- O Globo
Última palavra só cabe ao Supremo. A discussão sobre a legalidade da prisão do senador Delcídio Amaral peca pela base, pois cabe ao Supremo Tribunal Federal definir a constitucionalidade dos atos jurídicos e, portanto, como gosta de lembrar o decano Celso de Mello, é do STF a última palavra, o direito de errar por último.
Éclaro que, se o STF começar a dar interpretações politizadas sobre a constitucionalidade de certas leis, com o intuito de proteger os poderosos do momento, teríamos então uma séria ameaça à democracia. Neste caso, ao contrário, trata-se de evitar que o crime vença a Justiça, como salientou a ministra Cármen Lúcia.
A proteção constitucional a parlamentares no exercício do mandato visa resguardá-los, mas não pode servir para acobertar crimes, evidentes no caso de Delcídio pela gravação feita pelo filho de Nestor Cerveró.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal acolheu, por unanimidade, o voto do relator, ministro Teori Zavascki, na linha do requerimento do procurador-geral da República decretando a prisão, pois o senador estaria em situação de flagrância pela prática de crime de obstrução da Justiça, crime permanente e inafiançável, que só cessa quando o autor é impedido de continuar sua ação.
Todos os requisitos, portanto, foram obedecidos para a prisão de um parlamentar no exercício do mandato, inclusive a permissão do Senado, que se dobrou à vontade da sociedade que representa. O delito de organização criminosa também foi aventado e é crime permanente, permitindo a prisão em flagrante. Mas não é inafiançável, e portanto não pode ser a base da prisão de Delcídio, embora possa vir a ser um dos crimes de que ele será acusado.
A questão controvertida que será suscitada pela defesa, ressalta o criminalista Cosmo Ferreira, é se realmente se trata de organização criminosa, que exige, para se caracterizar, estabilidade e permanência — ou, se a hipótese é de concurso de pessoas, prevista no artigo 29, caput, do Código Penal, de natureza efêmera, o que afastaria a figura do crime permanente e, em consequência, o estado de flagrância.
O que é necessário definir agora é o que se deve fazer com o senador preso em flagrante. Como esse tipo de prisão não pode ter duração indefinida, será preciso, para mantê-lo preso, decretar sua prisão preventiva, o que torna inafiançável o crime de que é acusado. Mas aí entram seus defensores alegando que um parlamentar não pode ter sua prisão preventiva decretada.
O constitucionalista Gustavo Binenbojm acha que o Supremo Tribunal Federal terá que inovar em sua decisão para impedir que o senador seja posto em liberdade 24 horas depois de preso, o que daria à opinião pública a sensação de que a Justiça é impotente para punir figurões políticos.
Para Binenbojm, cumpridas as exigências constitucionais para a prisão do senador, ele deveria ser tratado como qualquer outro cidadão preso em flagrante. Havendo motivos para a decretação da prisão preventiva, não pode ser solto. Gustavo Binenbojm ressalta que o artigo da Constituição que protege os parlamentares no exercício do cargo é uma norma excepcional e deve ser interpretada de maneira restritiva, de modo a não inviabilizar a persecução penal. De outro modo, a prerrogativa parlamentar se converteria em privilégio odioso de impunidade.
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