Editorial
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A seqüência de revelações dos últimos dias sobre as relações subterrâneas entre a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a Polícia Federal (PF) configura um quadro - decerto ainda incompleto - simplesmente abrumador. Nele, pesados jogos de poder se desenrolam não apenas ao arrepio da lei, mas à revelia de um governo que nunca cuidou de prevenir abusos de poder nesses organismos vitais para a segurança do Estado e a defesa do interesse público. Principalmente depois da escandalosa revelação do grampo de que foi vítima o titular do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, o que se vê é um presidente Lula tão surpreendido quanto qualquer cidadão comum a cada descalabro trazido ao conhecimento do público. Não sabia, talvez, porque preferisse não saber.
O mais grave deles, por enquanto, foi a armação ao que tudo indica arquitetada pelo delegado Paulo Lacerda, quando no comando da PF - antes, portanto, de assumir a chefia da Abin. Uma investigação sigilosa do próprio órgão, aberta no mês passado a pedido do Ministério Público, confirma que agentes e assessores policiais “inventaram” e “adulteraram” fatos para desmoralizar dois ministros do STF, o seu atual presidente, Gilmar Mendes, e o colega Sepúlveda Pertence, que deixou a Corte em agosto de 2007. No episódio mais conhecido, dias depois de Mendes conceder habeas-corpus a um dos investigados na Operação Navalha - que desarticulou um esquema de fraudes montado pela construtora Gautama -, a PF, em represália, disseminou o que sabia ser uma falsidade.
Fontes próximas do delegado Paulo Lacerda vazaram a informação de que o nome de Gilmar Mendes figurava numa lista de autoridades às quais a Gautama havia distribuído “mimos e brindes”. Agiram como se não soubessem que o brindado era um homônimo do juiz (um ex-secretário da Fazenda de Sergipe). Ainda pior foi a calúnia - que consta, como “indício”, de um relatório oficial da PF - visando a Sepúlveda Pertence: uma sentença por ele proferida em 6 de outubro de 2006, numa ação cautelar, teria sido negociada com os seus beneficiários. Na realidade, o que se desejava era solapar as chances de Pertence de suceder ao criminalista Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça (a que a PF responde).
Tendo acertado a sua saída do governo, Bastos chegou a aventar que seria substituído ou por Pertence, que havia manifestado a intenção de deixar o Supremo em breve, ou pelo então titular das Relações Institucionais, Tarso Genro, afinal escolhido. Transferido para a Abin, Paulo Lacerda manteve o padrão ético, envolvendo a agência no que o Planalto chama, eufemisticamente, “incidentes políticos”. Contando com o delegado Protógenes Queiroz - o “delegado da esperança”, cultuador dos “guerreiros da sombra” -, seu protegido na PF, ele se imiscuiu profundamente na Operação Satiagraha, como se investigações policiais fossem da alçada do serviço secreto para o qual tinha sido nomeado e que existe para prover o presidente da República de informações relevantes à gestão do Estado.
Na última quarta-feira, a bomba rebentou. Em depoimento à CPI dos Grampos, o diretor (afastado) do Departamento de Contra-Inteligência da Abin, Paulo Maurício Fortunato Filho, disse que 52 agentes do serviço foram cedidos para trabalhar na Operação Satiagraha - da própria PF trabalharam ao todo 23 funcionários. Os arapongas, apurou este jornal, participaram de grampos telefônicos e analisaram mensagens de correio eletrônico interceptadas com autorização judicial. Em suma, a Abin interferiu ativamente numa investigação que deveria correr sob segredo de Justiça. Exorbitâncias do gênero, por sinal, marcaram a trajetória do Serviço Nacional de Informações (SNI) que, sob o regime militar, se arrogou poderes de polícia judiciária.
Exposto o alcance do envolvimento espúrio da Abin na operação conduzida pelo “delegado da esperança”, como Protógenes Queiroz se imagina, o presidente Lula decidiu tornar definitivo o afastamento temporário de Lacerda e de três outros membros da cúpula da agência. A primeira decisão de Lula foi tomada depois que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, informou que a Abin havia comprado equipamentos antigrampo, mas capazes também de grampear ligações telefônicas. Resta saber se o desligamento de Lacerda abrirá caminho para o governo, enfim, controlar os seus órgãos de segurança.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A seqüência de revelações dos últimos dias sobre as relações subterrâneas entre a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a Polícia Federal (PF) configura um quadro - decerto ainda incompleto - simplesmente abrumador. Nele, pesados jogos de poder se desenrolam não apenas ao arrepio da lei, mas à revelia de um governo que nunca cuidou de prevenir abusos de poder nesses organismos vitais para a segurança do Estado e a defesa do interesse público. Principalmente depois da escandalosa revelação do grampo de que foi vítima o titular do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, o que se vê é um presidente Lula tão surpreendido quanto qualquer cidadão comum a cada descalabro trazido ao conhecimento do público. Não sabia, talvez, porque preferisse não saber.
O mais grave deles, por enquanto, foi a armação ao que tudo indica arquitetada pelo delegado Paulo Lacerda, quando no comando da PF - antes, portanto, de assumir a chefia da Abin. Uma investigação sigilosa do próprio órgão, aberta no mês passado a pedido do Ministério Público, confirma que agentes e assessores policiais “inventaram” e “adulteraram” fatos para desmoralizar dois ministros do STF, o seu atual presidente, Gilmar Mendes, e o colega Sepúlveda Pertence, que deixou a Corte em agosto de 2007. No episódio mais conhecido, dias depois de Mendes conceder habeas-corpus a um dos investigados na Operação Navalha - que desarticulou um esquema de fraudes montado pela construtora Gautama -, a PF, em represália, disseminou o que sabia ser uma falsidade.
Fontes próximas do delegado Paulo Lacerda vazaram a informação de que o nome de Gilmar Mendes figurava numa lista de autoridades às quais a Gautama havia distribuído “mimos e brindes”. Agiram como se não soubessem que o brindado era um homônimo do juiz (um ex-secretário da Fazenda de Sergipe). Ainda pior foi a calúnia - que consta, como “indício”, de um relatório oficial da PF - visando a Sepúlveda Pertence: uma sentença por ele proferida em 6 de outubro de 2006, numa ação cautelar, teria sido negociada com os seus beneficiários. Na realidade, o que se desejava era solapar as chances de Pertence de suceder ao criminalista Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça (a que a PF responde).
Tendo acertado a sua saída do governo, Bastos chegou a aventar que seria substituído ou por Pertence, que havia manifestado a intenção de deixar o Supremo em breve, ou pelo então titular das Relações Institucionais, Tarso Genro, afinal escolhido. Transferido para a Abin, Paulo Lacerda manteve o padrão ético, envolvendo a agência no que o Planalto chama, eufemisticamente, “incidentes políticos”. Contando com o delegado Protógenes Queiroz - o “delegado da esperança”, cultuador dos “guerreiros da sombra” -, seu protegido na PF, ele se imiscuiu profundamente na Operação Satiagraha, como se investigações policiais fossem da alçada do serviço secreto para o qual tinha sido nomeado e que existe para prover o presidente da República de informações relevantes à gestão do Estado.
Na última quarta-feira, a bomba rebentou. Em depoimento à CPI dos Grampos, o diretor (afastado) do Departamento de Contra-Inteligência da Abin, Paulo Maurício Fortunato Filho, disse que 52 agentes do serviço foram cedidos para trabalhar na Operação Satiagraha - da própria PF trabalharam ao todo 23 funcionários. Os arapongas, apurou este jornal, participaram de grampos telefônicos e analisaram mensagens de correio eletrônico interceptadas com autorização judicial. Em suma, a Abin interferiu ativamente numa investigação que deveria correr sob segredo de Justiça. Exorbitâncias do gênero, por sinal, marcaram a trajetória do Serviço Nacional de Informações (SNI) que, sob o regime militar, se arrogou poderes de polícia judiciária.
Exposto o alcance do envolvimento espúrio da Abin na operação conduzida pelo “delegado da esperança”, como Protógenes Queiroz se imagina, o presidente Lula decidiu tornar definitivo o afastamento temporário de Lacerda e de três outros membros da cúpula da agência. A primeira decisão de Lula foi tomada depois que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, informou que a Abin havia comprado equipamentos antigrampo, mas capazes também de grampear ligações telefônicas. Resta saber se o desligamento de Lacerda abrirá caminho para o governo, enfim, controlar os seus órgãos de segurança.
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