Os tempos de crise colocam obstáculos à reflexão objetiva dos assuntos. Tudo parece ficar distorcido. Nesse ambiente, ganham especial importância as vozes que conseguem jogar luzes sobre os reais problemas nacionais. Sem um diagnóstico claro é difícil construir soluções efetivas. Nesse sentido, merece atenção a análise do Judiciário e de suas instituições que vem sendo feita pelo desembargador federal Fábio Prieto, ex-presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3.ª Região e, desde o mês passado, juiz efetivo do Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Em recente participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, Fábio Prieto abordou um tema que é considerado tabu na Justiça – as deficiências da reforma do Poder Judiciário. Entre outros efeitos daninhos, a reforma de 2004 gerou um sistema de Justiça com quatro conselhos – Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho da Justiça Federal (CJF), Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Essa estrutura é cara e, ainda por cima, disfuncional. “O teto salarial foi fixado, mas até hoje não foi respeitado”, lembrou o desembargador. Além disso, o próprio sistema de controle é pouco transparente. O relatório Justiça em Números, do CNJ, cujo objetivo é justamente apresentar à população a realidade do Judiciário, não divulga os gastos do CNJ e dos outros conselhos.
Fábio Prieto não ameniza o diagnóstico: a reforma de 2004 instalou um modelo corporativo-sindical no Poder Judiciário e no Ministério Público. A seu ver, uma prova dessa desordem são as regras de composição dos quatro conselhos. Seus membros não representam o povo brasileiro, e sim os juízes, os promotores, os advogados. E essa disfuncionalidade do modelo ainda dá margem para novos e mais graves desvios, como ficou patente na tentativa de uma associação de procuradores de impor ao presidente da República a obrigação de indicar o procurador-geral da República a partir de uma lista por ela elaborada. “Precisamos recompor a integridade e a autoridade do Poder Judiciário e do Ministério Público”, disse Fábio Prieto.
O alerta é importante. Há um equívoco, cada vez mais frequente, de confundir associação de juízes ou de procuradores com a própria instituição pública. O Ministério Público não é composto pela reunião das diversas associações de procuradores. Tal confusão, reduzindo as instituições a meras corporações, é uma grave perversão do Estado, que deixa de atender a população e ao interesse público para cuidar tão somente de alguns interesses privados.
Para preservar e resgatar as instituições, o desembargador lembra uma realidade fundamental: muito se avançará se cada agente do Estado cumprir seu respectivo dever constitucional. No caso dos juízes, seu trabalho é proferir sentenças. Mas até o momento parece que se percorre o caminho inverso, com muitos juízes fora de suas funções originais. O CNJ indica que, em 2016, havia 1.187 juízes afastados para outras funções. O mesmo problema afeta o Ministério Público.
Ao final do programa, o desembargador Prieto fez uma recomendação pouco ouvida nos dias de hoje. “Nós precisamos banir do nosso vocabulário a expressão ‘os políticos’, senão nós não teremos cidadania”. O hábito de igualar todos os políticos conduz à irresponsabilidade, tanto dos representantes como dos representados. Faz falta justamente o oposto – que cada um cuide muito bem do que lhe compete. No caso do cidadão, escolher bem quem terá o seu voto. No caso das autoridades, zelar pelo interesse público.
Se alguém tem dúvidas sobre o diagnóstico de Fábio Prieto, basta ler recente texto do desembargador Paulo Dimas, que assegura que os juízes paulistas não recebem penduricalhos, mas tão somente quatro categorias de rendimentos: a remuneração paradigma, as vantagens eventuais, as vantagens pessoais e “gratificações e indenizações”. O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, imerso em considerações corporativas, não parou para pensar no absurdo que é um juiz ter quatro “categorias de rendimentos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário