Aurélio Wander Bastos
Professor de Direito e Doutor em Ciência Política
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Anistia é um mecanismo de recuperação de direitos essenciais à convivência entre políticos dissidentes de frações vitoriosas que assumem o poder violando atividades que ameacem o seu projeto. Na recente história brasileira não tivemos uma Lei de Anistia, mas um processo cujas negociações prosseguiram-se no período que antecedeu à convocatória da Constituinte (Emenda Constitucional n° 26, de 27 de novembro de 1985) e se concluiu com a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988. A essência destes documentos não guarda entre si divergências, mas na sua sucessão ampliam direitos no processo de abertura.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal José Paulo Sepúlveda Pertence, quando relator no Conselho Federal da OAB do Projeto da Lei de Anistia (em julho de 1979), reconheceu que a futura Lei n° 6.683, de 28 de agosto de 1979, que retroagia a 2 de setembro de 1961, estava em frontal incompatibilidade com o próprio conceito de Anistia, afirmando que na tradição legal brasileira a Anistia não é destinada a beneficiar algumas pessoas em detrimento de outras, mas a apagar o crime. Complete-se que a anistia exige prévia punição daqueles que praticaram crimes políticos tipificados, muito embora a Lei de Anistia tenha sido promulgada sem que explicitasse o seu fundamento constitucional.
A Lei de Anistia não alcançou alguns cidadãos que tinham sofrido punições por crimes políticos, principalmente após o ano de 1968/69, restringindo-se aos atos praticados por militantes até 1968. A Lei não se referiu aos representantes de organizações estudantis, embora se referisse a representantes sindicais. Por outro lado, beneficiava àqueles que praticaram crimes políticos conexos: crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou atos praticados por motivação política. Conceitualmente, todavia, sem que haja punição judicial, não há Anistia, porque não tem o que se perdoar. O "perdão mútuo" é um "pacto" entre partes dissidentes e não ato unilateral da autoridade, o que não aconteceu exatamente no Brasil, ao contrário do pacto de Moncloa.
Esta Lei mais se destinou àqueles que foram vítimas da ação governamental impeditiva ou restritiva de direitos políticos e não àqueles que não sofreram punição pelo Estado, mas excetuou dos benefícios os condenados por crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. Neste quadro, no período do estado de segurança nacional, os fenômenos mais candentes foram a radicalização de militantes estudantis de esquerda (entre 1968/1974) e dos "bolsões sinceros, mas radicais" (após 1979).
Tendo em vista as circunstâncias da Lei de Anistia, a primeira iniciativa constitucional sobre a matéria foi a Convocatória da Constituinte, com base na Constituição de 1967/69. Esta etapa do processo, em seus artigos, trata dominantemente da questão da Anistia, e não da Constituinte, mas reconhece os direitos, dos representantes estudantis e das lideranças de entidades privadas punidas, assim como, estende os benefícios da anistia até 1979. Esta convocatória não se referiu àqueles que foram condenados por crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal, assim como não tipificou novas formas de delito.
Finalmente, a Constituição de 1988, que criou o Estado Democrático de Direito, retroagiu os prazos de Anistia para 18 de setembro de 1946 e ampliou-os até 5 de outubro de 1988, incluindo as vítimas políticas dos atos de exceção. Neste sentido, a Constituição de 1988 não tipificou nem desconheceu o requisito da punibilidade, ficando em aberto o perdão dos "bolsões radicais", segundo o presidente Geisel, e dos movimentos de esquerda que restavam judicialmente infensos.
Professor de Direito e Doutor em Ciência Política
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Anistia é um mecanismo de recuperação de direitos essenciais à convivência entre políticos dissidentes de frações vitoriosas que assumem o poder violando atividades que ameacem o seu projeto. Na recente história brasileira não tivemos uma Lei de Anistia, mas um processo cujas negociações prosseguiram-se no período que antecedeu à convocatória da Constituinte (Emenda Constitucional n° 26, de 27 de novembro de 1985) e se concluiu com a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988. A essência destes documentos não guarda entre si divergências, mas na sua sucessão ampliam direitos no processo de abertura.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal José Paulo Sepúlveda Pertence, quando relator no Conselho Federal da OAB do Projeto da Lei de Anistia (em julho de 1979), reconheceu que a futura Lei n° 6.683, de 28 de agosto de 1979, que retroagia a 2 de setembro de 1961, estava em frontal incompatibilidade com o próprio conceito de Anistia, afirmando que na tradição legal brasileira a Anistia não é destinada a beneficiar algumas pessoas em detrimento de outras, mas a apagar o crime. Complete-se que a anistia exige prévia punição daqueles que praticaram crimes políticos tipificados, muito embora a Lei de Anistia tenha sido promulgada sem que explicitasse o seu fundamento constitucional.
A Lei de Anistia não alcançou alguns cidadãos que tinham sofrido punições por crimes políticos, principalmente após o ano de 1968/69, restringindo-se aos atos praticados por militantes até 1968. A Lei não se referiu aos representantes de organizações estudantis, embora se referisse a representantes sindicais. Por outro lado, beneficiava àqueles que praticaram crimes políticos conexos: crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou atos praticados por motivação política. Conceitualmente, todavia, sem que haja punição judicial, não há Anistia, porque não tem o que se perdoar. O "perdão mútuo" é um "pacto" entre partes dissidentes e não ato unilateral da autoridade, o que não aconteceu exatamente no Brasil, ao contrário do pacto de Moncloa.
Esta Lei mais se destinou àqueles que foram vítimas da ação governamental impeditiva ou restritiva de direitos políticos e não àqueles que não sofreram punição pelo Estado, mas excetuou dos benefícios os condenados por crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. Neste quadro, no período do estado de segurança nacional, os fenômenos mais candentes foram a radicalização de militantes estudantis de esquerda (entre 1968/1974) e dos "bolsões sinceros, mas radicais" (após 1979).
Tendo em vista as circunstâncias da Lei de Anistia, a primeira iniciativa constitucional sobre a matéria foi a Convocatória da Constituinte, com base na Constituição de 1967/69. Esta etapa do processo, em seus artigos, trata dominantemente da questão da Anistia, e não da Constituinte, mas reconhece os direitos, dos representantes estudantis e das lideranças de entidades privadas punidas, assim como, estende os benefícios da anistia até 1979. Esta convocatória não se referiu àqueles que foram condenados por crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal, assim como não tipificou novas formas de delito.
Finalmente, a Constituição de 1988, que criou o Estado Democrático de Direito, retroagiu os prazos de Anistia para 18 de setembro de 1946 e ampliou-os até 5 de outubro de 1988, incluindo as vítimas políticas dos atos de exceção. Neste sentido, a Constituição de 1988 não tipificou nem desconheceu o requisito da punibilidade, ficando em aberto o perdão dos "bolsões radicais", segundo o presidente Geisel, e dos movimentos de esquerda que restavam judicialmente infensos.
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