Lula passou o seu primeiro ano como ex-presidente da República prometendo reiteradamente que iria se manter distante das negociações políticas. E também a lamentar sua dificuldade para cumprir a promessa
Erich Decat
Quantos não ouviram — seja nos corredores do Congresso ou em eventos do Planalto — o ato falho de várias pessoas, incluindo autoridades, ao chamar a dona da cadeira da presidência da República, Dilma Rousseff, de "a Lula"?
A troca dos nomes, comum nos primeiros meses do ano, era certamente obra do costume, e talvez também fosse o prenúncio de que o ex-presidente permaneceria bem próximo daquela que ajudou a eleger para o mais alto posto da República. Antes mesmo da posse de Dilma, em 1º de janeiro, Lula disse — talvez num exercício de autoconvencimento — que precisava se "mancar" porque ao deixar o posto seria a vez de Dilma comandar o país. Menos de um mês após deixar a cadeira, Lula voltou a dar declarações nessa linha, ao dizer que precisava "desencarnar da Presidência" e "reencarnar como cidadão brasileiro".
Ele até que tentou, ao colocar na agenda de ex-presidente uma série de viagens que o levaram para longe do país. Foram pelo menos 30. Ocasiões em que faturou com palestras para empresas renomadas, recebeu diversos prêmios internacionais e foi recebido por autoridades, do presidente da França, Nicolas Sarkozy, ao ex-presidente da Polônia e prêmio Nobel da Paz, Lech Walesa. Também não faltaram encontros com velhos "companheiros" como o ex-presidente Fidel Castro e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
Entre uma viagem e outra, Lula foi reconduzido à presidência do PT durante comemoração do aniversário de 31 anos do partido, em Brasília. Apesar da turnê internacional, a proximidade de Lula com Dilma pôde ser notada dentro e fora do governo principalmente nos momentos em que a Esplanada foi abalroada com uma série de denúncias de corrupção que culminaram na queda de seis ministros, um recorde "nunca antes visto no país", para usar um dos bordões favoritos do ex-presidente.
A primeira "movimentação" de Lula pôde ser vista no episódio em que o ex-ministro da Casa Civil Antônio Palocci, considerado o "homem forte" do governo, pediu demissão sem conseguir explicar como o patrimônio se multiplicou 20 vezes entre 2006 e 2010.
"Os conselhos foram escolhidos pela presidente Dilma. Nunca o ex-presidente Lula procurou dar conselhos que não fossem solicitados pela presidente Dilma. Notadamente, no ápice de algumas crises em especial com o Palocci, algumas questões pontuais sobre ministros foram colocadas, porque envolviam pessoas do nosso convívio", ressalta o deputado petista André Vargas (PR), secretário nacional de Comunicação do partido. "Acho que não houve interferência administrativa de gestão, de estilo. Foi algo adequado. Se merecia notas inicialmente nos jornais depois passou a não merecer. Entrou na normalidade", acrescenta.
A avaliação de Vargas também é dividida com outros integrantes da base aliada. "Esquisito seria o Lula desaparecer do Brasil. Ele não teve uma atuação de constrangimento. Ele sabe o peso e o tamanho que tem. É um agente político", considerou o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). "Sei que a Dilma conversa com ele toda semana, no que faz muito bem. Eu no lugar dela faria a mesma coisa. É de imaginar que todos os assuntos entram em pauta. Acho que ele tem dado uma contribuição, às vezes até invisível, mas importante para esse êxito do governo Dilma, sem a menor dúvida disso", avalia o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).
Carona em inauguração
Além de atuar nos momentos de crise no Executivo, Lula também aproveitou para pegar carona em inauguração de obras. Nem a nova Embaixada da Argentina em Brasília escapou, em 2 de agosto. Em 29 de outubro, quando ficou pronta a ponte sobre o Rio Negro, ele foi a Manaus com Dilma. As viagens do ex-presidente foram suspensas apenas quando foi diagnosticado um tumor na laringe, poucos depois, no dia 29. Mesmo em tratamento, porém, ele não parou de articular. Conseguiu emplacar dentro do PT o nome do ministro da Educação, Fernando Haddad, na disputa pela prefeitura de São Paulo do próximo ano. Teve que tirar do páreo a senadora Marta Suplicy, líder nas pesquisas.
As idas e vindas para Brasília e as articulações políticas nos bastidores foram suspensas, mas não a de Lula influência. Exceto por alguns dias de descanso próximos a momentos cruciais do tratamento, o ex-presidente passou a receber políticos com frequência em seu apartamento, em São Bernardo, ou no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Os resultados da primeira fase do tratamento, por quimioterapia, surpreenderam os médicos positivamente. O tumor reduziu-se 75% em relação ao tamanho inicial. No início do próximo ano, será a vez da segunda fase, da radioterapia. A avaliação, por ora, é de que não será necessário submeter o ex-presidente a uma cirurgia, o que poderia deixá-lo com a voz comprometida.
Em meio a esse otimismo, Lula voltou a seu auto-plagiar no início deste mês, bem-humorado: "Estou desencarnando ainda". Para aqueles que acham que em 2012 será diferente, trecho da mensagem de Natal feita por ele dá o tom: "Vamos continuar juntos em 2012 com a presidenta Dilma, construindo um Brasil e um mundo cada vez melhor".
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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