Se 2011 entrou para a história carimbado com o nome de Dilma Rousseff, o ano seguinte, 2012, deverá repetir a dose com outra mulher, Eliana Calmon Alves. De qualquer forma, o cidadão brasileiro já garantiu sua quota na magnífica prenda de Natal oferecida pelo imbróglio entre a destemida corregedora nacional de justiça e as entidades que representam os magistrados.
A bateria de holofotes acesa pela juíza desde setembro quando assumiu o cargo é tão luminosa e promissora como a galáxia de esperanças acesa pelos fogos de artifício nos festejos do início de cada ano novo. Pela primeira vez em seus 511 anos de história e 189 de vida institucional, a nação brasileira tem a oportunidade de assistir à espetacular tomografia do edifício de privilégios e regalias no qual vivemos, construído com a argamassa da injustiça.
O confronto de Eliana Calmon com a AMB, a Ajufe e a Anamatra transcende às questões clássicas identificadas por antropólogos e sociólogos do "sabe com quem está falando?" e "quem manda aqui sou eu". Sua quixotesca investida é contra o corporativismo e o clientelismo que tanto desfiguram o conceito prevalecente do estado de direito.
A guerreira baiana não está apenas enfrentando o autoritarismo enrustido em instituições e entidades anquilosadas pelo tempo, está garantindo a produção e sobrevivência dos indispensáveis contra-poderes (caso do Conselho Nacional de Justiça) sem os quais nossa democracia será formal, retórica e claudicante.
Sua desassombrada cruzada dirige-se na realidade contra um sistema de abafamentos e silêncios herdados da colonização ibérica e o surpreendente apoio que vem recebendo de setores expressivos da nossa imprensa coloca-a em posições de vanguarda que há muito não freqüenta.
Este talvez seja o grande mérito da polêmica acionada pela Corregedora Nacional de Justiça. Ao retirar da penumbra dos tribunais e do hermetismo das sentenças questões fundamentais da vivência democrática é possível alterá-las sem necessariamente recorrer a intervenções drásticas.
Em outras palavras: a mera observação – ou exposição – de um fenômeno constitui uma forma de atuar sobre ele. A humanidade só avança quando percebe que há avanços a fazer. A consumação é consequente, mesmo quando não imediata.
Eliana Calmon tirou o trombone da estante, tocou-o e, magicamente, do ruído fez-se a luz. Mesmo solitária, sua indignação espalhou-se porque ao examinar posturas e procedimentos de alguns magistrados, movimentou os desconfortos engolidos e tormentos camuflados na alma de milhões de brasileiros que o dia inteiro resmungam e remoem queixas contra a impunidade.
As retrospectivas do ano não contemplaram a façanha da Ouvidora das nossa mágoas, Ombudsman do Judiciário. Ainda há tempo.
Alberto Dines é jornalista
FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)
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