Democracia Política e novo Reformismo
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 29 de março de 2025
sexta-feira, 28 de março de 2025
O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões
É descabida decisão do CNJ que regulou os ‘penduricalhos’
O Globo
Cabe ao Congresso restringi-los a casos
excepcionais. Na prática, a regra adotada dobra teto salarial dos juízes
O ministro Mauro Campbell Marques, corregedor
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
limitou as verbas indenizatórias acrescidas ao salário de juízes — os
“penduricalhos” — a R$ 46.336,19 mensais, o equivalente ao salário de um
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, os magistrados poderão
receber todo mês o equivalente a dois tetos constitucionais, ou R$ 92.672,38.
Trata-se de um despropósito, pois a Constituição limita a remuneração mensal no
setor público a um — e não dois — salário de ministro do STF. A decisão de
Marques só pode ser explicada pelo nível de abuso nos supersalários pagos a
juízes, procuradores e integrantes da elite do funcionalismo.
Eventuais pagamentos adicionais podem se justificar no caso de reembolso de despesas, diárias de viagem ou mesmo auxílios-moradia temporários, quando há mudança de cidade por motivo profissional. Mas devem ser excepcionais. Não é o que acontece. Os “penduricalhos” têm sido usados para assegurar gratificações descabidas e aumentos salariais disfarçados muito acima do que permite a Constituição.
Fernando Abrucio - Políticas para a juventude do século XXI
Valor Econômico
Os jovens precisam saber que não há uma única
via da felicidade na vida adulta, sendo que o cardápio das melhores escolhas
reside na convivência coletiva com os diferentes
A minissérie “Adolescência” trata da dor mais
dura que uma família e uma comunidade podem enfrentar: uma criança
assassinando, futilmente, outra. Trata-se não só de uma tragédia presente, mas,
pior, um prenúncio de um futuro distópico, pois se os jovens de hoje são
capazes de fazer essa barbaridade, o que serão como adultos?
Desse episódio nefasto, múltiplas culpas emergem: dos pais, da escola, das redes sociais, dos que propagam um conceito cruel e falso de masculinidade aos meninos, do crescente número de pessoas que alimentam o ódio e a violência como forma de viver. Transformações nesse cenário passam, primeiramente, por grandes mudanças culturais, com a adoção de valores realmente humanistas para a realidade do século XXI. Também dependem de modificações na esfera privada, especialmente da superproteção que grande parte das famílias ocidentais dão aos seus filhos sem que efetivamente estabeleçam vínculos com eles e construam um caminho de orientação para a vida adulta.
José de Souza Martins - A questão é a ficha suja, não a limpa
Valor Econômico
Quem apoiar a revogação ou adulteração da lei que interdita candidatura de políticos denunciados provavelmente será carimbado como ficha suja
As tensões políticas dos últimos dias estão relacionadas com a iminente possibilidade de acolhimento das denúncias contra os envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 2022 e 2023.
A lei prevê que gente de ficha suja fica fora
da possibilidade de disputar eleições por oito anos. Isso significa que Jair
Messias não poderá candidatar-se à eleição presidencial de 2026. Seus
seguidores, amigos, cúmplices, parentes e orientadores “espirituais”
convenientemente entendem que o castigo é demasiado.
Preconizam que a interdição seja reduzida
para dois anos. Um banho de saboneteiros de ficha suja, que também seriam
beneficiados pela adulteração do propósito dos autores da proposta, de 1997, a
de botar freio na corrupção política endêmica.
O que é hoje chamada de Lei da Ficha Limpa é o resultado de um movimento social, de inspiração católica, originado na Campanha da Fraternidade de 1996, da CNBB, cujo tema foi “Fraternidade e Política”. A proposta, portanto, tem uma dimensão moral bem mais extensa do que a da mera formulação jurídica agora pretendida.
Lula, JK e a difícil arte de falar com o povo - Andrea Jubé
Valor Econômico
O mais difícil é driblar o ambiente de mau humor instalado no país
É certo que a comunicação não é o único
problema do governo, mas certamente é um deles. Por isso, de volta do périplo
ao Japão e Vietnã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai protagonizar um
grande evento na próxima semana de lançamento da campanha “O Brasil é dos
brasileiros”, a primeira com o publicitário Sidônio Palmeira à frente da
Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência. O martelo não foi
batido, mas o plano é ambicioso: reunir um público expressivo de lideranças
políticas, personalidades e militantes. Por isso, estuda-se transferir o ato
dos salões do Palácio do Planalto para o auditório do Centro de Convenções
Ulysses Guimarães, que comporta até 3 mil pessoas.
A capacidade de se conectar com a população e fazer chegar à ponta às ações do governo não é dilema exclusivo de Lula. Já atormentou outros presidentes no passado, como Juscelino Kubitschek, até hoje lembrado pelos “50 anos em 5”. Pois JK ficava angustiado com o vazio de notícias sobre a construção de Brasília - a capital federal completará 65 anos em abril.
Lula tenta aproveitar inferno de Bolsonaro - Vera Magalhães
O Globo
Presidente precisa evitar que Tarcísio reúna
em torno de si uma coalizão parecida com a que conseguiu na eleição municipal
Luiz Inácio Lula da Silva montou uma trupe
para sua viagem à Ásia que inclui nomes centrais na delicada costura que
precisará fazer para montar seu palanque no ano que vem. As conversas giram em
torno de mudanças de partido desses personagens e da reforma ministerial ainda
inconclusa. Noutro fuso horário e com outras preocupações na cabeça, Jair
Bolsonaro também mexe suas peças no tabuleiro da eleição presidencial, como já
comecei a mostrar em coluna
anterior neste espaço.
Lula tirou o time de campo do Brasil justamente na semana crucial para o futuro de Bolsonaro. Acompanhou não só à distância, mas em silêncio, os dois dias de julgamento no STF e só se manifestou quando a fatura que tornou réu seu principal adversário já estava liquidada.
Bolsonaro será condenado, mas bolsonarismo seguirá vivo - Bernardo Mello Franco
O Globo
Extrema direita dominou campo conservador e
voltará a disputar com Lula em 2026
Jair Bolsonaro virou réu e, pelo que se viu e
ouviu no Supremo, caminha para ser condenado nos próximos meses. O capitão já
estava inelegível pelos ataques à urna eletrônica. Agora deve receber uma pena
dura pela tentativa de golpe.
Na quarta-feira, uma jornalista quis saber
quem ele apoiará em 2026. O ex-presidente se invocou com a pergunta, engrossou
com a repórter e arriscou uma piada: “Se não for o Jair, vai ser o Messias.
Quer um terceiro nome? O Bolsonaro”.
O capitão não quer largar o osso tão cedo. Enquanto estiver solto, deve sustentar a ficção de que será candidato. A insistência serve a dois objetivos: evitar a desmobilização da tropa e elevar o preço de um endosso eleitoral no ano que vem.
Decisão de julgar golpistas é histórica – Flávia Oliveira
O Globo
Não é trivial que uma Turma de cinco
ministros do STF acolha, por unanimidade, a denúncia contra um ex-presidente,
três generais e ex-ministros, um almirante
Num país que leva impunidade como selo, anistia como marca, jeitinho no DNA, não é trivial que uma Turma de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acolha, por unanimidade, a denúncia contra um ex-presidente da República, três generais e ex-ministros, um almirante. Por atentarem contra a democracia. Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Oliveira e Almir Garnier ocuparam alguns dos postos mais importantes da República na última meia década. Foram investigados pela Polícia Federal, denunciados pela Procuradoria-Geral da República, serão julgados pelo STF. Instituições civis prevaleceram. Inédito.
A tardia hora da segurança - Fernando Gabeira
O Estado de S. Paulo
Ou o Brasil recupera seus territórios perdidos para o crime ou esta singularidade marcará o destino do País, interferindo, inclusive, nas suas ambições econômicas
O presidente Lula mudou seu discurso e afirma
que acabará com a “república dos ladrões de celular”. O ministro da Justiça
anuncia, por seu turno, que apresentará ao Congresso a PEC da Segurança, assim
que a cúpula parlamentar volte do Japão, para onde, no meu entender, não tinha
razão para ir.
Se ainda há tempo ou já passou da hora é uma
discussão inútil como a que se trava no combate ao aquecimento global. Não há
escolha.
Uma PEC da Segurança que sintonize os esforços dos governos federal, estadual e municipal é bem-vinda, assim como a criação de um sistema nacional. Há muitas resistências em alguns Estados, que temem a presença federal. Mas, ainda que as resistências sejam vencidas, uma sintonia maior é apenas um passo.
STF posiciona seus canhões - Eliane Cantanhêde
O Estado de S. Paulo
Moraes mira canhões contra anistia e tira Kassab da primeira instância de volta para o STF
Mais do que se agarrar a um fiapo de esperança com as sinalizações do ministro Luiz Fux no Supremo, o ex-presidente Jair Bolsonaro joga suas fichas na anistia, que finge ser para os vândalos de 8/1, mas foi feita para ele no Congresso. O Supremo está atento e já posicionou seus canhões contra o projeto, ampliou novamente o foro privilegiado para quem é acusado de crimes cometidos em mandatos anteriores e já usa na prática a mudança ao puxar de volta um processo contra Gilberto Kassab, “dono” do PSD, que estava na primeira instância.
Cidadania exibe programa feito 100% com inteligência artificial (IA) – Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense
Segundo as normas do TSE, o uso de
inteligência artificial deve estar explicitado nas campanhas políticas. A lei
proíbe o uso de IA para a criação de conteúdo falso
Com objetivo de debater a regulamentação do uso de inteligência artificial (IA) nas eleições de 2026, o Cidadania exibiu, nestas terça e quarta-feiras, em cadeia nacional de tevê, o programa oficial do partido editado 100% com uso de IA, o que chamou a atenção e causou controvérsia nas redes sociais. A inserção exibe pessoas pedindo trabalho digno, educação e saúde de qualidade e um país mais justo e democrático. Todos os personagens que aparecem na propaganda são fictícios, mas correspondem ao mosaico étnico, social e etário da população. Não fosse o uso de IA assumido pelo partido no próprio vídeo exibido, isso passaria praticamente despercebido.
A liberdade abriu as asas - José Sarney*
Correio Braziliense
Democracia é liberdade. E esta tem um poder
criativo capaz de se estender por uma grande capilaridade a toda a sociedade
Nessas comemorações dos 40 anos da democracia
no Brasil, devemos fazer algumas reflexões. Otávio Mangabeira dizia que a
democracia é uma plantinha tenra que necessita ser irrigada e vigiada todos os
dias. Já nós, ao tempo da União Democrática Nacional (UDN), no combate à
ditadura Vargas, tínhamos como lema que "o preço da liberdade é a eterna
vigilância".
Assim, quando todos nós, em uníssono, no país
inteiro, comemoramos a liberdade que conseguimos implantar, devemos ter em mira
que ela necessita de ser vigiada, adubada, protegida, até que se torne uma
consciência individual, de cada cidadão de nosso país, sabendo que goza dos
direitos que tem por causa do regime democrático.
Se não fosse a transição democrática, o operário Lula da Silva não teria sido jamais presidente do Brasil. Ele o foi, e é, graças ao regime democrático. E a ele devemos um governo dos trabalhadores de grandes avanços.
Estão brincando com fogo! - Orlando Thomé Cordeiro*
Correio Braziliense
Diferentemente do Executivo e do Legislativo,
a sociedade não tem possibilidade de exercer controle social sobre os gastos do
Poder Judiciário. Um risco em uma conjuntura marcada pela polarização política
calcificada
Há exatamente uma semana, após três meses de
atraso, a Lei Orçamentária Anual da União foi aprovada. E assim que o
presidente retornar da missão ao Japão deverá ser sancionada. O valor global é
R$ 5,9 trilhões, mas vale a pena analisarmos alguns grandes números para
podermos identificar uma série de elementos que merecem a nossa
atenção como cidadãos.
A começar pelo financiamento da dívida pública que consome quase um terço do total, o equivalente a R$ 1,7 trilhão. E se ao longo do ano o Banco Central, para conter a inflação, for obrigado a continuar elevando as taxas de juros, esse valor vai aumentar ainda mais. No Legislativo, quase R$ 8,6 bilhões estão reservados para a Câmara dos Deputados e R$ 6,3 bilhões, para o Senado Federal.
Gasto do governo cai um pouco - Vinicius Torres Freire
Folha de S. Paulo
Aumento no governo Lula 3 foi grande, mas há
contenção nos últimos 12 meses
A despesa com o Bolsa Família caiu
em um ano. Nos últimos 12 meses, baixou 5,1%, em termos reais —considerada a
inflação. Passou de R$ 181 bilhões por ano para R$ 171,7 bilhões, até
fevereiro, dado mais recente, divulgado nesta quinta pelo Tesouro Nacional.
A despesa total do governo federal também
baixou, 3,7%. O efeito do aumento da despesa nominal (sem considerar a
inflação) sobre o PIB diminuiu
também.
Houve milagres despercebidos? Não. Houve tentativa de conter o exagero de 2023. Mas convém notar a diferença, até para pensar efeitos da política fiscal (gastos e impostos) sobre o crescimento e sobre os juros do Banco Central.
Julgamento cobra virtudes do STF - Marcos Augusto Gonçalves
Folha de S. Paulo
Num país e num mundo sacudidos pela
ultradireita, Brasil pode avançar na consolidação da democracia
A história não chegou ao fim, pelo contrário,
vai acontecendo em curso de aceleração, momento de grande relevância que nos
captura em vertigens, angústias e incertezas. Tanto no caso particular do
Brasil quanto no cenário internacional.
As conexões entre os dois planos são muitas, mas sobressai o contexto de crise da democracia liberal com os rearranjos provocados pela emergência do nacional-populismo autoritário de direita, pano de fundo contra o qual as ações acontecem em interação com uma miríade de fatores e complexidades.
O bastão passa de mão - Dora Kramer
Folha de S. Paulo
A direita emergente não tem por Bolsonaro a
fidelidade que a esquerda tradicional dedica a Lula
Jair
Bolsonaro chegando na terça-feira (25) empertigado ao Supremo Tribunal
Federal para assistir ao início da definição de seu destino lembrava um pouco
o Fernando
Collor que, em 1992, deixava o Palácio do Planalto de nariz em pé rumo
ao ostracismo.
Não é de uma hora para outra que se vai da
luz à sombra. No caso do ex-presidente, contudo, começam a ser notados os
sinais de que pode até não querer "passar o bastão" em vida física,
mas na política o cajado já lhe foge às mãos.
Quanto mais se firma a evidência de uma condenação que lhe acrescente anos de inelegibilidade aos oito aplicados pela Justiça Eleitoral e à perda dos direitos políticos, maior é a desenvoltura dos seus ainda aliados no engajamento da substituição.
Bolsonaro entre quatro muros - Ruy Castro
Folha de S. Paulo
Para quem dizia 'jogar nas quatro linhas', as
quatro paredes de uma cela o farão sentir-se em casa
Bolsonaro tanto repetiu que só jogava dentro das quatro linhas que finalmente o levaram a sério. Declarado réu, será investigado e, pela pilha de provas contra ele, será condenado e levado a cumprir pena num recinto limitado por quatro linhas —as quatro paredes de uma cela. Não será uma cela cercada por grades, condizentes com a ferocidade que alardeava nos comícios e motociatas promovidos com dinheiro público. Celas com grades, necessárias para evitar fugas, são para ladrões de galinha ou batedores de carteira. Os grandes criminosos, como ele, merecem regalias.
quinta-feira, 27 de março de 2025
O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões
Fatos justificam que Bolsonaro seja considerado réu
O Globo
Apenas as reuniões em que ele tentou aliciar
os chefes militares já bastariam para embasar acusações
Tendo usufruído amplo direito de
defesa, Jair
Bolsonaro é agora réu. Os cinco integrantes da Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal (STF)
foram unânimes em aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR)
contra ele e os demais acusados de tramar um golpe de Estado. O caso é
histórico. Nunca antes um ex-mandatário foi acusado formalmente de tentar
acabar com o Estado Democrático de Direito. Há provas graves e contundentes. A
solidez delas é suficiente para que Bolsonaro seja julgado. Se condenado, a
pena máxima poderá chegar a 43 anos de prisão. Desde agora até o julgamento, é
preciso sobretudo haver esforço para descontaminar o processo da influência
política. O mais sensato é se ater às provas.
Basta rememorar a cronologia dos fatos apurados pela Polícia Federal (PF) para entender a gravidade dos crimes atribuídos ao ex-presidente e àqueles que a PGR incluiu no “núcleo crucial” do golpe — os oito declarados réus. A acusação de que houve tentativa de ruptura democrática está documentada e se apoia, sobretudo, na sequência de reuniões entre Bolsonaro e os então chefes militares em dezembro de 2022. O objetivo das reuniões, segundo a PGR, era convencer os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica a participar da intentona.
Enfim, réu - Merval Pereira
O Globo
Não culpar Bolsonaro pela tentativa de golpe
seria cegueira deliberada, só aceitável para seus seguidores mais fanáticos
A patética tentativa do ex-presidente Jair
Bolsonaro de eximir-se de culpa da tentativa de golpe de Estado de que foi
acusado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) mostra que,
finalmente, começa a cair a ficha de que ele está mesmo inelegível e não poderá
concorrer à Presidência em 2026. Seu vitimismo chega a ser ridículo. As
alegações que brandiu como se estivesse de volta ao cercadinho do Alvorada
foram meias verdades contadas por um político acuado pelos fatos. Nada do que
falou à guisa de defesa mudou a percepção generalizada de que o golpe de Estado
o teve como líder incontestável.
Chegou a insinuar que explicaria por que pensou em editar um ato excepcional como resposta à derrota para Lula nas eleições de 2022, mas não consumou a promessa, talvez por não ter argumentos que justificassem a medida extrema. Não havia razão para estados de exceção pelo simples fato de que seu adversário de esquerda vencera a eleição, a não ser a obsessão de denunciar fraudes na votação eletrônica jamais comprovadas.
Malu Gaspar – A arena agora é política
O Globo
Assim que foi aceita no Supremo a denúncia
contra os oito primeiros acusados de participação na trama golpista que
redundou no 8 de Janeiro, Jair
Bolsonaro deu início à fase seguinte da batalha, com uma
entrevista-pronunciamento de quase uma hora que lembrou as falas raivosas do
final de seu governo —justamente o período em que ele mobilizava assessores e
aliados para tentar achar alguma forma de não passar a faixa a Lula.
Todo o cardápio golpista foi exposto ali, das suspeitas sem fundamento sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas ao argumento um tanto esdrúxulo de que “discutir hipóteses de dispositivos constitucionais não é crime”. Além de confirmar os depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica a respeito das tentativas de convencê-los a aderir a um golpe de Estado, Bolsonaro admitiu que queria decretar estado de sítio ou algo parecido no Brasil, logo depois de perder as eleições. Não o fez porque não teve apoio de quem tinha a força armada para mantê-lo no poder.
O réu, os réus e o golpe de Estado - Míriam Leitão
O Globo
O STF quebrou um paradigma no Brasil: o que sempre protegeu os golpistas. Agora Bolsonaro e seus generais são réus
“Nós sabemos o que foi viver com ruído debaixo de nossos pés”, disse a ministra Cármen Lúcia. Ela deu ontem o quarto voto pela aceitação da denúncia que tornou réu o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu quartel general. Por “ruído debaixo dos pés”, ela se refere ao golpe sendo gestado. Para entender o que houve no Brasil é preciso ver o filme em ordem inversa, explicou. O 8 de janeiro só é compreensível se voltarmos a fita para ver como a democracia estava sendo desmontada em todos os atos descritos na peça da procuradoria-geral da República. Ao fim de três sessões na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, quebrou-se um paradigma no Brasil: o que sempre protegeu golpistas.
Dialética de Fux confronta positivismo de Moraes no julgamento de Bolsonaro - Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense
O ministro do Supremo questionou a dosimetria
das penas, a validade da delação premiada de Mauro Cid e o enquadramento a
priori de todos os réus nos mesmos crimes
Ao votar na 1ª Turma do Supremo Tribunal
Federal (STF), nesta quarta-feira, a favor do relatório do ministro Alexandre
de Moraes, que acolheu a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais
sete acusados de tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, o
ministro Luiz Fux fez um novo contraponto ao entendimento da maioria dos
colegas e, enigmático, anunciou que fará uma interpretação “dialética” do
processo contra os oito réus, entre os quais o ex-presidente e quatro oficiais
generais.
Fux também votou a favor da transformação dos acusados do 8 de janeiro de 2023 em réus. São eles Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e os generais de Exército Augusto Heleno, ex-ministro do GSI; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da defesa; e Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, além de Bolsonaro e do tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência do Mauro Cid, que fez delação premiada.
Banco dos réus desnorteia Bolsonaro - Maria Cristina Fernandes
Valor Econômico
Estreitam-se as alternativas para o ex-presidente não mofar na cadeia
O acolhimento da denúncia contra o
ex-presidente era tão previsível que a reação desnorteada de Jair Bolsonaro
sugere o estreitamento das saídas de que dispõe para não mofar na cadeia.
Depois de sua defesa militar na ausência de
vínculos entre Bolsonaro e a tentativa de golpe, o ex-presidente confirmou
reunião com os comandantes militares para discutir a minuta golpista,
apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes nesta quarta como indício de
materialidade da denúncia.
Dos EUA, o blogueiro Paulo Figueiredo,
foragido da Justiça brasileira e elo dos bolsonaristas com a extrema-direita
americana, lamentou o “comportamento errático” do ex-presidente: “[Bolsonaro]
cag... tudo (...) É um ótimo homem, mas um péssimo estrategista. Não é à toa
que estamos nessa m... de dar gosto”.
O julgamento ainda vai tomar seis meses, mas uma condenação deixaria três saídas para Bolsonaro: a eleição de um aliado que o indulte, a eleição de uma bancada de senadores que alcance o quórum de 2/3 para o impeachment de ministros do STF e uma pressão americana redobrada contra a Corte.
Incerteza global e custos mais caros da dívida - Assis Moreira
Valor Econômico
Custos de refinanciamento da dívida dos governos e das empresas estão aumentando
As tensões geopolíticas e as enormes incertezas provocadas por Donald Trump de volta à Casa Branca impactam também nas perspectivas já difíceis dos mercados mundiais de títulos da dívida, soberana ou corporativa. Os níveis de endividamento dos governos e das empresas aumentaram - assim como o custo da dívida está ficando mais salgado. E isso quando as grandes tendências macroeconômicas exigem um volume de investimento sem precedentes, que em grosso será financiado por endividamento.
Poucas escolhas - William Waack
O Estado de S. Paulo
A situação política de
Bolsonaro não se altera fundamentalmente com o julgamento
O problema de Jair Bolsonaro
é ser mais forte do que admitem seus adversários, e mais fraco do que ele mesmo
julga ser. Como réu por tentativa de golpe de Estado essa situação não se
altera fundamentalmente. Ele tem no momento enorme peso eleitoral, mas não o
suficiente para definir sozinho a próxima votação.
O que mais ilustra esse fato é a postura dos possíveis candidatos dentro do espectro de centro-direita, que abrange confortável maioria no eleitorado. Eles dizem a boca pequena que Bolsonaro só pensa em si mesmo e em sua família, mais atrapalha do que ajuda, e está desacreditando vários setores. Mas nenhum o critica em público, temendo perder votos.
Entre as metas e o IPCA, crescer é uma miragem - José Serra
O Estado de S. Paulo
Com uma taxa de juro mantida, de forma já
perene, num patamar real tão elevado, não haverá desenvolvimento
Embora todas as vozes do mercado financeiro
joguem a culpa das instabilidades da economia brasileira na política fiscal, o
futuro do Brasil merece uma discussão menos ideológica. Não que eu ache que o
fiscal está bem, não está. Só que um país maduro não pode ficar elegendo bodes
expiatórios e deixar de ver o conjunto da economia e da política econômica.
Temos uma trajetória de elevação da taxa
Selic, o juro básico da economia. A taxa está sendo elevada para reduzir a
escalada inflacionária esperada desde 18 de setembro de 2024. Esta reunião do
Copom elevou a Selic de 10,5% ao ano para 10,75%. Neste momento, as
expectativas de mercado, capturadas pelo Boletim Focus, indicavam IPCA de 3,95%
para o ano de 2025. Já as projeções divulgadas na ata do Copom falavam em 3,7%.
Naquele setembro de 2024, o Copom enunciava um novo ciclo de expansão da Selic, embasado nas considerações de que: “O cenário, marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas, demanda uma política monetária mais contracionista.” ( transcrito da ata da reunião de 18/09/2024).
Federalismo e Imposto de Renda - Felipe Salto
O Estado de S. Paulo
O debate sobre a reforma do IR é apenas mais um capítulo do pacto federativo destrambelhado que mantemos no Brasil
O governo acertou ao apresentar um projeto
para o Imposto de Renda. À parte questões de redação e jurídicas, que não são
menores, o equilíbrio entre o custo da maior isenção proposta e a tributação
adicional sobre os mais ricos é um princípio fundamental.
O risco reside no Congresso Nacional. A
síndrome do dinheiro que brota em árvore está cada vez mais forte no Parlamento
brasileiro. Basta ver o caso da desoneração da folha, que foi parar no Supremo
Tribunal Federal (STF). O tema segue em aberto até agora, depois das medidas
insuficientes apresentadas pelo Congresso para a compensação do custo da
desoneração.
No caso da proposta do Imposto de Renda, a aprovação nos termos propostos pelo Poder Executivo teria o condão de reduzir a regressividade na tributação da renda no Brasil. Tributa-se menos quem ganha menos e mais quem ganha mais. A direção é certa.
O golpe e herdeiros de Bolsonaro - Vinicius Torres Freire
Folha de S. Paulo
Governador de São Paulo diz que capitão das
trevas, seu líder, provará que é inocente
Jair
Bolsonaro e comparsas vão ser processados. Não deveria ser assim. Se o
capitão das trevas tivesse sido deposto da Presidência da República por meio de
um processo de impeachment, não teria sido capaz de tentar um golpe, pelo menos
não de dentro do Palácio do Planalto.
Entre outros crimes cometidos ou tentados até então, Bolsonaro anunciou em um comício, no 7 de Setembro de 2021, que não haveria eleição em 2022 a não ser nos termos dele e que não cumpriria decisões do STF.
A pressão após o julgamento - Adriana Fernandes
Folha de S. Paulo
Por ora, a tendência é o Congresso se
associar, mas sem dar de bandeja a taxação dos milionários
A decisão do
Supremo Tribunal Federal de tornar réus Jair
Bolsonaro (PL)
e outros sete acusados de integrarem o núcleo da trama
golpista acirra a polarização, reforça a busca de união dos partidos
de direita em torno de uma candidatura do governador Tarcísio
de Freitas (Republicanos SP) ao Planalto e joga mais pressão do
presidente Lula na
agenda de medidas para aumentar a sua popularidade.
Lula queria fechar o apoio neste ano, mas o julgamento de Bolsonaro deixa ainda mais distante essa movimentação política. Terá de limitar o apoio à governabilidade no Congresso em 2025, o que já será uma vitória.
Os reacionários e a reforma do Imposto de Renda - Maria Hermínia Tavares
Folha de S. Paulo
Não é difícil encontrar os argumentos da
retórica reacionária nas objeções ao projeto de lei
Economista e um dos grandes intelectuais do
século 20, Albert Hirschman (1915-2012) publicou em 1991 "The Rhetoric of
Reaction", que viria a ser traduzido para o português como "A Retórica da Intransigência". Nessa joia de
inteligência e erudição, em menos de 200 páginas ele identifica três argumentos
típicos da oposição reacionária a propostas de reforma progressistas: as
alegações de perversidade, futilidade e ameaça.
Assim, para os refratários às mudanças, uma
reforma seria "perversa" por agravar o problema que pretenderia
resolver; "fútil" por não levar a qualquer resultado palpável; e
"ameaça", ao colocar em perigo outro objetivo, valor ou realização
duramente conquistados.
Para ilustrar as teses da perversidade, futilidade e ameaça, Hirschman utilizou exemplos tirados da história, como a crítica de pensadores conservadores à Revolução Francesa de 1789; ao estabelecimento do sufrágio universal; e ao advento de políticas de bem-estar social. Mas não é difícil encontrar os argumentos da retórica reacionária em muitas das críticas negativas ao projeto de lei que trata de mudanças no Imposto de Renda, formulado pelo ministro Fernando Haddad e encaminhado ao Congresso pelo presidente Lula há uma semana.
quarta-feira, 26 de março de 2025
O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões
AGU faz bem em disciplinar ação da primeira-dama
O Globo
É evidente que Janja tem exercido função
pública no governo, ainda que não tenha cargo formal
É oportuna a iniciativa da Advocacia-Geral da União (AGU) de impor limites à atuação do cônjuge do presidente da República nas situações em que representa simbolicamente o chefe de Estado em eventos nacionais ou internacionais. O parecer, inédito, é elaborado a pedido do próprio Palácio do Planalto, em meio a contestações à atuação da primeira-dama, Janja da Silva. As críticas se multiplicam nas redes sociais e impõem desgaste ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Elas vêm sobretudo da oposição, mas encontram eco também dentro do próprio governo e em aliados. Têm sido frequentes os relatos de gafes, falta de transparência, quebra de protocolo e interferência em assuntos do governo.
Um olho denúncia, outro em 2026 - Vera Magalhães
O Globo
Bolsonaro já age como quem traça cenários
para tentar reverter, lá adiante, uma provável condenação e possível prisão
É bastante sintomático que expressões como
revisão judicial, anistia, perdão, indulto ou graça sejam, há semanas, as mais
usadas pelos advogados dos denunciados pela trama golpista do governo Jair
Bolsonaro. Isso bem antes da sessão de ontem, em que ficou evidente a tendência
de que a Primeira Turma do Supremo Tribunal torne o ex-presidente e seus
companheiros réus por 5 a 0.
Versados em mensalão e Lava-Jato, representantes de algumas das mais estreladas bancas de advocacia do Brasil contam com as reviravoltas jurídicas, judiciais e políticas — de que a História está salpicada de exemplos — para apostar que seus clientes serão condenados e provavelmente presos, mas não cumprirão suas penas integralmente porque alguma maré poderá virar.
Contradição insanável - Bernardo Mello Franco
O Globo
No dia em que o Supremo começou a julgar a
denúncia contra Jair Bolsonaro e seus generais de estimação, os ministros da
Corte formaram maioria para condenar e cassar o mandato de Carla Zambelli. A
deputada escapou de ser processada pela tentativa de golpe. Deve ser
responsabilizada por outros crimes: porte ilegal de arma e constrangimento
ilegal.
O episódio ocorreu na véspera do segundo turno da eleição de 2022. Após se envolver em bate-boca na rua, Zambelli sacou um revólver e saiu correndo atrás de um eleitor do PT. Só parou dentro de uma lanchonete, onde ordenou que o homem deitasse no chão sob a mira da arma. A cena de faroeste expôs a insanidade da política armamentista patrocinada pelo capitão.
Débora virou um símbolo espinhoso – Elio Gaspari
O Globo
Cena 1, janeiro de 1970: Os juízes da 1ª
Auditoria do Exército leem a sentença que condena a oito anos de prisão os oito
principais autores do sequestro do embaixador Charles Elbrick, ocorrido em
setembro do ano anterior.
(A ditadura vivia um pico da sua fase
repressiva. Carlos Marighella, patrono involuntário do sequestro, e Virgílio
Gomes da Silva, participante da ação, haviam sido assassinados.)
Cena 2, março de 2025: O ministro Alexandre
de Moraes condena a 14 anos de prisão a cabeleireira Débora Rodrigues dos
Santos. No dia 8 de janeiro de 2023, ela escreveu com batom “Perdeu, mané” na
estátua da Justiça em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF),
em Brasília. Moraes foi acompanhado pelo ministro Flávio Dino.
Débora, mãe de dois filhos menores, está presa desde março de 2023. Ela escreveu uma carta ao ministro Moraes desculpando-se, mas ele acabou dando-lhe 14 anos. Como o ministro Luiz Fux pediu vista, o julgamento não terminou.