domingo, 28 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Keynes*

“Dei a minha teoria o nome de teoria geral. Com isso quero dizer que estou preocupado principalmente com o comportamento do sistema econômico como um todo - com a renda global, com o lucro global, com o volume global da produção, com o nível global de emprego, com o investimento global e com a poupança global, em vez de com a renda, o lucro, o volume da produção, o nível do emprego, o investimento e a poupança de ramos da indústria, firmas ou indivíduos em particular. E afirmo que foram cometidos erros importantes ao se estender para o sistema como um todo as conclusões a que se tinha chegado de forma correta com relação a uma parte desse sistema tomada isoladamente.

Acredito que economia em toda parte, até recentemente, tinha sido dominada, muito mais do que compreendida, pelas doutrinas associadas ao nome de J.B. Say. É verdade que a “lei dos mercados” dele já foi abandonada há tempo pela maioria dos economistas, mas eles não se livraram de seus postulados básicos, particularmente de sua ideia errônea de que a demanda é criada pela oferta. Say estava supondo implicitamente que o sistema econômico está sempre operando com sua capacidade máxima, de forma que uma atividade nova apareceria sempre em substituição e não em suplementação a alguma outra atividade. Quase toda a teoria econômica subsequente tem defendido, no sentido de que ela tem exigido, esse mesmo pressuposto. No entanto, uma teoria com essa base é claramente incompetente para enfrentar os problemas do desemprego e do ciclo econômico. Talvez eu possa exprimir melhor a meus leitores franceses o que apregoo sobre este livro dizendo que na teoria da produção ele é uma ruptura radical com as doutrinas de J. B. Say e que na teoria dos juros ele é um retorno às doutrinas de Montesquieu.”

*John Maynard Keynes (1883-1946). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, - Prefácio à Edição Francesa, p. 10-1. Nova Cultura, S. Paulo, 1985.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Partidos são porta para infiltração do crime na política

Por O Globo

Caso TH Joias expôs contaminação profunda das instituições. Legendas têm papel vital para combatê-la

Ao comparecer à CPI do Crime Organizado, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, relatou ter apelado aos presidentes de partidos para fazer uma “triagem” que evite, nas eleições do ano que vem, candidaturas ligadas a organizações criminosas. É sem dúvida uma iniciativa correta, mas é triste que o Brasil tenha chegado a ponto de isso ser necessário. O avanço alarmante da criminalidade já há algum tempo dá sinais de infiltração na economia formal e nas instituições da República. A porta de entrada na vida pública são os partidos, e é por meio deles que a contaminação avança pela política. Detê-la é urgente.

As palavras e as coisas. Por Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo

A paixão desmedida, desregrada mesmo, é a que hoje move tiranos, ou aspirantes a tirano, a destruir conquistas civilizatórias essenciais

Não é simples passatempo a atenção que dispensamos às tais “palavras do ano” escolhidas por tradicionais publicações e instituições lexicográficas. E não é por acaso, pois as palavras nos moldam como sujeitos, estruturam nossa percepção do mundo, das pessoas e das coisas. Vagando tantas vezes pelas redes, sentimos o efeito das rage baits, as “iscas” que provocam uma raiva impotente. Sofremos o impacto do slop, o lixo digital que escorre com o furor das tempestades. Suportamos a carga negativa de imaginárias parasocial interactions, em que o interlocutor não é um ser corpóreo, real, e sim uma celebridade que nos ignora por completo ou mesmo um agente virtual qualquer.

O lirismo cult de ‘O que será?’ e a esperança que renasce a cada ano-novo Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A canção descreve algo que move a vida e vem do corpo, do desejo, da folia e da angústia, presente em todos os lugares: do sagrado ao profano, do íntimo ao coletivo

Um dos momentos mais sublimes da cultura brasileira foi a gravação ao vivo de O que será? (À flor da pele) por Milton Nascimento e Chico Buarque, no programa Chico & Caetano, exibido em 14 de março de 1987. O encontro histórico cristalizou um instante raro da música brasileira: dois artistas em sintonia plena, interpretando a canção lançada no álbum Meus caros amigos. A abertura vocal profunda e comovente do artista, que Elis Regina resumiu na frase “Se Deus cantasse, seria com a voz do Milton”, e o olhar marejado de Chico ao iniciar o dueto compõem uma cena antológica, dessas que eternizam os artistas e suas obras.

O crescimento vem da distribuição. Por Luiz Inácio Lula da Silva

CartaCapital

Quando os mais pobres têm mais renda disponível, cria-se o círculo virtuoso

Sempre acreditei que muito dinheiro nas mãos de poucos significa concentração de riqueza, significa fome e miséria. E que um pouco de dinheiro nas mãos de muitos é desenvolvimento, é emprego e redução das desigualdades. O Brasil que vemos neste fim de 2025 mostra essa lógica: com três anos de políticas voltadas à redistribuição de renda e de oportunidades, não faltam indicadores para ilustrar que o caminho da justiça social está sendo trilhado a passos rápidos.

O rendimento mensal do trabalho, medido pelo IBGE desde 2012 na Pnad Contínua, teve seu pico histórico em outubro: 3.528 reais. O mesmo aconteceu com a massa salarial, que chegou a 357,3 bilhões de reais naquele mês. O Brasil bate recorde atrás de recorde na ­quantidade­ de trabalhadores formais e de pessoas ocupadas em geral. O desemprego chegou ao menor patamar já medido: 5,4%.

O tamanho da direita. Por Elio Gaspari

O Globo

Campo político tem preso ao seu pé a bola de ferro da família Bolsonaro, e precisará de jogo de cintura para argumentar em 2026 contra o fim da escala 6x1

Vem aí 2026 com sua eleição e um presságio trazido pelo Datafolha: 35% dos entrevistados identificaram-se com a direita e 22% com a esquerda. Nada de novo sob este céu de anil. Em agosto de 2006, uma pesquisa semelhante registrou que a direita tinha 47% contra 30% para a esquerda. Em 2010, Dilma elegeu-se.

Com a diluição de rótulos como esquerda e direita essas classificações perderam eficácia. A direita tem presa ao pé a bola de ferro da família Bolsonaro. Já a esquerda tem duas: a incapacidade de patrocinar uma agenda para a segurança pública e a má vontade com o agronegócio.

Há alguns anos criou-se a imagem de uma bancada do BBB, ou seja: do boi, da Bíblia e da bala. Quem menosprezava o potencial político dos três bês esquecia-se de que o B de boi era o agronegócio, o B de Bíblia referia-se ao livro mais vendido no país e o B de bala juntava políticos que seguem a máxima segundo a qual “bandido bom é bandido morto”.

Limites para erros. Por Merval Pereira

O Globo

Se os cidadãos perderem a confiança nos ministros do Supremo, a democracia estará em dificuldades. A credibilidade já ficara arranhada no caso da Operação Lava-Jato.

Nunca ficou tão claro quanto agora a necessidade de um Código de Conduta para o Supremo Tribunal Federal (STF). Uma coincidência benfazeja faz com que a presidência do Supremo esteja sendo exercida neste momento delicado pelo ministro Edson Fachin, que há anos defende tal código. Não é por acaso que Cortes Supremas de países como os Estados Unidos e a Alemanha fizeram o seu Código de Conduta em anos recentes, pois está ficando claro que os ministros, sem ter quem os controle, estão se perdendo em atitudes pessoais condenáveis. O contrato milionário da mulher do ministro Alexandre de Moraes com o Banco Master é um exemplo, mas são inúmeros os ministros de cortes superiores cujos filhos, mulheres e parentes driblam conflitos de interesse apoiados por uma mudança de legislação feita pelos próprios ministros.

Uma blitz para Silvinei. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Bolsonarista levou 24 anos de prisão por tentar impedir pobres de votar em 2022

Silvinei Vasques aproveitou a bruma natalina para dar no pé. Condenado a 24 anos e meio de prisão, o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal dispensou o peru e as rabanadas. Deu uma banana para a Justiça, quebrou a tornozeleira eletrônica e fugiu do país. Foi interceptado no Paraguai, onde tentava embarcar num avião para El Salvador.

Bolsonarista de carteirinha, o fujão foi sentenciado por outro episódio vergonhoso: a montagem de bloqueios policiais para impedir eleitores pobres de votar em 2022.

As investigações comprovaram a trama em detalhes. A poucos dias da votação, Silvinei reuniu subordinados e informou que era chegada a hora de a PRF “tomar lado” na corrida presidencial. Ele já havia dado o mau exemplo ao participar de motociatas e usar a farda para fazer campanha pelo capitão.

No ataque ao BC, o país corre risco. Por Míriam Leitão

O Globo

No caso Master não houve só desequilíbrio entre ativos e passivo. Houve crime, isso torna mais graves as pressões políticas e jurídicas

No Banco Master houve fraude. O Banco Central comunicou a Noticia do Fato ao Ministério Público, que a entregou à Polícia Federal para investigar, como tem que ser. Há outras comunicações de crimes, que devem levar a novas investigações. Fraude é diferente de um desequilíbrio entre ativo e passivo, ou de uma sucessão de operações arriscadas. A pressão política ou jurídica para tentar reverter a liquidação só terá sucesso se o país decidir rasgar todo o manual de fiscalização e supervisão bancária, e a Justiça passar a anistiar crime financeiro. O ministro Dias Toffoli quando marca a acareação da próxima terça-feira iguala o regulador e um regulado que está sob investigação. O ministro Jhonatan de Jesus, do TCU, ao afirmar que a liquidação foi precipitada e exigir explicação comete também um absurdo, e fora de sua competência.

A mente humana. Por Dorrit Harazim

O Globo

Neste Natal de 2025 há poucos indícios de que soubemos desembrulhar — com o devido zelo — o que nos foi dado de presente: a vida

A escritora e naturalista americana Diane Ackerman é craque — costuma abordar temas complicadíssimos sem medo de escorregar. Sua obra mais conhecida no Brasil, “O Zoológico de Varsóvia” (2019) , relata o cotidiano do diretor da instituição Jan Zabinski, e sua mulher Antonina, ambos poloneses e da resistência. Narrado em ordem cronológica e baseado nos diários dela, se inicia nos primórdios da invasão alemã de 1939. Com a invasão, veio a terra arrasada pelo ar, e, com os bombardeios, também o zoológico virou matadouro. O massacre dos bichos foi ordenado por um zoologista e colecionador alemão (que, antes, separou os espécimes mais raros para si). A execução foi obra das SS hitleristas. Foi tão brutal que Antonina anotou no diário mantido até o final: “Quantos humanos morrerão da mesma forma nos próximos meses?”. Não ficaram parados. Enquanto os nazistas despovoavam o gueto de Varsóvia enviando-o ao extermínio, o casal Zabinski repovoava o zoológico — desta vez, com judeus contrabandeados do gueto. Conseguiram escondê-los nas jaulas esvaziadas, protegeram-nos da deportação e salvaram mais de 300 da morte certa. É uma baita história narrada com notável conhecimento das espécies — humana e animal.

Renovação e investimento na pauta eleitoral. Por Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Seja quem for o eleito em 2026, uma boa administração deverá incluir atenção especial à renovação da indústria e, se possível, à modernização de todo o sistema produtivo

Professoras descreviam o Brasil, há 70 anos, como um país essencialmente agrícola, sem levar em conta, aparentemente, o enorme investimento em industrialização. A indústria cresceu, ganhou destaque entre as economias emergentes e sobreviveu a crises locais e globais, mas voltou a ser, no século 21, bem menos vigorosa que a agropecuária e os serviços. No país governado pela terceira vez pelo ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, o setor industrial volta a mostrar-se emperrado, com crescimento de 1,7% nos nove meses até setembro, enquanto a produção rural aumentou 11,6% e a dos serviços, 2,8%.

Sem o enorme vigor da agropecuária, a expansão econômica até o fim do terceiro trimestre teria sido bem inferior aos 2,4% registrados oficialmente. Sem esse componente, o avanço de 2,26% estimado para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano seria quase inimaginável. Além de registrar essa estimativa, a pesquisa Focus também aponta, para 2026, a projeção de 1,80%, um número aparentemente medíocre, ou abaixo disso, para um grande país emergente. Mas a mediocridade combina com algumas características importantes do Brasil.

Sobre democracia e moralidade. Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Abusos são justificáveis para quem os comete, e vê como condenável sua denúncia

EUA e Brasil, as duas maiores democracias presidencialistas, enfrentam crise de legitimidade decorrente de concentração e denúncias de abuso de poder – na presidência americana e na Suprema Corte brasileira.

A polarização serve de amortecedor contra as denúncias de malfeitos, ao deslocar o critério de legitimidade dos princípios éticos para o alinhamento político. Faltam freios e contrapesos robustos o suficiente para conter pessoas que priorizam o dinheiro em detrimento da própria reputação.

Jair Bolsonaro matou a candidatura Tarcísio à Presidência? Por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Governador tem boas razões para não querer ser presidente em 2027

Em pleno dia de Natal, Jair publicou uma carta comparando sua decisão de tentar arrumar para Flávio uma boquinha de presidente com a decisão de Deus de entregar seu filho ao martírio.

Talvez Jair tenha embarcado nessa fantasia de grandeza depois que Jim Caviezel, que interpretou Jesus em "A Paixão de Cristo", foi escolhido para interpretá-lo no filme "Dark Horse", uma espécie de "Cinderela Baiana" fascista dirigida pelo ex-ministro da Cultura Mário Frias.

Elite guerreia por causa do Master. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Moraes, do STF, perguntou a Galípolo, do BC, se havia roubança no banco de Vorcaro

Toffoli se torna central, mas se esquece da ruína do Master e seus amigos na direita

Alexandre de Moraes perguntou a Gabriel Galípolo se o Banco Central descobrira crimes no Master, de Daniel Vorcaro, ou nas transações desse banco com o BRB, o estatal de Brasília. A conversa quase inteira entre o ministro do Supremo e o presidente do BC tratou do enquadramento de Moraes na Lei Magnitsky e os riscos para o sistema financeiro do país.

Não foi possível saber se testemunhas teriam algo mais a dizer sobre o encontro ou de "pressões" de Moraes em favor do Master. O que seriam "pressões"? Informar-se sobre caso que não é de sua alçada? Interessar-se pelo destino do banco? Sugestão de troca de favores? Ameaça velada de intervir?

Ignorância cívica assola o país. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Esquerda e direita rendem homenagem ao ridículo ao afetar engajamento político em torno de sandálias

Há nos três Poderes causas relevantes a serem objetos de defesa e ataque aos interessados num debate consistente

Criticada por organizar reação a mensagens supostamente subliminares em propaganda de sandálias, a direita não foi a única a embarcar na briga dos chinelos. A esquerda também rendeu homenagens ao ridículo para afetar engajamento na internet.

Ficamos, assim, diante de mais um episódio da chamada polarização de sofá. Um ótimo apelido para gente que não sabe de nada, acredita saber de tudo, não tem ideia de como as coisas funcionam, pega tudo pela superfície e acredita que desse modo participa do debate político.

Arqueologia de um crime infame. Por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Percepção de absurdo passa com o tempo, não vai a juízo, mas deixa nos sentidos a pestilência da infâmia

Está em pauta no STF o julgamento dos mandantes do assassinato de Marielle Franco

Já está em pauta no STF o julgamento dos mandantes do assassinato de Marielle Franco. O ato jurídico visa um número reduzido de indivíduos, mas nele há algo de tão abjeto que o transforma em fato social obscuro, ainda à espera de maior esclarecimento. A barbaridade não se limitou à execução da vereadora por assassinos profissionais, estendeu-se a uma onda de ódio posterior à sua morte.

À época, eram incompreensíveis tanto os motivos do crime quanto a justificativa para que, num palanque público, espectadores e políticos se unissem na quebra de uma placa de rua com o nome da vítima: um ataque simbólico ao cadáver. Um deles elegeu-se deputado e o outro, governador do estado.

Poesia | A Página, de Joaquim Cardozo por João Diniz

 

Música | A cara do Brasil - Vicente Barreto

 

sábado, 27 de dezembro de 2025

Opinião do dia - Montesquieu* (Batalha das ideias)

Procurando instruir os homens é que poderemos praticar esta virtude geral que compreende amor de todos. O homem, este ser flexível, dobrando-se na sociedade aos pensamentos e impressões de outrem, é igualmente capaz de conhecer sua natureza própria, quando lha mostram, e de perder até o sentimento, quando lho roubam.

*Montesquieu (1689-1755). ‘O Espírito das leis’ (1748), Prefácio, p. 28. Editora Nova Cultura, 2005 (Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues)

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É precipitada a acareação com BC no caso Master

Por O Globo

Decisão de Toffoli antes do Ano Novo e à revelia da PGR reforça sensação de pressão para intimidar a autoridade monetária

Tem gerado incômodo e estranheza a pressão sobre os técnicos do Banco Central (BC) que determinaram a liquidação extrajudicial do Banco Master, do banqueiro Daniel Vorcaro. Depois de um pedido de esclarecimentos do Tribunal de Contas da União (TCU) — organismo do Legislativo sem poder de supervisão sobre a autoridade monetária —, o ministro Dias Toffoli, relator do caso Master no Supremo Tribunal Federal (STF), marcou para a próxima terça-feira uma acareação entre Vorcaro, o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) Paulo Henrique Costa e o diretor de Fiscalização do BC, Ailton de Aquino Santos (Aquino não é investigado).

À espera de 2026. Por Marco Aurélio Nogueira

O Estado de S. Paulo

No próximo ano, a maioria dos eleitores fará escolhas. Sem entusiasmo. Há um mal-estar que gera tédio e cansaço. Justifica o não-voto, alimenta a indiferença

2025 termina. Houve de tudo nele: tensões entre os Poderes, crime organizado, queda de energia em São Paulo, bloqueio e desbloqueio de Donald Trump, protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF), déficit fiscal, insegurança pública, condenação e prisão de oficiais militares, um ex-presidente na cadeia.

O que nos reservará 2026, um ano de eleições? Tudo indica que a batalha será campal. Inimigos dispostos a esmagar o que houver pela frente. Não por ideias ou projetos, mas por poder e posições. Batalha concentrada no Executivo, sem valorizar o Legislativo. No fim dela, quem serão os derrotados?

2026 demandará sorte e virtude. Por Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

O sistema político brasileiro dá claros sinais de que está em transição

Não estou confiante que a vida na nossa República contribuirá para aplacar nossas angústias cidadãs

Desejo às generosas leitoras e leitores dessa coluna, mas também a todas e todos que entrarão o ano com o pé direito, esquerdo ou com os dois pés, como sugere Fernanda Torres, um excelente ano, ainda que não esteja confiante que a vida na nossa República contribuirá para aplacar nossas angústias cidadãs.

O sistema político brasileiro dá claros sinais de que está em transição, sabe-se lá para onde. O presidencialismo de coalizão, sob a dominância do Executivo, eleito majoritariamente, que contribuiu para avanços incrementais ao longo das primeiras décadas da Nova República, hoje se organiza sob a dominância do parlamento, eleito proporcionalmente, gerando dúvidas sobre a capacidade de esse modelo promover os mesmos avanços.

O que querem os Bolsonaros? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Faz sentido lançar Flávio como candidato, se clã achar que a eleição já é de Lula

Se eles consideram que direita tem chance, o lógico seria buscar nome com menos rejeição

Em até quatro meses, o clã precisará definir como se posicionará para o pleito presidencial de outubro. Se os Bolsonaros acharem que a eleição já é de Lula, o mais lógico é seguirem mesmo com a candidatura de Flávio. Seria uma forma de manter em família a força eleitoral da marca Bolsonaro. Se o ex-presidente passar o bastão para Tarcísio de Freitas ou outro postulante da direita, ele abre mão da relevância política que ainda tem.

Os desafios de Lula em 2026. Por Idiana Tomazelli

Folha de S. Paulo

Governo precisa resistir à tentação de pisar no acelerador dos gastos federais

Farra em estados e municípios e situação ainda frágil de empresas estatais também trazem risco

O governo Lula (PT) chega às portas de 2026 em situação relativamente confortável, com economia crescendojuros ainda elevados, mas com perspectiva de queda, e avanço em medidas para recompor as finanças (como aumentos de tributos) e honrar promessas ao eleitorado (isenção de Imposto de Renda até R$ 5.000).

Quarteto fantástico. Por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Amizade e ambição uniram Cortázar, Vargas Llosa, García Márquez e Fuentes

A Revolução Cubana primeiro encantou os escritores e depois os separou

O lugar-comum publicitário inventou uma fórmula para atrair o leitor desacostumado aos livros de não ficção: garantir que estes podem ser lidos como um romance. Raramente isso é verdade. "As Cartas do Boom" tem essa mágica, com a vantagem de que o tema central é a arte de escrever romances.

Não quaisquer romances. O livro recém-lançado mostra a gestação e registra o impacto de quatro obras —"A Morte de Artêmio Cruz", "O Jogo da Amarelinha", "A Cidade e os Cachorros", "Cem Anos de Solidão"— que obtiveram êxito de público e alta estima crítica, sacudindo a roseira da literatura na segunda metade do século 20.

Guerra na fronteira Norte. Por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Donald Trump está esperando a melhor hora para atacar. Quando, onde e como é a incógnita. O Exército brasileiro tomou suas cautelas

O presidente Donald Trump não mobilizou um gigantesco aparato militar, com porta-aviões, dezenas de caças de última geração, submarino nuclear, helicópteros moderníssimos e pessoal especializado, para as costas da Venezuela apenas para tirar fotografia e aparecer nas primeiras páginas dos principais jornais do mundo. Militares norte-americanos já abordaram alguns navios que deixavam os portos daquele país e mataram mais de 100 pessoas que viajavam em lanchas rápidas, que, segundo os porta-vozes militares, transportavam drogas. O norte-americano está esperando a melhor hora para atacar. Quando, onde e como é a incógnita.

O Poder Judiciário e a mulher de César. Por Orlando Thomé Cordeiro

Correio Braziliense 

É inadiável a criação de um código de conduta para o STF. Porém, não me parece que devamos nos limitar a qualquer documento que venha a ser construído exclusivamente pelos magistrados

"Não poderia, nessa direção, deixar de fazer referência à proposta, ainda em gestação, de debatermos um conjunto de diretrizes éticas para a magistratura. Considerando o corpo expressivo que vem espontaneamente tomando o tema no debate público, dirijo-me à eminente ministra e aos eminentes ministros e, também, à sociedade brasileira para dizer que o diálogo será o compasso desse debate. O país precisa de paz — e o Judiciário tem o dever de semear paz."

O País avança, mas tropeça nas sandálias. Por Fabio Gallo

O Estado de S. Paulo

Quando deveríamos discutir educação e produtividade, o ‘pé para virar o ano’ vira questão nacional

Enquanto a Síria é eleita o país do ano, nós ficamos presos à polêmica das sandálias Havaianas. A revista britânica The Economist elegeu o país do Oriente Médio como o que mais evoluiu em 2025, o que mais avançou em termos políticos, sociais e econômicos. A publicação não elegeu o “país mais rico” ou o “mais poderoso”, mas aquele que mais evoluiu com mudanças profundas em várias dimensões da vida nacional.

O avesso da esperança. Por Flávia Oliveira

O Globo

Não é possível que duas crianças feitas órfãs durante a celebração do nascimento de Jesus não nos façam lutar por um país em que mães e filhos tenham direito à convivência, à vida, ao futuro

Na noite em que boa parte do chamado Ocidente celebrava, em comunhão, o nascimento de um menino, uma mãe morreu no Brasil. Tainara Souza Santos, vendedora autônoma, 31 anos, dois filhos, partiu na noite de Natal após 25 dias de internação decorrente da brutalidade que ameaça meninas, jovens e mulheres no país. Foi vítima de feminicídio perpetrado por um homem com quem teve breve relacionamento, mas que dela sentia-se dono, senhor da vida, autor da morte. O assassino, Douglas Alves da Silva, 26 anos, atropelou e arrastou Tainara por um quilômetro da Marginal Tietê, em São Paulo, no penúltimo dia de novembro. Ela teve as duas pernas amputadas, passou por cinco cirurgias e, no início desta semana, parou de responder às medicações.

A dança da solidão. Por Eduardo Affonso

O Globo

Estarmos sós nos obriga a ser inteiros, autônomos. A não ter medo do silêncio — ou de escutar a própria voz. E isso dá trabalho

‘Solidão é lava/que cobre tudo’, cantava Paulinho da Viola. “Triste é viver na solidão”, já tinha dito Tom Jobim. Num belo artigo publicado no GLOBO dois meses atrás, a cardiologista Ludhmila Hajjar fez diagnóstico parecido e prescreveu:

— A solidão é uma dor moderna que ameaça nossa saúde tanto quanto as doenças clássicas. Ela fragiliza o corpo e o espírito. O antídoto está na conexão, com a família, os amigos, a comunidade.

O brasileiro esse desconfiado. Por Thaís Oyama

O Globo

Um código de conduta para os juízes do STF poderia contribuir para elevar os subterrâneos níveis da confiança nacional

O brasileiro não confia em ninguém. Entre cem povos do mundo, o do Brasil só é menos desconfiado que o do Zimbábue. O alto grau de desconfiança nacional foi constatado em pesquisa do World Values Survey divulgada em 2023 e confirmado agora, no recém-lançado livro “O Brasil no espelho”, do cientista político e CEO da Quaest, Felipe Nunes. De acordo com o livro, com base em levantamento com 10 mil pessoas, 6% dos brasileiros concordam com a afirmação: “Podemos confiar na maioria das pessoas”. Os outros 94% ficam com a frase: “É preciso ser muito cuidadoso com as pessoas”.

Delírios imperiais. Por Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Trump repete, na sua farsa trágica, a desdita da Inglaterra

No prólogo de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, famoso texto de Karl Marx, ­Herbert Marcuse escreve: “A análise que Marx faz do processo de evolução da Revolução de 1848 para o domínio autoritário de Luís Bonaparte antecipa a dinâmica da sociedade burguesa avançada: a liquidação do seu período liberal que se consuma em razão da sua própria estrutura”. Marcuse destaca as alterações que emergiram nas sociedades burguesas promovidas pelas forças que se movem nos subterrâneos. “A liquidação do seu período liberal que se consuma em razão de sua própria estrutura.” Isso permite ao filósofo da Escola de Frankfurt modificar o conhecido parágrafo de abertura do 18 de Brumário. No século XX, diz Marcuse, o horror do nazifascismo exige “uma correção das sentenças introdutórias de O 18 de Brumário: os ‘fatos e personagens da história mundial’ que ocorrem, ‘por assim dizer, duas vezes’, na segunda vez não ocorrem mais como ‘farsa’. Ou melhor: a farsa é mais terrível do que a tragédia à qual ela segue”.

O único poder moderador. Por Eugênia Gonzaga

CartaCapital

Um país democrático submete-se à Constituição, não aos esbirros dos generais

E do senso comum a ideia de que um poder autoritário, em regra militar, pode trazer mais segurança para a população. Mas é muito equivocada. Em um poder autoritário, aqueles que detêm as “armas” terminam por entrar nos lares, matar e violar cidadãos, como o filme Ainda Estou Aqui mostrou tão didaticamente ao mundo.

Desde Aristóteles se defende que, entre todas as formas de governo, a República Democrática, que pode não ser perfeita, até porque não existiria regime perfeito, é aquela que de fato é mais eficaz para o enfrentamento de mazelas como a violência, a corrupção e a desigualdade social, às quais todo país pode estar sujeito. E, para ser uma República Democrática, é preciso que o país seja regido por leis (poder civil), não por armas (poder militar ou governos autoritários). Aliás, para evitar que os “coturnos” pisoteiem vidas, é preciso que as “armas’ estejam subordinadas ao poder civil, ou seja, a uma Constituição (ou leis, em sentido amplo).

À beira de uma grande guerra? Por Renato Janine Ribeiro

CartaCapital

O mundo volta a encarar a ameaça de um conflito global

O mundo parece estar enlouquecendo.

A melhor forma de colocar essa questão é comparar o tempo atual com o da Primeira Guerra Mundial. O que a deflagrou foi um pequeno estopim: um tiro disparado por um jovem doentio, matando o herdeiro do Império Austro-Húngaro em Sarajevo, na Bósnia então ocupada pelos austro-húngaros e disputada pelos sérvios. Isso levou a Áustria-Hungria a dirigir um ultimato à Sérvia, aliada da Rússia, que por sua vez tinha uma aliança com a França, aliada também da Inglaterra. Daí houve todo um conjunto de alianças que levou à guerra, com os alemães e os turcos otomanos dando apoio à Áustria-Hungria. Rapidamente, em pouco mais de um mês, a Europa estava conflagrada. Gente que tinha saído para as férias de verão subitamente se viu privada de voltar, detida em território inimigo. Amigos e parentes estavam uns em guerra contra os outros. (Quem quiser, veja o lindo filme Jules e Jim, de François Truffaut.)

Adeus século XX. Por Jamil Chade

CartaCapital

Os EUA implodem a ordem mundial que garantia a sua hegemonia

O ano de 2025 colocou fim ao século XX, ao menos na estrutura de poder, nas regras, alianças, acordos e tarifas desenhadas. Desde sua posse, em janeiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desmontou as instituições criadas após a Segunda Guerra Mundial e que garantiam a hegemonia norte-americana. Trump suspendeu os financiamentos às Nações Unidas e obrigou suas agências a demitir centenas de funcionários e a fechar programas de auxílio. A partir de decretos presidenciais ou rupturas abruptas, colocou um fim ao direito internacional como conhecíamos, relativizou o conceito de soberania, ameaçou invadir territórios estrangeiros, chantageou, deportou, impediu a entrada de refugiados, rasgou as regras internacionais do comércio, do direito humanitário e adotou o nacionalismo econômico e industrial como base de seu modelo de crescimento. Alianças de segurança que pareciam inabaláveis estão em ruínas. Parcerias de 80 anos foram suspensas e a maior máquina militar do mundo agora tem um Departamento da Guerra, não de Defesa.

E o robô vem aí para trabalhar. Por Ivan Alves Filho

O termo robô vem do idioma tcheco e significa trabalho ou, para ser mais preciso, trabalho forçado —robota. A ideia desse trabalho compulsório feito na realidade pelas máquinas foi desenvolvida em uma peça de teatro escrita há mais de um século, de autoria de Karel Capek. Curiosamente, a Tchecoslováquia então socialista seria o primeiro país a organizar um simpósio sobre a automação, em 1965. Nele ficou concertado que a base técnica da sociedade sem classes seria gestada pela automação. Afinal, ainda não se inventou mais-valia em cima de robôs, por exemplo. Com a automação, a exploração do trabalho humano torna-se obsoleta. A sociedade sem classes agradece. 

Poesia | O Relógio, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Elizeth Cardoso — Meiga Presença (Paulo Valdez)

 

sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Hannah Arendt*

“Hoje sabemos que Platão e Aristóteles foram a culminação, não o início, do pensamento filosófico grego, cujo vôo se iniciou quando a Grécia atingiu ou estava prestes a atingir o seu clímax. O que permanece verdadeiro, porém é que Platão e Aristóteles vieram a ser o início da tradição filosófica ocidental e que esse início, diferentemente do início do pensamento filosófico grego, ocorreu quando a vida política grega já se aproximava realmente do seu fim. Talvez não exista em toa a tradição do pensamento filosófico, e em particular do pensamento político, um fator de importância e influência tão avassaladora sobre tudo o que viria depois do que o fato de Platão e Aristóteles terem escrito no século IV a.C. o pleno impacto de uma sociedade política decadente.

Surgia assim o problema de como o homem, se tem de viver numa polis, pode viver fora da política. Esse problema, que por vezes apresenta uma estranha semelhança com a nossa própria época, muito rapidamente se converteu na questão de como é possível viver sem pertencer a nenhuma comunidade politicamente organizada, vale dizer, em condições de apolitismo ou o que diríamos em condições de não-cidadania. Ainda mais sério foi o abismo que imediatamente se abriu, e desde então nunca mais se fechou, entre pensamento e ação. Todo pensamento que não seja o mero cálculo dos meios necessários para se obter um fim pretendido ou desejado, mas se ocupe do significado no sentido mais geral, veio a desempenhar o papel de um ”pós-pensamento”, isto é, um pensamento posterior à ação que decidiu e determinou a realidade. A ação, por sua vez, foi relegada à esfera sem significado do aleatório e do fortuito. “

*Hannah Arendt (1906-1975). ‘A promessa da política’, pp.45-6, Difel, Rio de Janeiro, 2008

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Lula quer fazer diplomacia com dinheiro do BNDES

Por O Globo

Era incensada por ele foi período de escândalos de corrupção e calotes cobertos com recursos do contribuinte

Na visita que fez a Moçambique no final de novembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou “estar trabalhando” para que o BNDES volte a financiar a “internacionalização” de empresas brasileiras. Na prática, Lula deseja a volta dos anos em que empreiteiras brasileiras, estimuladas pelo governo, lançaram-se a executar projetos em Cuba, Moçambique ou Angola, com financiamento do BNDES. Várias dessas operações, realizadas em seus dois primeiros mandatos e na gestão Dilma Rousseff, resultaram em calotes, bancados pelo Tesouro — ou seja, pelo contribuinte.

A era incensada por Lula foi também um período de escândalos de corrupção envolvendo essas empreiteiras, desmascarados pela Operação Lava-Jato. Denúncias de pagamento de propinas no exterior, em torno de projetos financiados pelo Brasil, causaram crises políticas profundas nos países onde as empreiteiras brasileiras atuavam. No Peru, dois ex-presidentes — Alejandro Toledo e Ollanta Humala — foram condenados por receber propina da Odebrecht. Na gestão Toledo, o alvo da empreiteira era o projeto de construção de trechos da rodovia Interoceânica Sul. Com Humala, Odebrecht e OAS eram as fontes do financiamento ilegal de campanhas. Outro presidente peruano, Alan Garcia, foi investigado sob a acusação de receber propinas para favorecer a Odebrecht, mas se matou em 2019, quando sua prisão preventiva foi decretada.