• Com medo de virarem fichas-sujas, eles se reúnem com Temer
André de Souza - O Globo
-BRASÍLIA- Preocupados com a situação financeira dos municípios — e com a possibilidade de serem punidos por isso —, prefeitos de todo o país se reuniram ontem com o presidente interino, Michel Temer, e quatro ministros. A estimativa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) é que 70% deles não consigam fechar as contas até o fim do ano, quando termina o mandato iniciado em janeiro de 2013. Isso pode levá-los a serem considerados fichas-sujas, atrapalhando planos eleitorais.
— Acho que o modelo está todo torto. E de vez por todas temos que acertar esse modelo. Não vale mais continuar repassando responsabilidades para os municípios e na mesma proporção não repassar os recursos — reclamou o vice-presidente da CNM, Glademir Aroldi, em entrevista após a reunião.
— Prefeitos e prefeitas deste país não aguentam mais a situação, 70% deles não vão fechar as contas. E tem um culpado por tudo isso: a União. Ao longo dos anos, colocou à disposição dos municípios mais de 400 programas, que nós estamos executando, e o governo atrasa o repasse e não corrige esses valores. Se algum prefeito deste país virar fichasuja por consequência de não fechar as contas, o culpado é o governo federal.
Aroldi disse ter saído frustrado da reunião. No encontro, Temer anunciou liberação de recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), conforme já tinha sido divulgado na semana passada pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Mas os prefeitos não ficaram satisfeitos. Segundo a CNM, o valor anunciado — R$ 2,7 bilhões — ainda está abaixo do que é de direito dos municípios, que seria de R$ 3,4 bilhões. Além disso, esse volume de recursos estaria longe de resolver os problemas das prefeituras. Temer, porém, viu a medida como positiva.
— Nós vamos resolvendo pontualmente as questões dos municípios, como estamos resolvendo hoje. Convenhamos, talvez a situação econômica do país não permitisse que viéssemos a liberar aquilo que hoje está sendo liberado, R$ 2,7 bilhões. Talvez a situação econômica não permitisse isso. Mas a nossa convicção, digamos, doutrinária, ideológica em relação às necessidades dos municípios é que nos leva a fazer essa liberação — discursou Temer durante o encontro.
A Constituição já determinava que 23,5% dos recursos arrecadados com impostos sobre a renda e sobre produtos industrializados devem ir para o FPM. Uma emenda constitucional de 2014 aumentou o repasse em um ponto percentual, estabelecendo uma transição em 2015, quando a elevação ficou em meio ponto percentual. A Constituição diz ainda que esses recursos devem ser transferidos nos dez primeiros dias de julho.
Segundo o vice-presidente da CNM, em julho do ano passado o governo repassou apenas os recursos do primeiro semestre. Agora, foram transferidos os valores do segundo semestre de 2015 e do primeiro de 2016. Em nota, o Tesouro Nacional informou que o cálculo foi feito “em estrita observância ao disposto na norma”. Mas, na avaliação de Aroldi, os recursos do ano inteiro, inclusive do segundo semestre, devem ser transferidos em julho, por isso a reclamação de que o governo retém parte do valor.
— Não dá para ficar dando golpe nos municípios, como foi dado no ano passado, quando tinha que pagar 0,5% de FPM por uma emenda constitucional, e pagou apenas 0,25%. E agora um novo golpe, quando tem que pagar 1%, e vai pagar 0,75% — disse Aroldi, afirmando ainda que os R$ 2,7 bilhões foram depositados já na semana passada, e que não houve avanços na reunião de ontem.
Os prefeitos também reclamam de atraso ou diminuição em outros repasses da União, pedem uma fatia maior dos recursos provenientes da repatriação de dinheiro mantido por brasileiros no exterior, e querem uma renegociação da dívida. Alegam, por exemplo, que muito se fala dos débitos dos municípios com a União, mas pouco se discute sobre os recursos retidos pelo governo federal e não repassados às prefeituras. Segundo eles, não houve uma sinalização de solução rápida do caso nem por Temer, nem pelos ministros Padilha, Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo), Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento), que também participaram da reunião.
O vice-presidente da CNM destacou a questão do aumento dos recursos destinados aos municípios oriundos da repatriação de recursos mantidos por brasileiros no exterior.
— O Congresso vota uma lei para repatriar os valores dos brasileiros que estão no exterior, e isso já começou a acontecer, dizendo que seriam 15% de Imposto de Renda e 15% de multa. O Congresso, quando votou isso, disse na sua redação que tanto Imposto de Renda como a multa seriam compartilhados com estados e municípios. Ora, a presidente (afastada Dilma Rousseff ) acaba vetando a questão da multa. Mas tem lógica isso? A multa faz parte do imposto. Se não existisse imposto, existiria somente a multa? — questionou Aroldi.
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