados", limitando-se a caminhar do Estado para a sociedade e não o contrário.

Dir-se-ia que a sociedade civil, sempre maior que o Estado por sinal, passou a ser encarada como um detalhe.

Sistema consegue moderar candidatos? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Representante da direita radical vence com folga segundo turno da eleição presidencial no Chile

José Antonio Kast, porém, não deu sinais de que atuará contra o sistema como Trump ou Bolsonaro

Sem surpresa, José Antonio Kast foi eleito presidente do Chile. E foi de lavada, por 58% contra 42%. A dúvida agora é como Kast governará.

O primeiro ponto a observar é que ele vem de uma cepa da direita muito mais radical do que a de Sebastián Piñera, que governou o Chile por duas vezes após a redemocratização do país, em 1990. Kast é abertamente pinochetista, rompeu com a direita tradicional para fundar um partido que fosse mais veemente na defesa de pautas conservadoras e é ultracatólico, daqueles de se opor a todos os métodos de controle de natalidade. Tem nove filhos.

Congresso 'inimigo' é retrato do povo. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Poder Legislativo não deve ser confundido com a atuação dos eleitos e eleitas para dar expediente por lá

Pessoas podem ser trocadas pelo voto, mas a instituição permanece guardada por cláusula pétrea da Constituição

O mote "Congresso inimigo do povo" pode ser visto de várias formas: como um achado de palanque, um ataque equivocado a um dos pilares da República ou um elogio àquele tipo de populismo que rejeita a política e dá margem ao atraso e a aventuras nefastas.

Numa compreensão mais elaborada, pode também ser recebido como alerta didático, um chamado à responsabilidade do eleitorado como agente formador da composição do colegiado.

Segurança em xeque: suspeita de vazamentos compromete operações. Por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Ação em São Gonçalo envolveu mil policiais e 20 blindados, mas não prendeu ninguém

Na região metropolitana do Rio, 4 milhões de pessoas vivem sob jugo de criminosos

Foi a maior operação policial realizada no Rio de Janeiro desde aquela que deixou 122 pessoas mortas nos complexos do Alemão e da Penha, em 28 de outubro, e que pôs a segurança pública no centro da campanha eleitoral de 2026, com Lula de um lado e governadores de direita do outro.

Na quinta (12), mil homens das Polícias Militar e Civil invadiram o complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. O objetivo era cumprir 25 mandados de busca e apreensão e 44 mandados de prisão, entre eles o do traficante Antônio Hilário Ferreira, o Rabicó, da cúpula do Comando Vermelho. Rabicó conseguiu fugir.

Poesia & Prosa | Vinicius de Moraes

 

Música | Paulinho da Viola - Foi um Rio que passou em minha vida

 

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*

“O horizonte que se revela para o governo Lula-Alckmin, diante dessa cultura antidemocrática que germinou entre nós, reclama por ações ainda mais inventivas e audaciosas do que as mobilizadas na vitoriosa disputa eleitoral. Nesse objetivo, o raio de ação da frente política a dar sustentação ao governo deve sondar, sem qualquer limitação, todas as possibilidades de expandir seu âmbito no sentido de incorporar todo aquele que recuse o fascismo como ideologia política. Nesse sentido, o agrupamento político conhecido como o Centrão e demais forças representativas do conservadorismo brasileiro, inclusive as que na disputa eleitoral se alinharam à candidatura Bolsonaro, devem ser objeto de interpelações em pautas específicas por parte do governo democrático.”

“(...)Remover raízes tão fundas leva tempo e exige coragem, sabedoria e prudência, virtudes presentes nos articuladores, Lula à frente, que souberam nos levar à vitória sobre as hostes fascistas na sucessão presidencial. O mesmo caminho deve guiar o nascente governo democrático, pautando cada passo no sentido de devolver ao país os rumos de que fomos desviados em busca do reencontro com os ideais civilizatórios de que um governo criminal tentou nos afastar.”

*Luiz Werneck Vianna (1938-2024) Sociólogo, “Remover as raízes do fascismo”. Blog Democracia Política e novo Reformismo, 5.11.22

 

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Sensatez deve prevalecer no PL da Dosimetria

Por O Globo

Qualquer anistia seria inaceitável. Senadores devem fechar brechas abertas pelos deputados no texto

A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada o Projeto de Lei (PL) da Dosimetria, que altera o cálculo de penas para crimes contra o Estado Democrático de Direito e, na prática, abre caminho à redução do tempo de permanência na prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos demais condenados por tentativa de golpe de Estado e pelos ataques do 8 de Janeiro. A aprovação do PL, numa sessão que se estendeu pela madrugada, se deu por larga margem de votos (291 a 148).

Eram legítimas as críticas às penas aplicadas a alguns dos condenados pelo 8 de Janeiro, demasiadamente severas. Isso ficou patente no caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, sentenciada a 14 anos de prisão por ter pichado a estátua na frente do Supremo Tribunal Federal (STF) — hoje ela está em prisão domiciliar. Mas é essencial que mentores, financiadores e organizadores, mesmo com penas menos severas, respondam pelos crimes graves que cometeram com punição proporcional à gravidade de seus atos. Seria inaceitável qualquer forma de anistia. Funcionaria como incentivo ao golpismo e seria uma afronta à Constituição. Por isso é necessário desde já repudiar os devaneios que rondam o Senado — para onde o projeto foi encaminhado — com o objetivo espúrio de anistiar os condenados, livrando-os de qualquer tipo de punição.

Esquerdas, política e guerra. Por Paulo Fábio Dantas Neto*

Menos do que uma análise histórica e mais do que uma sessão de striptease político (será que ainda se usa esse termo antigo?) do colunista, este texto, tendo algo dessas duas coisas, será em parte um depoimento que posso dar, como alguém que já participou e hoje apenas estuda a política brasileira, mas durante todo o tempo nunca deixou de gostar dela, e por isso a sente, observa e analisa.  Será extenso, para um artigo que deveria ser mais breve, talvez enfadonho para quem está, ao contrário de mim, persuadido de que um novo Brasil começou com Lula, acabou com Bolsonaro e, com a prisão do segundo e a continuidade política do primeiro, pode ressuscitar. Aviso logo, para quem achar que do destino político desses dois personagens anacrônicos depende atualmente o futuro político do país.

As Provações da Democracia. Por Ricardo Marinho*

É verdade que o voto obrigatório tem tido um efeito quase milagroso, hora no aumento, hora na manutenção do número de cidadãos votantes. Espera-se que isso reflita um interesse genuíno dos cidadãos em diversos projetos para o bem comum, mas isso não é claro, tampouco fático. Ao contrário, as pessoas estão simplesmente cumprindo o ato de votar, que é positivo em si mesmo, mais como um dever sujeito a punição do que como um exercício entusiástico com um direito participativo que fomenta convicção e esperança, com um espírito mais reflexivo do que movido por interesses e sentimentos puramente passionais, medos, ressentimentos e desconfianças.

Olhei no espelho e me espantei com o que vi. Por Bruno Carazza

Valor Econômico

Livro Brasil no Espelho, de Felipe Nunes, mostra um país de uma forma que pode levar a conclusões enganosas ao primeiro olhar

Para a maioria das pessoas não é agradável se olhar no espelho. E foi essa sensação de desconforto que ficou após a leitura de Brasil no Espelho, livro candidato a best seller de autoria de Felipe Nunes e que acaba de ser lançado pela Globo Livros.

Baseado numa pesquisa com quase 10 mil pessoas (amostragem muito superior ao comum em pesquisas de opinião e eleitorais) e cobrindo um amplo espectro de questões sobre como o brasileiro se vê e percebe o país ao seu redor, a obra traz insumo valiosíssimo para discutirmos o Brasil.

Sem os filtros das redes sociais, a imagem que se revela ao espelho quase nunca nos deixa contentes, ainda mais sem maquiagem. No caso, o país revelado por Felipe Nunes - que é sócio da Quaest, instituto que conduziu a pesquisa - o Brasil não é apenas conservador, com a família acima de tudo e Deus acima de todos.

Juros caem antes de ancorar as expectativas? Por Alex Ribeiro

Valor Econômico

Política monetária mais austera dificilmente será bem-sucedida em coordenar expectativas de inflação sem ajuda da política fiscal

Os analistas econômicos, de forma geral, preveem que o Banco Central vá começar a cortar os juros em janeiro ou, no mais tardar, em março. Mas o trabalho não está completo: as expectativas de inflação estão acima da meta.

Seria o caso de cortar os juros mesmo com as expectativas desancoradas? Em 2023, o BC iniciou um ciclo de distensão nessas condições e, depois, teve que reverter. O Brasil se beneficiou de dois períodos de juros e inflação baixos quando o BC domou as expectativas, nas gestões Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn. Mas só foram bem-sucedidos porque tiveram a ajuda da política fiscal.

Atos contra PL da dosimetria têm críticas ao Congresso e a Motta

Por Joelmir Tavares, Kariny Leal e Caetano Tonet / Valor Econômico

Protestos em São Paulo e no Rio somam cerca de 30 mil, menos da metade do público de manifestações contra a PEC da blindagem

Manifestantes participaram no domingo (14) de atos contra o projeto de lei (PL) da dosimetria, que prevê redução de penas para condenados por golpe de Estado, como o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os protestos foram convocados por movimentos sociais e partidos de esquerda e ocorreram nas principais capitais do país, como São Paulo, Rio e Brasília. Além do mote “sem anistia”, os eventos foram marcados por críticas ao Congresso e, especificamente, ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Em São Paulo e no Rio, as manifestações reuniram menos pessoas do que as organizadas contra a PEC da blindagem, realizadas em setembro, segundo levantamentos do Monitor do Debate Político do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), uma parceria da Universidade de São Paulo (USP) com a ONG More in Common, que calcula os públicos nas duas cidades a partir de fotos aéreas analisadas com software de inteligência artificial.

Os agentes secretos. Por Miguel de Almeida

O Globo

A arte deixou de ser julgada por critérios estéticos e virou campo de batalha identitário

Assim como existe o voto urso — você abraça um candidato e vota noutro —, os tempos woke nos forçam a dizer que gostamos de um filme quando, na verdade, o achamos bem médio. É o caso de “O agente secreto”, dirigido por Kleber Mendonça Filho, cuja narrativa é desencapada, mas aplaudida pela crítica por estar cheia de citações. A situação lembra o comentário de Paulo Francis sobre “Terra em transe”, de Gláuber Rocha, quando a crítica era pesadamente a favor da obra:

— O filme é uma bosta, mas o diretor é um gênio.

Que tal um salário mínimo de R$ 7 mil? Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Políticas sociais bem-intencionadas podem, sim, causar desastres. É o caso da redução da jornada de trabalho

O salário mínimo sobe para R$ 1.621 a partir de janeiro próximo. Pode-se dizer que esse valor é inconstitucional. Cabe alguma ação junto ao STF para obrigar os empregadores brasileiros, inclusive o governo, a pagar um mínimo de R$ 7.067,18.

Está na Constituição, artigo 7º, inciso IV, que todo trabalhador tem direito a um salário mínimo “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.

Família-padrão é o casal com dois filhos. E está na cara que os R$ 1.621 não atendem àquelas necessidades. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) é a fonte do cálculo que fixa o mínimo naqueles R$ 7.067. O leitor pode perguntar: como é que ninguém teve a ideia de apelar ao STF?

Flor da exceção. Por Irapuã Santana

O Globo

Valorizar uma menina, desde tão pequena, ajuda a construir uma adulta com boa autoestima e confiante para ir atrás do que deseja

Tenho uma filha. Ela se chama Beatriz e tem 5 anos. Uma das coisas que desenvolvi ao longo da jornada da paternidade foi a habilidade de tentar ver o mundo a partir dos olhos dela. Isso me fez crescer como pessoa e como homem. Também trouxe algumas reflexões, que hoje gostaria de compartilhar.

No Dia da Criança, dei a ela uma bicicleta linda. Pesquisei, juntei dinheiro para comprar, montei e fomos para o parque andar. Aí surge um pensamento intrusivo: dados do Strava, de 2023, revelam que, no mundo, mulheres passam 55% menos tempo pedalando que os homens. No Brasil, esse número chega a 37%, em linha com a disparidade de gênero observada globalmente. Um dos motivos relevantes para essa diferença é o assédio e a importunação sexual. Segundo o Perfil do Ciclista Brasileiro de 2024, pesquisa realizada pela Transporte Ativo, em São Paulo 65,7% das mulheres, e em Belém 67,7% já sofreram algum tipo de agressão ou importunação enquanto pedalavam. Então, será que realmente vale a pena ensinar algo que ela dificilmente usará quando estiver mais velha?

O STF e a esquerda. Por Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Com notórias exceções, a esquerda prefere ignorar ou justificar os conflitos de interesse na Corte

Milhares de pessoas foram às ruas de diversas capitais neste domingo, 14, convocadas por organizações de esquerda. A maior fonte de indignação dos manifestantes, conforme expresso nas faixas e nos cartazes, era o Congresso Nacional — principalmente por causa do PL da Dosimetria, cujo intuito é reduzir o tempo de cadeia de Jair Bolsonaro e outros condenados por tentativa de golpe de Estado. Foram atos mais minguados do que os de 21 de setembro passado, contra a infame PEC da Blindagem, que pretendia proteger deputados e senadores de processos.

Dose, remédio e veneno. Por Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

A justiça propriamente dita é feita pelo PL da Dosimetria, que restabelece o equilíbrio entre o ato e sua condenação

Qualquer medicamento, para produzir o resultado almejado, deve ser dado na dose certa, sob pena de virar veneno, algo nocivo e, inclusive, mortal para o organismo. Doses excessivas produzem um desarranjo no corpo, um desequilíbrio, com seus efeitos se afastando daquilo que era pretendido. De cura de uma doença, pode tornar-se um prejuízo à saúde.

A votação do PL da Dosimetria é uma amostra das consequências políticas que podem acarretar, em dose proporcional, para o bem do Brasil, corrigindo injustiças e indicando para uma pacificação das relações políticas e partidárias. Não tem o menor cabimento equiparar as ações dos vândalos de 8 de janeiro com a tentativa propriamente dita de golpe de Estado, nem dosimetria com anistia, como muito bem assinalado por editorial desse jornal, A Câmara fez a coisa certa (11/12, A3). Os que procuram apagar essa distinção essencial procuram apenas impor a sua própria narrativa, segundo seus interesses políticos.

O mau conselho do Conselhão. Por Ernesto Tzirulnik e Luiz Gonzaga Belluzzo

O Estado de S. Paulo

O nome desse jogo que o Conselhão não jogou é segurança econômica nacional, e não neoliberalismo radical

O Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão, em reunião ocorrida em 4 de dezembro, encaminhou inúmeras propostas à Presidência da República. Elas seriam destinadas a concretizar diversos eixos do desenvolvimento social e econômico do País.

Uma delas seria a “nova Lei de Direito Internacional Privado”. Esse projeto é um desastre para a economia brasileira. Ele prevê uma hiperliberalização da ordem jurídico-econômica, num grau que nem mesmo os governos FHC, Temer e Bolsonaro ousaram sugerir.

A proposta aponta para esse assombroso caminho no ano de 2025, quando o movimento da economia mundial vai, todo ele e com razão, no sentido inverso, com inúmeras políticas de retomada de incentivo ao desenvolvimento das indústrias nacionais; de defesa da soberania econômica; de criação de instituições que deem aos países e seus mercados internos mecanismos de coordenação que os protejam contra as agruras da disputa entre EUA e China, contra as inconstâncias do volátil estrangeiro e perante riscos ainda desconhecidos mas de ocorrência certa, como pandemias ou catástrofes ecológicas.

Pesquisa indica que o centro político revê expectativas para 2026. Por Lara Mesquita

Folha de S. Paulo

Mudança de expectativas entre deputados de centro afeta alianças e estratégias eleitorais

Deputados de esquerda (lulistas ou não) e de direita (bolsonaristas ou não) divergem em praticamente tudo

Foi divulgada na semana passada pesquisa Genial/Quaest com deputados federais. A pesquisa questiona os legisladores sobre temas diversos, e uma constante é como deputados de esquerda (lulistas ou não) e deputados de direita (bolsonaristas ou não) divergem em praticamente todos os temas: da avaliação do STF à escala 6x1, da taxação de fintechs à indicação de favoritismo na eleição de 2026 e à resposta ao tarifaço de Trump.

Alguns pontos se destacam na pesquisa, seja pelas raras convergências entre esquerda e direita, seja pela mudança de ventos entre os deputados de centro.

Tensões no Supremo Tribunal Federal. Por Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Corte passou do combate à corrupção à defesa da democracia e agora o tema começa a afetá-lo diretamente

Os alinhamentos tácitos entre o STF, o Legislativo e o Executivo também mudaram e estão sendo tensionados

Nas duas últimas décadas o Supremo sofreu transformações cruciais: passou do combate à corrupção à defesa da democracia; logrou fazer aliança tácita com o poder legislativo contra o poder executivo, para depois alinhar-se a este último; tem assumido paulatinamente perfil político e não judicial para o que contribuiu o padrão personalístico de nomeações sob os governos do PT e Bolsonaro.

Poesia De que serve a Bondade, de Bertolt Brecht

 

Música | Moacyr Luz & Samba do Trabalhador - A Reza do Samba

 

domingo, 14 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Karl Marx* (Democracia)

“Hegel parte do Estado e faz do homem o Estado subjetivado; a democracia parte do homem e faz do Estado o homem subjetivado. Do mesmo modo que a religião não cria o homem, mas o homem cria a religião, assim também não é a constituição que cria o povo, mas o povo a constituição. A democracia, em um certo sentido, está para as outras formas de Estado como o cristianismo para outras religiões. O cristianismo é a religião ’preferencialmente’, a essência da religião, o homem deificado como uma religião particular. A democracia é, assim, a essência de toda constituição política, o socializado como uma constituição particular; ela se relaciona com as demais constituições como gênero como suas espécies, mas o próprio gênero aparece, aqui, como existência e, com isso, como uma espécie particular em face das existências que não contradizem a essência. A democracia relaciona-se com todas as outras formas de Estado como com seu velho testamento. O homem não existe em razão da lei, mas a lei existe em razão do homem, é a essência humana, enquanto nas outras formas de Estado o homem é a existência legal. Tal é a diferença fundamental da democracia."

*Karl Marx (1818-1883), Critica da filosofia do direito de Hegel, p.50. Boitempo Editorial, 2005

 

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasil reforça desigualdade com gasto e juros altos

Por Folha de S. Paulo

Governo Lula busca justiça tributária, mas impede avanço ao favorecer rentismo com despesas descontroladas

Serão R$ 1 tri em juros pagos neste ano a quem tem dinheiro aplicado, o que estimula perpetuação de desigualdades via 'financeirização'

A desigualdade é traço característico da história da humanidade, e soa utópica uma configuração igualitária entre todos do ponto de vista econômico. A maior tentativa de experiência moderna nesse sentido foi a falida União Soviética, que acabou aderindo ao sistema capitalista no início dos anos 1990.

Afinal, alguns indivíduos ousam mais do que outros, correm riscos e acabam recompensados por criar oportunidades e invenções que os enriquecem, ao mesmo tempo em que espraiam bem-estar social com produtividade.

É bom o Brasil sair às ruas. Por Dorrit Harazim

O Globo

Sobram motivos para a crescente ira cívica diante do apodrecimento moral, ético e político da Casa do Povo

Uma parte do Brasil promete ir às ruas hoje. A esbórnia encenada na Câmara acéfala do minúsculo Hugo Motta, e pela liderança ressentida de Davi Alcolumbre no Senado, conseguiu atropelar o torpor nacional. Truculência institucional à parte, o estopim para a convocação dos movimentos sociais de esquerda foi a aprovação do PL da Dosimetria, que reduz as penas para condenados nos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro, enxugando para pouco mais de 36 meses os 27 anos de prisão do chefe da quadrilha e ex-presidente, Jair Bolsonaro.

Sobram, portanto, motivos para a crescente ira cívica diante do apodrecimento moral, ético e político da Casa do Povo. Mas indignação sem ação serve apenas para aplacar a consciência do indignado — libera-o da obrigação de analisar como chegamos a este nível de apodrecimento. Ir às ruas empunhando um cartaz “Congresso Inimigo do Povo” é fácil, porém quase suicida — equivale ao direitista “STF Inimigo do Povo”. Bem mais eficaz é tomar as ruas nomeando quem julgamos indignos do voto recebido e trabalhar para que não sejam reeleitos.

País em transe. Por Merval Pereira

O Globo

Ministro do STF viajar de jatinho particular de empresário com advogado de banqueiro corrupto é uma versão moderna dos favores dos senhores de engenho.

O cineasta Glauber Rocha esteve presente na boca de repórteres, comentaristas e locutores na semana passada, quando a crise institucional estava em seu auge. Tratou-se de um lapsus linguae coletivo, erro acidental que altera o sentido do que se quer falar considerado pela psiquiatria expressão de pensamentos reprimidos. O objeto dos comentários era a cassação do deputado do Psol Glauber Braga, mas o ambiente político era o dos filmes do outro Glauber, que muitos anos antes, na década de 1960, mostrou nas telas em filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol ou Terra em Transe as trapaças dos deputados corruptos, dos empresários venais, dos donos de terras que exploram os trabalhadores, o mesmo panorama que, 65 anos depois, nos confronta hoje.