sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O tom afinado do veredicto da 2ª Turma do STF – Editorial / O Globo

• Ministros alertam que julgamento da Lava-Jato precisa se ater às provas e às leis, não importando nomes, numa mensagem para juízes e Congresso

O senador Delcídio Amaral (PT-MS) e os demais participantes da trama para silenciar o ex-diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró no inquérito da Lava-Jato permitiram, de forma involuntária, que ministros do Supremo Tribunal estabelecessem um marco de referência na tramitação pela Justiça dos processos de acusados de participar do petrolão, o assalto à Petrobras organizado pelo lulopetismo, e a outras estatais.

O desfecho do mensalão, em que petistas também organizaram desfalques de dinheiro público, basicamente para “comprar” apoio no Congresso, avisou à sociedade que ter poder político deixava de garantir habeas corpus prévio, costume do Brasil monárquico preservado pela República.

Já a decisão unânime, quarta-feira, dos cinco ministros da 2ª Turma do STF — Teori Zavascki, Cármen Lúcia, Celso de Mello, Dias Toffoli e Gilmar Mendes —, de que o senador petista deveria continuar preso, avançou além do mensalão: a depender das provas e circunstâncias, homem público com mandato pode ser preso.

A sessão registrou pelo menos duas declarações irretocáveis. Uma, da ministra Cármen Lúcia: depois de lembrar do mensalão, de cujo julgamento participou, “quando descobrimos que o cinismo tinha vencido a esperança”, disse que agora é possível constatar que “o escárnio venceu o cinismo”, mas nem por isso o crime vencerá a Justiça. Outra declaração emblemática foi de Celso de Mello: no tom de que se valeu também no julgamento do mensalão, o decano do STF registrou que “marginais que se apossaram do aparelho de Estado” (...) praticaram uma “delinquência institucional”. Irretocável.

Além de permear a tramitação da Lava-Jato na Justiça, a postura dos ministros deve condicionar o posicionamento do Congresso no escândalo. O Senado parece ter entendido, ao referendar a prisão de Delcídio. Haverá outros casos à frente, como o do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Fica demonstrado nas gravações da tramoia que armavam Delcídio, o banqueiro André Esteves (BTG Pactual), o advogado Edson Ribeiro e Diogo Ferreira, chefe de gabinete do senador, que poderosos podem tentar invadir espaços exclusivos da Justiça com lobbies perversos. Contatos entre juízes e representantes das partes interessadas são normais, servem para esclarecer pontos obscuros. Outra coisa é tentar influenciar veredictos, independentemente das provas.

O que disse a 2ª Turma — que os processos precisam ser julgados à luz da lei, da Constituição, das provas, sem preocupação com nomes — é de grande obviedade, mas de máxima importância nas circunstâncias da Lava-Jato, uma investigação no centro do poder, com o envolvimento, em vários graus, de parlamentares, da presidente Dilma e do ex-presidente Lula. As maquinações expostas nas gravações feitas pelo filho de Nestor Cerveró, Bernardo, clamam por apoio total à Lava-Jato, e precisam inclusive ser levadas em conta no julgamento de recurso da Procuradoria-Geral da República à decisão de fatiamento da Operação. Nunca foi hora de enfraquecer o trabalho da força-tarefa que desbarata o esquema a partir de Curitiba. Muito menos agora.

Entenda-se a dimensão do que estava acontecendo: um dos maiores banqueiros do país, André Esteves, se associou a um senador líder do governo, Delcídio Amaral, para, com milhões de reais e a facilidade de acesso ao Judiciário e qualquer Poder, silenciar um ex-diretor da Petrobras prestes a selar acordo de colaboração premiada.

Este enredo não só justifica a decisão que tomou a 2ª Turma do Supremo, como alerta para o que pode estar acontecendo em torno de outros ilustres detidos pela Lava-Jato.

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