sábado, 13 de dezembro de 2025

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*

“O sucesso da democracia nas urnas, importante como foi, não ocultou uma forte presença das forças antagonistas que, derrotadas, se insurgem em movimentações consertadas a fim de tentar subverter a ordem sob o pretexto de que teria havido fraude no processo eleitoral num arremedo farsesco das táticas de Trump. O verdadeiro legado de Bolsonaro foi, como se constata, deixar em sua esteira uma extrema-direita orientada a embaraçar os caminhos da restauração democrática, objetivo principal do novo governo Lula-Alckmin, que também enfrenta os desafios de animar uma sociedade desorganizada conscientemente pelas práticas do governo Bolsonaro em seus quatro anos de mandato.

Tal tarefa ainda se faz mais difícil em razão dos partidos terem subestimado sua radicação no mundo popular que ficou sob a influência dos pentecostais e de sua canhestra ideologia da prosperidade, cenário agravado pela condenação por parte da hierarquia da Igreja católica da teologia da libertação com que seus intelectuais tentavam se comunicar com os seres subalternos. Os efeitos nefastos dessas orientações produziram uma limpeza de terreno favorável a destituição da política e à difusão de valores antidemocráticos nesses setores.

Tal desertificação da política, contudo, tem remédio já conhecido, uma ida ao povo por parte de seus políticos e intelectuais, uma medicação de uso continuado a demandar tempo na sua aplicação. Em nossa desastrada experiência republicana já fizemos uso dessa recomendação, e já está passando da hora o momento de aprendermos as boas lições do nosso passado.”

*Luiz Werneck Vianna (1938-2024), Sociólogo, “Bons remédios não se esquecem”. Blog Democracia Política e novo Reformismo, 7/12/22.  

 

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Inimigos do povo

Por CartaCapital

O Parlamento se firma como o covil do golpismo

Irritado com a repercussão nas redes e fora delas da expressão “Congresso, inimigo do povo”, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ordenou à polícia legislativa a investigação do que considera um “ataque” ao Parlamento. Pai, mãe, padastro e padrinho do orçamento secreto, Alcolumbre não consegue largar o vício do poder acumulado pelo Legislativo durante o período em que o Brasil tinha na Presidência da República um cidadão que abandonou os afazeres do cargo para se dedicar exclusivamente ao planejamento de um golpe de Estado. O amapaense recorre a um subterfúgio típico: agressor, posa de agredido e atribui aos outros o seu comportamento autoritário. Na Câmara, Hugo Motta igualmente se faz de ofendido, embora com menos brio e altivez. E vale-se da truculência e da censura contra aqueles que denunciam suas manobras.

Constranger, reagir, enfrentar. Por Flávia Oliveira

O Globo

Inconformismo, em vez de resignação; empenho, em vez de omissão; ação, em vez de passividade

Nesta semana, a polícia do Rio de Janeiro voltou ao Complexo do Salgueiro, na Região Metropolitana, em mais um capítulo da política de enfrentamento ao Comando Vermelho. Cerca de mil agentes participaram de nova etapa da Operação Contenção, a mesma que, em fins de outubro, deixou 117 civis e cinco agentes mortos nas regiões do Alemão e da Penha, Zona Norte da capital. Cinco anos atrás, uma mal explicada incursão de policiais civis e federais no mesmo conjunto de favelas de São Gonçalo tirou a vida do adolescente João Pedro Mattos Pinto, aos 14 anos. O assassinato dentro da casa de parentes, em plena pandemia da Covid-19, levou o ministro Edson Fachin, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a proibir operações em comunidades durante a crise sanitária.

Desordem e progressão. Por Eduardo Affonso

O Globo

Os que roubaram os pensionistas do INSS logo estarão soltos (isso se um dia chegarem a ser presos). Idem para o político corrupto

A palavra do ano, para a equipe do dicionário Cambridge, foi parassocial (aquela sensação de intimidade — não recíproca — com figuras públicas). O Oxford veio de rage bait (conteúdo criado para gerar engajamento na força do ódio). No Brasil, segundo a consultoria Cause e o instituto de pesquisa Ideia, foi “incerteza”. Eu teria votado em “progressão”, com novo sentido, o de retrocesso.

Na cadeia, progressão é o regime que permite ao condenado cumprir apenas 1/6 da pena. Na escola, o que empurra o aluno adiante, mesmo que ele não tenha aprendido nada. É o Estado não educando no sistema educacional nem reeducando no sistema penitenciário. A aposta é que o aluno incapaz de entender a tabuada do 2 se recupere magicamente mais tarde, quando chegar à tabuada do 7. Que o criminoso adquira, na rua, os princípios morais que lhe faltavam antes do curto estágio de confinamento.

O dever moral do ministro Alexandre de Moraes. Por Thaís Oyama

O Globo

Situação revelada por colunistas do GLOBO, embora lícita do ponto de vista legal, abre amplo espaço para discussão

Foi com um silêncio olímpico que o ministro do STF Alexandre de Moraes reagiu a três recentes revelações da imprensa envolvendo seu nome. A primeira, feita pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim, mostrava que, entre os documentos recolhidos pela polícia na operação que prendeu o banqueiro Daniel Vorcaro, estava um contrato firmado entre o agora liquidado e suspeito de transações fraudulentas Banco Master e o escritório comandado pela mulher do magistrado, a advogada Viviane Barci de Moraes, em sociedade com filhos do casal. A segunda revelação, esta feita pela colunista Malu Gaspar, também do GLOBO, foi que o contrato em questão atingia uma cifra astronômica, em torno de R$ 130 milhões — número nunca antes visto, nem mesmo no firmamento dos escritórios mais estrelados do país (um dos maiores valores conhecidos até hoje era o contrato estimado em R$ 60 milhões entre o falecido Márcio Thomaz Bastos e as empreiteiras Odebrecht e Camargo Corrêa na Lava-Jato). A terceira notícia, também dada por Malu Gaspar, é sobre o tipo de serviço que o escritório Barci de Moraes se dispôs a prestar ao Master.

O juiz venceu. Por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Ainda que anestesiado pelo ritmo dos despachos em Brasília, operações a cada lance mais criativas-ousadas, o cronista peleja para não se acomodar ante as notícias recentes que comunicam – como se prática natural – acordos políticos firmados entre ministro do STF e os donos do Senado; de repente admitido que uma ADPF possa ser instrumentalizada, ademais cassando um direito político, para forçar que o Congresso, submetido, reforme a lei nos termos das “orientações” do juiz-parlamentar.

Não faltaria ao rito viciado a corrupção da palavra, de modo que o juiz que legisla, na verdade, orienta. O juiz venceu. Jogou e venceu. Sem surpresas. O Judiciário brasileiro – para prazer do Direito Xandônico – é o mais forte do mundo. (Venceu a Magnitsky!)

No fundo do poço, outro poço. Por Roberto Amaral*

“Cuidemos. A República pode afundar.”
 Manuel Domingos Neto

Sinal dos tristes tempos: devemos comemorar a suspensão por seis meses do mandato do deputado Glauber Braga, decretada pelo plenário da Câmara Federal na última quarta-feira (10/12/2025). No dia anterior, por ordem do presidente da Casa, ele fôra agredido por gendarmes da polícia legislativa.

As hosanas são justificadas porque o corretivo previamente decidido pela direita era a pura e simples cassação do mandato do parlamentar fluminense, cumulada com oito anos de inelegibilidade — sua virtual expulsão da vida pública, que ele tanto dignifica. Antes disso, pelas artes e sortilégios  de Artur Lira – dublê de capo e feiticeiro –, Glauber era submetido ao Conselho de Ética. Nada ouviu ali que merecesse ser tomado como acusação séria, mas teve a perda do mandato indicada. A espada de Dâmocles pesa sobre sua cabeça desde março.

O ritual das candidaturas. Por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Neste final de 2025, a questão sucessória já se impõe no horizonte dos atuais líderes políticos brasileiros. Todos tentam alcançar o melhor lugar para sensibilizar o eleitor

A crise do sistema democrático acontece, normalmente, nos pródromos da eleição presidencial. É o período em que os sinais da tensão originária pela substituição no poder começam a tomar conta do cenário político. Neste final de 2025, a questão sucessória já se impõe no horizonte dos atuais líderes políticos brasileiros. O presidente Lula trabalha com um olho na administração diária e outro travado na eleição de 2026, quando ele tentará o quarto mandato. As rebeliões, os projetos, os discursos e as reviravoltas acontecem em torno da dança da sucessão. Todos tentam alcançar o melhor lugar para sensibilizar o eleitor.

A baderna da Câmara dos Deputados. Por Juliana Diniz

O Povo (CE)

Jornalistas e toda imprensa tiveram o acesso negado ao recinto, um episódio também sem precedente, e extremamente preocupante

A semana da Câmara dos Deputados proporcionou um teste difícil até para o mais otimista dos cidadãos. Como disse o deputado Arthur Lira: a Casa virou uma grande esculhambação. Entre os feitos, destaco a aprovação do PL da Dosimetria, que reduz as penas dos condenados pela tentativa de golpe de estado, e a liberação de Carla Zambelli da cassação, mesmo após ter sido condenada com trânsito em julgado e presa na Itália, à espera de extradição.

Meu estimado bandido. Por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Acordo na Câmara tem a ver com emendas e campanha presidencial

Jogados aos leões, Glauber Braga e Carla Zambelli salvaram-se

Os embalos na Câmara são um primor de organização e não acontecem ao acaso ou de surpresa, como se quer dar a entender. Deles fica de fora a plebe ignara, pobres mortais que, por não terem pulseirinha vip, jamais poderiam se misturar com a nata em ambiente tão fino e conservador.

A coisa é preparada nos mínimos detalhes para se precipitar no momento oportuno, a tradição obrigando que o clímax seja atingido na alta madrugada. A sessão que aprovou o PL da Dosimetria, que reduz a pena de Bolsonaro e outros golpistas, terminou às quatro da manhã de quarta (10), um mês após a condenação do ex-presidente no STF.

Tarcísio, o leal. Por Ana Luiza Albuquerque

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas radicais não gostam do governador, mas ele esteve ao lado do ex-presidente nos momentos mais críticos

Jair retribuiu indicando Flávio para concorrer à Presidência; após três dias, Tarcísio quebrou o silêncio e falou em outras candidaturas

Tarcísio de Freitas não agrada bolsonaristas radicais. Não se sabe por qual motivo: se porque o governador come com garfo e faca, frequenta reuniões na Faria Lima ou visita gabinetes do Supremo Tribunal Federal (ou todas as opções).

Eles alegam que o governador de São Paulo não é leal a Jair Bolsonaro. Nos momentos mais críticos, porém, ele esteve, sim, ao lado do ex-presidente —por lealdade genuína ou cálculo político.

Código de conduta é antídoto contra fragilização do Judiciário. Por Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Medida contribui para preservar a confiança dos cidadãos nos juízes e tribunais

Edson Fachin acerta ao buscar fortalecer independência, imparcialidade e integridade da Justiça

A Justiça brasileira se beneficiaria muito com a adoção de um código de conduta. A autoridade da Justiça deriva de sua capacidade de aplicar a lei com independência, imparcialidade, consistência, integridade e em prazo razoável. Quando o comportamento dos magistrados compromete a reputação dos tribunais, a autoridade da Justiça declina e cresce a disposição para desrespeitar suas decisões ou mesmo afrontá-las.

A Justiça brasileira desempenhou e desempenha um papel fundamental na defesa da democracia. Num mundo marcado por crescentes ataques às instituições constitucionais, a postura do Judiciário brasileiro tem se demonstrado um indispensável ativo democrático. Mas isso não é suficiente para garantir sua autoridade.

Precisamos falar sobre Hugo Motta. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Jovem presidente da Câmara dos Deputados vai acumulando erros em ritmo impressionante

Inexperiência explica apenas parte dos equívocos cometidos ao longo do mandato

A inexperiência é o único defeito que não piora com a idade. Devemos, então, concluir que há esperança para Hugo Motta, o jovem presidente da Câmara que vem metendo os pés pelas mãos num ritmo que surpreende até seus padrinhos políticos?

Só nesta semana ele cometeu dois lapsos graves. Preocupado em não reeditar a frouxidão com que lidou com o motim de parlamentares bolsonaristas em agosto, resolveu enfrentar a rebelião do deputado Glauber Braga com firmeza. Mandou suspender a transmissão ao vivo da sessão —o equivalente legislativo do policial desligando a câmara corporal—, retirou a imprensa do plenário e soltou a Polícia Legislativa em cima dos insurgentes. Os agentes da ordem não foram delicados nem urbanos.

Vacina contra o autoritarismo. Por Cláudio Couto

CartaCapital

Não é razoável imaginar que apenas 21 senadores possam afastar um ministro do STF. Gilmar Mendes tem boas razões para querer proteger a Corte do constante assédio da extrema-direita

Uma nova crise na relação entre os poderes se abriu com a recente decisão, do ministro Gilmar Mendes, de declarar inconstitucionais trechos da Lei do Impeachment de 1950 referentes à cassação de ministros do Supremo Tribunal Federal. A decisão respondeu à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros.

A ética e o STF. Por Aldo Fornazieri

CartaCapital

Se exigem que o cidadão comum cumpra a lei, os magistrados devem ser os primeiros a fazê-lo de forma exemplar

Péricles (495–425 a.C.) foi o mais importante governante da Atenas Clássica e o maior símbolo da democracia antiga. Administrou a cidade por 30 anos, eleito anualmente. Era muito rico, mas lutava contra a aristocracia. Não se trata de listar suas reformas, sempre voltadas a ampliar a democracia. Péricles foi um líder inspirador, que governou pelo exemplo, com grandeza moral incomparável, impulsionando o povo e seus seguidores a uma vida politicamente engajada. Adquiriu, com mérito, a fama de incorruptível.

Papai Estado. Por Luiz Gonzaga Belluzzo e Nathan Caixeta

CartaCapital

Nas crises bancárias, há quem sempre queira trocar a mão invisível do mercado pelo colo seguro do Leviatã

O desfecho do episódio iniciado pela identificação de fraudes e de prejuízos bilionários nas demonstrações contábeis do Banco Master (e fora delas) permanece um mistério para os interessados no espólio dos ativos da instituição. O que nos parece certeiro e registrado nas histórias do capitalismo é a inevitável intervenção do Estado, quando o mercado, livre, leve e solto, apronta suas trapalhadas. O noticiário e as análises midiáticas em torno do tema correm para particularizar as culpas, na tentativa de salvar a reputação da mão boba e invisível do mercado.

Evolução harmônica. Por Cristovam Buarque

Veja

É preciso entender o mundo como uma coisa só

Nesta semana, a UnB comemorou trinta anos do Centro para o Desenvolvimento Sustentável (CDS). Quando concebido, em 1990, e quando criado, em 1995, mesmo ano da COP1, em Berlim, o CDS apresentava duas ousadias: do ponto de vista da estrutura universitária, adotava o estudo multidisciplinar, fora dos departamentos especializados por categoria do conhecimento; e do ponto de vista da concepção de progresso, adotava a crítica ao desenvolvimento baseado no crescimento econômico. Passados trinta anos, a própria ideia de desenvolvimento sustentável está em crise. Os conceitos de “desenvolvimento” e de “sustentabilidade” deixaram de indicar rumo desejável para o progresso. Apesar do sucesso de centenas de egressos de cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior, surgiu a ideia de o CDS se transformar em um Centro para a Evolução Harmônica da humanidade — entre os seres humanos, e deles com a natureza e seus povos.

O desafio maior: a guerra que não pode ser perdida. Por Marcus Pestana

2026, ano de eleições gerais. Momento de reavaliar a trajetórias e fazer escolhas. Os especialistas em pesquisas de opinião e marketing político já construíram um certo consenso de que o tema central será segurança pública. O crescimento do crime organizado realmente assusta e mobiliza corações e mentes. A sensação de insegurança é real e pode predominar na formação da decisão de voto dos brasileiros.  Mas a agenda de desafios brasileiros é muito mais ampla.

Poesia | O açúcar, Ferreira Gullar

 

Música | Roberta Sá - Casa Pré-Fabricada

 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*

“Durante quatro anos, dia a dia, fomos testemunhas de ações liberticidas que intencionavam abater quaisquer laços orgânicos em nossa vida comum, negando-se realidade fática à existência dessa coisa chamada de sociedade. O fascismo e sua pregação neoliberal das hostes bolsonaristas só admitiam o indivíduo isolado, mônada de interesses privados somente postos em ordem pela intervenção mítica do chefe da nação. Nesse sentido, havia algo de misticismo no chienlit brasileiro de 8 de janeiro, em que uma massa de indivíduos ignaros, à falta física do seu chefe, tentou baixar o seu espírito como num culto religioso a fim de realizar a obra que lhe cabia no sentimento de todos. Bolsonaro encarnou, assim em unção mística, a depredação em que cada manifestante em êxtase destruía um ícone nacional.

Os alemães, depois de 1945, solenemente prometeram que sua tragédia nacional não mais se repetiria, e conseguiram. Seremos capazes do mesmo?”

*Luiz Werneck Vianna (1938-2024). Sociólogo, “A patologia brasileira e seus remédios”, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 15/1/2023.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PEC que acaba com escala 6 por 1 não passa de populismo

Por O Globo

Sem aumentar produtividade, reduzir jornada de trabalho equivale a incentivar o desemprego e a pobreza

Num rompante demagógico, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) reduzindo a jornada de trabalho de 44 horas semanais para 36 horas ao longo de cinco anos. A PEC determina o fim da escala 6 por 1 e, em seu ímpeto populista, consegue ser ainda mais radical que um Projeto de Lei em debate na Câmara prevendo redução da jornada para 40 horas. Ante a proximidade do recesso parlamentar, o texto só deverá ser analisado no ano que vem. O prazo largo é a única boa notícia, tamanho o risco embutido na proposta.

Parlamentarismo da roça. Por José de Souza Martins

Valor Econômico

Vemos comportamentos de um parlamentarismo de roça, da cumplicidade e da clientela, dos devedores de favores, de relações de troca de natureza pessoal

“Coronelismo, enxada e voto”, de Victor Nunes Leal, que foi ministro do STF, cassado pelo golpe militar de 1964, é um clássico dos estudos sobre a nossa deformada realidade política. Temos nele um retrato melancólico do que se pode definir como estruturas fundamentais do poder de um país crônica e politicamente atrasado.

Um país em que a República não criou uma forma propriamente republicana de representação política porque limitou-a a minorias residuais de um passado não democrático, de uma sociedade sem povo. A maioria procedia ou da escravidão ou de diferentes formas sociais de sujeição e anulação da vontade.

Para compreender as artimanhas de agora do presidente do Senado e artimanhas outras da política brasileira, esse livro é um guia, uma revelação das ocultações que fazem do sistema político uma trama de régulos de província, barões feudais cuja prática se orienta no sentido de desgovernar para mandar.

Flávio é teste final do ‘faro’ de Bolsonaro. Por Andrea Jubé

Valor Econômico

Rejeição ao sobrenome Bolsonaro e os esqueletos no armário tornam Flávio um candidato pesado para o Centrão carregar

Os políticos mais astutos, daqueles que tiram as meias sem descalçar os sapatos - façanha que se atribuía a Getúlio Vargas - têm faro, intuição, instinto, ou nome que o valha, que acionam para tomar decisões ou decifrar a conjuntura, em momentos-chave da política nacional.

Eles já erraram, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Jair Bolsonaro são, ainda assim, exemplos de políticos de faro aguçado em campos opostos. Quando os malfeitos eliminaram do jogo os potenciais sucessores de Lula após o segundo mandato - os ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci -, o petista tirou da cartola a “mãe do PAC”, a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. E fez a sucessora.

No dia 26 de novembro, na cerimônia de sanção do projeto que ampliou a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, Lula relembrou um episódio do passado, em que nas palavras dele, seu faro acertou.

Moraes anula decisão da Câmara e decreta cassação de Zambelli

Por Tiago Angelo e Beatriz Roscoe / Valor Econômico

Ministro lembrou que regra prevê perda automática de mandato em condenações transitadas em julgado, caso da deputada

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou na quinta-feira (11) a decisão da Câmara que manteve o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP). Ele decretou a cassação imediata da parlamentar e determinou que Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Casa Legislativa, efetive no prazo máximo de 48 horas a posse do suplente da parlamentar. Adilson Barroso (PL-SP) deve assumir o posto.

A deputada está presa na Itália aguardando o desfecho de um processo de extradição. Ela foi condenada pelo Supremo a dez anos de prisão por invadir os sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Moraes já havia determinado a cassação da parlamentar, mas a Câmara decidiu na quarta-feira (10) manter o mandato de Zambelli.

Decisões na calada da noite não podem ser normalizadas. Por Roberto Fonseca

Correio Braziliense

A Câmara precisa explicar à sociedade: como se exerce um mandato sem direitos políticos? Como votar, discursar ou representar cidadãos a partir de uma cela em outro país? E, indo além, qual será o entendimento da Câmara diante dos casos de Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem, que estão no exterior?

No Brasil, decisões tomadas enquanto o país dorme raramente produzem bons resultados para a democracia. A madrugada, que deveria ser espaço de pausa e recolhimento, tornou-se palco de votações de grande impacto nesta semana, conduzidas longe do olhar mais atento da sociedade. Os episódios recentes na Câmara dos Deputados, como a rejeição da cassação do mandato de Carla Zambelli e a aprovação do chamado PL da Dosimetria, reforçam essa tendência preocupante.

A manutenção do mandato de Carla Zambelli, condenada definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal a 10 anos de reclusão e, atualmente, presa na Itália, expõe uma fratura institucional e uma contradição política difícil de justificar. A própria Comissão de Constituição e Justiça, a tão conhecida CCJ, havia recomendado a perda do mandato por "incompatibilidade fática absoluta" entre o regime fechado e o exercício da representação popular. Essa constatação elementar permanece sem resposta e deve ser dada pela Mesa Diretora da Câmara: como se exerce um mandato sem direitos políticos? Como votar, discursar ou representar cidadãos a partir de uma cela em outro país? E, indo além, qual será o entendimento da Câmara diante dos casos de Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem, que estão no exterior?

Um vizinho indesejável, a Doutrina Monroe e a química entre Lula e Trump. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Os EUA, na lógica de competição global com a China, revalorizam o hemisfério como zona essencial de segurança. O Brasil opera na lógica de preservação da paz regional

A conversa telefônica entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, revelada pelo presidente brasileiro em Belo Horizonte, o choque de visões que hoje estrutura a crise no hemisfério. De um lado, um líder latino-americano que insiste na negociação, dissuasão diplomática e acordos multilaterais. De outro, um presidente norte-americano que ostenta poder bélico como argumento político e cuja nova Estratégia de Segurança Nacional recoloca as Américas no centro de uma doutrina de hegemonia já conhecida: a velha Monroe (“A América para o americanos”), agora reeditada como “Corolário Trump”.

A ironia é a “química” entre os dois: cada qual reconhece no outro uma força que precisa manejar com cautela, apesar das discordâncias estratégicas. Ao afirmar que “acredita mais no poder da palavra do que no poder da arma”, Lula sintetizou a posição histórica da diplomacia brasileira e, ao mesmo tempo, expôs a fragilidade dessa postura no ambiente atual. A Venezuela transformou-se num epicentro de instabilidade que nenhum país do continente consegue mais contornar por si só. A deterioração interna é dramática: colapso institucional, repressão sistêmica, migração de 8 milhões de pessoas e uma economia reduzida a um quarto do que já foi.

O curinga Haddad. Por Vera Magalhães

O Globo

Com currículo para exibir e lealdade atestada, não há outro nome nas fileiras petistas em condições de disputar com ele lá na frente

Fernando Haddad está pronto para cumprir mais uma missão para Lula em 2026 — e, com isso, somar mais alguns pontos junto ao presidente, que não se esquece da lealdade de seu atual ministro da Fazenda no momento mais difícil de sua vida, a prisão em Curitiba. Em entrevista exclusiva a Thaís Barcellos, Sérgio Roxo e Thiago Bronzatto, do GLOBO, Haddad disse que poderá deixar a Fazenda para “colaborar” com a campanha de Lula à reeleição:

— Eu tenho a intenção de colaborar com a campanha do presidente Lula e disse isso a ele, que não pretendo ser candidato em 2026, mas quero dar uma contribuição para pensar o programa de governo dele, para pensar como estruturar a campanha dele.

A Câmara se esculhamba. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Ao anular manobra em favor da bolsonarista, Moraes agrava desmoralização de Hugo Motta

Eram quase 23h de quarta-feira quando o advogado Fabio Pagnozzi subiu à tribuna da Câmara. Sem bons argumentos para defender Carla Zambelli, o doutor apelou ao corporativismo dos parlamentares.

“Neste momento, os senhores abrem um precedente perigosíssimo. Existem mais de cem processos contra deputados federais no STF”, disse, em tom de alerta. “Vocês não precisam gostar dela. Vocês só precisam pensar que, se a Carla Zambelli for cassada, vai virar uma coisa repetitiva nesta Casa”, sustentou.

Carla Zambelli é uma criminosa condenada duas vezes a penas que somam 15 anos de prisão. Em vez de se entregar, ela fugiu do país e entrou na lista de procurados da Interpol. Capturada na Itália, foi recolhida a uma penitenciária feminina, onde aguarda o julgamento do processo de extradição.

Unidos pela fé, divididos pela política. Por Pablo Ortellado

O Globo

“O Brasil no espelho” é uma importante contribuição ao entendimento da sociedade brasileira

No recém-lançado “O Brasil no espelho” (Globo Livros), Felipe Nunes apresenta um amplo estudo sobre os valores dos brasileiros, baseado em pesquisa conduzida pela Quaest a pedido da TV Globo. A obra joga luz sobre o que os brasileiros pensam sobre fé, família, arranjos familiares, confiança e segurança, oferecendo um retrato detalhado que ajuda a compreender não apenas o que pensam, mas por que pensam assim.

O livro traz mais dados interessantes do que é possível relatar aqui. Alguns reforçam informações conhecidas por outras pesquisas, outros permitem ver o que já se sabia sob outra perspectiva — algumas informações, porém, são inteiramente novas.

O PT e a segurança pública. Por Edinho Silva

O Estado de S. Paulo

A ausência governamental é a permissão para que a criminalidade domine os territórios

No governo Lula, a segurança pública se faz com responsabilidade desde o dia um. O presidente da República publicou, ao ser empossado, decretos que aumentaram o controle de armas e reorganizaram as normas de autorização para porte e posse de munição e armamento.

A banalização do porte de armas só interessa aos criminosos. O acesso liberado no governo anterior armou a sociedade para estimular a violência e a negação do papel do Estado como garantidor da paz. A liberação, inclusive de fuzis, abasteceu o mercado ilegal e fortaleceu facções criminosas.

Ao restringir compras, reduzir licenças e transferir o controle dos CACs para a Polícia Federal, o governo deu início a uma reconstrução necessária do papel do Estado, numa sociedade que prioriza a construção da paz e quer enfrentar a banalização da violência.

Três anos perdidos da juventude. Por Simon Schwartzman

O Estado de S. Paulo

Uma coisa que poderia ser feita seria criar um exame nacional de desempenho exigente ao final do ensino fundamental

Novembro foi mês do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com quase 5 milhões de participantes, coincidindo com o anúncio recente do Ministério da Educação de que, a partir do ano que vem, a prova vai ser utilizada para avaliar o ensino médio como um todo. É uma volta à ideia inicial de quando o exame foi criado em 1998, com a grande diferença de que, agora, ele é, sobretudo, um grande vestibular nacional para as universidades públicas e, portanto, uma prova de alto impacto. Mais um passo no engessamento do ensino médio, contra a noção de que ele deveria ser o lugar da pluralidade de caminhos.

Fim dos tempos. Por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Só São Paulo está às escuras? Ou o Congresso, o STF, o Brasil e o mundo também?

A semana e o ano vão fechando com uma sensação de fim dos tempos, em que você olha para um lado e vê a Câmara imoral e o Senado raivoso, olha para outro e vê o Supremo em chamas e, ao virar para o Planalto, vê um palanque, onde Lula, em campanha, finge que não tem nada a ver com isso.

Tudo é espantoso no Congresso, a dita “casa do povo”, onde o tal “povo” não é ouvido e se choca, dia sim, outro também, com as decisões mais estapafúrdias, como a Câmara manter o mandato da deputada Carla Zambelli, condenada, foragida e presa. Pura confrontação contra o STF, e Alexandre de Moraes anulou a decisão, jogando álcool na fogueira entre os Poderes.

Câmara votou e aprovou ajuda a Beira-Mar, Marcola e André do Rap para salvar Bolsonaro e generais. Por Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo

Projeto da chamada dosimetria estabelece regime carcerário mais brando do que o aprovado pelos deputados e senadores na Lei Antifacção para chefes de milícia e de organizações criminosas e autores de crimes hediondos e feminicidas

Um dos únicos pontos incontroversos da Lei Antifacção que o Senado votou na terça-feira e aprovou sem alterar o que fora enviado pela Câmara dos Deputados foi modificado pelos próprios deputados durante a votação do projeto da chamada dosimetria. Para favorecer Jair Bolsonaro e os oficiais generais condenados pela tentativa de golpe, após a eleição de 2022, os parlamentares reverteram as modificações da Lei de Execuções Penais, derrubando de um terço a quase pela metade o tempo de permanência na cadeia dos chefes do crime organizado no País.

Caso seja aprovado como está pelos senadores e após a PL Antifacção, o projeto da dosimetria, que visava aliviar a cadeia de Bolsonaro, vai dar um presente de Natal para bandidos como Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e André de Oliveira Macedo, o André do Rap. Isso porque ele reduz o tempo que esse tipo de criminoso deve permanecer na cadeia, em regime fechado, antes de passar para o regime semiaberto, em relação ao que o próprio Senado aprovara no projeto antifacção, noite de terça-feira à noite, horas antes da Câmara votar a dosimetria.

As más notícias de 2025 para 2026. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Poderes em conflito e parlamentar fugindo da polícia e salivando por emendas são problema

Preço da vitória de Lula 4 parece mais alto; corte de juros do BC pode ficar mais tumultuado

A primavera começou com promessa de melhoria no tempo ruim da política brasileira. As manifestações contra a anistia dos golpistas ajudaram a derrubar a PEC da Blindagem, por exemplo. Mas o ambiente continuaria poluído, sabíamos então; piorou. O mormaço tóxico vai entrar pelo ano eleitoral de 2026. Venenos:

1) A parlamentagem tentando fugir da polícia e da Justiça, querendo peitar um STF de fato fora da casinha institucional, refratário até à ideia de seguir um código de conduta, vergonha na cara básica;

2) A falta de pagamento de emendas parece assunto tão velho que mal se fala dele. Mas é o que move o clero ainda mais baixo (pois é quase tudo baixo no Congresso). É fácil arregimentar votos contra o governo quando a massa parlamentar saliva de raiva e fome de dinheiro;

3) Era sabido que derrota da direita tenderia a mexer com preços da finança (dólar, juros), ainda mais dada a indiferença de Lula 3 em relação ao conserto das contas públicas. Com o anúncio da candidatura-bomba e por ora derrotada de Flávio Bolsonaro tivemos uma medida desse custo, precocemente alto;

4) Aumentou o risco de um 2026 politicamente mais tumultuado. Além dos conflitos abertos entre Poderes, vê-se que a finança está bem mais avessa à Lula 4 do que se imaginava. E daí? Não deve ser tranquila a campanha de redução da taxa básica de juros, da Selic.

Kassab defende Tarcísio para a Presidência e descarta aliança com Flávio no primeiro turno. Por João Gabriel

Folha de S. Paulo

Presidente do PSD disse que seu partido deve ter nome independente dos bolsonaristas

Ele desconversou sobre possível apoio a Lula mesmo no segundo turno

O presidente do PSDGilberto Kassab, defendeu que o atual governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), concorra à Presidência em 2026, mesmo diante da candidatura de Flávio Bolsonaro (PL), e indicou que uma aliança nacional com o filho de Jair Bolsonaro não deve acontecer no primeiro turno.

"Eu ainda entendo que o Tarcísio é o melhor candidato para o Brasil", disse nesta quinta-feira (11), durante um evento do Todos pela Educação, em Brasília.

"Desejo boa sorte a ele [Flávio], que ele possa fazer uma boa campanha. Mas o PSD sempre teve a sua posição muito clara. O PSD tem como uma decisão apoiar o Tarcísio caso ele seja candidato. E se ele não for candidato, nós temos dois pré-candidatos dentro do partido", completou em referência a Ratinho Júnior, do Paraná, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul.

Nuclearização da política. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Perda de mandato de Carla Zambelli é inevitável, se não já, em março, por faltas

Deputados aproveitam imprecisão constitucional para antagonizar STF

Lembram de Trump e Kim Jong-un discutindo, em 2018, quem tinha o maior "botão nuclear"? Os dois terminaram amiguinhos, mas o embate entre eles prenunciava o estilo hiperbólico, com toques de 5ª série, que viria a dar o tom da política nos anos 2020.

polêmica não cassação da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) se inscreve nessa tendência, facilitada pelo oceano de imprecisões e contradições que povoam nossa Constituição cidadã.

Motta vai de mal a muito pior. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Com truculência e censura, presidente da Câmara relega o patrimônio democrático de sua geração

Leniência e decisões equivocadas marcam a falta de predicados para o exercício de função que exige liderança

Nascido em novembro de 1989, em meio à primeira eleição presidencial direta e quatro anos depois de reinstituída a democracia no Brasil, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) não poderia ter permitido —até por questão geracional— que sob sua presidência a Câmara vivenciasse cenas de truculência como as exibidas na última terça-feira (9).

Um deputado tratado a golpe de mata-leão pela Polícia Legislativa e outros empurrados ao chão, enquanto a imprensa era proibida de registrar as agressões e o sinal de transmissão da TV da Casa era cortado, foi algo tão chocante quanto inédito.