Há conhecidas divergências entre policiais federais e procuradores, sempre em torno de espaços de poder, mas estas rixas terminam ajudando o crime organizado
Embora seja fator essencial para o enfrentamento bem-sucedido do crime organizado e da corrupção em particular, o relacionamento entre a Polícia Federal e o Ministério Público tem sido uma história pontilhada por desentendimentos.
O conflito entre as duas corporações vem de longe. Delegados da PF não aceitavam, por exemplo, que o MP, robustecido pela Constituição de 1988, tivesse poderes de investigação, como acontece em muitos países, com sucesso. Até que, em 2015, o Supremo reconheceu esta prerrogativa dos procuradores, guardados limites.
Há, agora, a discussão sobre se a PF pode firmar acordos de delação premiada, o que contraria procuradores. Ora, trata-se de uma luta por espaços de poder da qual apenas se beneficiam os criminosos de colarinhos de todas as cores. A começar pelos brancos.
A bem-sucedida força-tarefa da Lava-jato, em que procuradores e policiais federais dão demonstrações da importância estratégica deste trabalho integrado, ela própria enfrenta crises periódicas. Há pouco, as duas partes buscaram entendimento sob mediação do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba, base da operação. Entre mágoas acumuladas, estaria o suposto segundo plano em que teria ficado a PF nos entendimentos para as delações premiadas de Marcelo Odebrecht e executivos da empreiteira.
A PF acaba de apresentar levantamento do “quadrilhão" do PMDB, e foi muito produtivo que a PGR utilizasse o material no embasamento da segunda denúncia ao Supremo contra o presidente Michel Temer.
As lideranças do MP, da PF e de outros organismos de Estado essenciais na defesa dos interesses da sociedade deveriam considerar o que disse a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, ao encerrar a sessão em que ficou garantido o poder da Procuradoria-Geral da República, ainda sob Rodrigo Janot, de investigar o presidente. Como era a última sessão da Corte com a presença de Janot no cargo, disse a ministra que não importam as pessoas, mas as instituições que atuam em defesa da Constituição. Deveria mesmo ser assim.
Há segmentos do Estado essenciais para a proteção do regime republicano e da democracia representativa, e que por isso mesmo precisam entender seu papel e atuar de maneira conjunta em benefício de toda a sociedade.
Além disso, não é inteligente manter uma disputa corporativista enquanto a Polícia Federal e o Ministério Público, além de outras instituições, são alvo de seguidas escaramuças por parte de quem deseja manter tudo como sempre foi na vida pública. No Executivo, no Congresso e mesmo no Judiciário.
Serve de alerta o fato de nos debates no Supremo sobre a tramitação da segunda denúncia da PGR contra Temer ter havido coincidência de algumas opiniões sobre o “encontro marcado” que o STF deve ter, em algum momento, com as regras sobre acordos de delação premiada, em vários de seus aspectos: espaço para o MP negociá-lo, sua aplicação, sigilos, entre outros.
O instrumento não é obra acabada, por certo. Mas a atual legislatura no Congresso já demonstrou quantas armadilhas se escondem em iniciativas que visam a “aperfeiçoar” instrumentos que se mostram eficazes no enfrentamento da corrupção.
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