Vida de candidatas durante ditadura é ofuscada por debate social
Janaína Figueiredo
BUENOS AIRES - O primeiro nome que surgiu com força para ser o candidato do presidente chileno , Sebastián Piñera, nas eleições presidenciais de amanhã, foi o de Laurence Golborne , ex-ministro de Minas e Energia e, posteriormente , de Obras Públicas. Mas Golborne enfrentou problemas judiciais e a candidatura acabou ficando para o ex-ministro da Economia, Pablo Longueiras, que terminou renunciando por sofrer de depressão .
Finalmente , a ex -presidente socialista Michelle Bachelet, grande favorita , teve como principal rival uma ex -amiga de infância, cujo pai — o general reformado da Força Aérea Fernando Matthei — é considerado por advogados especializados em casos da última ditadura (1973-1990) responsável pelo assassinato de seu pai, Alberto Bachelet, que também foi general da Força Aérea e amigo da família Matthei.
Apesar das circunstâncias inéditas, num país que foi cenário de uma das ditaduras mais violentas das décadas de 70 e 80, o passado de duas mulheres de longa trajetória política esteve longe de ser o eixo de uma campanha que centrou- se nas demandas sociais de uma população que, ao fim do primeiro governo de direita eleito após a re democratização , em 1990, parece não contentar-se apenas com estabilidade econômica.
Na visão de analistas locais ouvidos pelo GLOBO, a história de vida de Bachelet, que além de perder seu pai esteve presa, foi torturada e obrigada a rumar para o exílio , e Matthei, até hoje defensora dos “êxitos ” do governo Augusto Pinochet, não foi motivo de debate nem de grande interesse por parte dos cerca de 13 milhões de eleitores chilenos. Detalhe: deste total, cinco milhões poderão pela primeira vez participar de uma eleição presidencial. O voto é facultativo .
—Nenhuma das duas candidatas quis usar esse passado como elemento de campanha, para os chilenos este aspecto de ambas candidaturas não teve o menor peso — comentou Marco Moreno, reitor da Faculdade de Ciência Política e Administração Pública da Universidade Central do Chile. Para ele , o único momento em que as vidas de Bachelet e Matthei, de 62 e 60 anos, respectivamente , ocuparam espaço importante na agenda eleitoral foi durante as homenagens às vítimas do regime militar em 11 de setembro, 40 anos após o golpe dado por Pinochet contra o governo de Salvador Allende.
—Não houve confronto pelo passado em momento algum, mas nos 40 anos do golpe o passado esteve muito presente e Matthei não fez aautocrítica que muitos esperavam, o que a prejudicou —explicou Moreno . O analista lembrou que a candidata da direita votou a favor de Pinochet no plebiscito de 1988 e até hoje assegura que a ditadura teve aspectos positivos, embora tenha reconhecido as gravíssimas violações dos direitos humanos.
As famílias Bachelet e Matthei chegaram a conviver numa mesma base militar , na região de Valparaíso, onde ambas as candidatas, ainda meninas, foram amigas. No governo Allende e em meio às pressões cada vez maiores das Forças Armadas, o general Bachelet se manteve fiel ao presidente socialista e terminou sendo assassinado numa prisão militar transformada em centro de torturas após o golpe. O chefe da prisão era o general Matthei. A candidata e sua mãe, Angela Jeria, foram detidas e torturadas no centro clandestino Villa Grimaldi.
Libertadas, optaram pelo exílio. Já a candidata da direita permaneceu no país e foi pinochetista. Hoje , Matthei (c asada e mãe de três filhos), que foi militante juvenil, congressista e ministra, representa a conservadora direita chilena. Já Bachelet (divorciada e mãe de três filhos) lidera a chamada Nova Maioria, a relançada Concertação entre socialistas e social-democratas , que, nesta eleição , se aliou com o Partido Comunista.
O último pacto eleitoral dos comunistas chilenos , que nesta eleição podem passar de três para seis representantes no Congresso Nacional, foi com Allende, em 1970. —Com Bachelet, os comunistas poderiam retornar ao governo . A candidata socialista quer uma mudança de esquerda, moderada e dentro do sistema de economia livre e com propriedade privada — afirmou Roberto Méndez, diretor da empresa de consultoria Adimark.
REFORMA DA CONSTITUIÇÃO
Para ambos analistas, Bachelet e Matthei “representam dois mundos que convivem no Chile”. —A ex-presidente nunca fez papel de vítima, mas sempre defendeu os direitos humanos. Matthei nunca escondeu sua simpatia por Pinochet e o defendeu quando esteve sob prisão domiciliar em Londres (em 1998).
São duas posturas de vida radicalmente opostas — enfatizou Moreno. Nesta campanha, Bachelet prometeu uma reforma constitucional profunda (a atual Carta Magna é de 1980) e políticas sociais mais abrangentes, principal em saúde e educação . Matthei também priorizou demandas sociais , mas jamais mencionou a possibilidade de reformar a Constituição herdada de Pinochet.
Fonte: O Globo
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