- Revista Época
O Brasil, que longe está de poder reabrir sem risco, começará a fazê-lo a partir da semana que vem. Teremos mais meses de tragédia pela frente, e, para completar o quadro, a economia não será poupada
O Brasil tem quase 400 mil casos de Covid-19. Já é o segundo no mundo depois dos Estados Unidos. As mortes continuam a subir, os recursos hospitalares já estão no limite, acima do limite, ou muito próximos do limite, a depender da localidade. O fator de contágio, o que os epidemiologistas chamam de R0, permanece acima de 1: provavelmente bem acima de 1, a julgar pelas conhecidas subnotificações e testagem para lá de insuficiente. Com o fator de contágio acima de 1, a epidemia recrudesce no instante em que o isolamento social começa a ser relaxado. Por esse motivo, os países europeus que estão reabrindo lentamente sua economia só o fazem porque o R0 está, hoje, abaixo de 1. Para mantê-lo nesse patamar sem vacinas, será preciso um enorme esforço dos governos, a readequação dos locais de trabalho, uma mudança de comportamento.
São Paulo anunciou a reabertura para o dia 1º de junho. Aqui em Washington, DC, onde moro, a reabertura gradual só será considerada — considerada, não feita — no dia 8 de junho.
Mas voltando ao Brasil. Tenho acompanhado, sob sugestão de amigos infectologistas aqui nos Estados Unidos, este site. Nele há projeções sobre o curso da epidemia no Brasil, bem como as estimativas de óbitos por Covid-19. Desde março, as projeções para o país têm se confirmado. Caso se confirmem para junho e julho, em meados de junho teremos 50 mil óbitos e em meados de julho o número chegará à catastrófica marca dos 100 mil, patamar em que estão os EUA. A diferença é que, nos EUA, as medidas de isolamento ainda estão em vigor em várias partes do país, mesmo que a curva epidemiológica tenha melhorado. O Brasil haverá de suspendê-las muito antes do ponto mais ou menos seguro (segurança absoluta sem vacina é algo que não existe).
A decisão de reabrir tomada pelo governador de São Paulo revela dois problemas espalhados pelo país. De um lado, há grande pressão sobre os governadores, tanto por parte do presidente da República quanto de alguns empresários. De outro, a verdade mais desastrosa dessa epidemia: se a população não adere às medidas de distanciamento, seja por qual motivo for, elas pouco adiantam para frear o estrago do vírus e derrubam a economia como se não houvesse medida alguma. Não temos ainda muitos dados ou indicadores sobre o impacto da epidemia na economia brasileira, mas o que há revela um quadro devastador.
Segundo dados recém-divulgados pelo Caged, em março e abril o país perdeu mais de 1 milhão de empregos formais. Esses empregos estão majoritariamente concentrados nos setores de serviços e comércio, que empregam muitas pessoas de baixa renda. Ou seja, os mais de 1 milhão de vagas formais destruídas certamente afetaram desproporcionalmente aqueles que recebem os menores salários, aumentando a desigualdade e a necessidade de uma rede de proteção social mais forte. Os dados deixam em evidência a necessidade de prorrogar o auxílio emergencial, o que, nesse momento, o governo reluta em fazer. Apenas para contextualizar, essa perda de vagas formais em dois meses é significativamente maior do que as perdas registradas nos dois anos de recessão histórica, 2015 e 2016. O estado que mais perdeu empregos? São Paulo, seguido do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.
Diante dessa calamidade e das dificuldades de levar a cabo o distanciamento social necessário, seja por interferências do governo federal, seja por motivos diversos que orientam o comportamento da população, seja porque há uma parcela muito expressiva da população brasileira que não pode ficar em casa, a decisão de reabrir será prematura. O debate sobre saúde versus economia? Esse continua a não existir. O que ocorrerá no país é que mais vidas serão perdidas. Teremos mais meses de tragédia pela frente. E, para completar o quadro, a economia não será poupada, ao contrário do que alguns empresários, parte do mercado financeiro e membros da equipe econômica acreditam. Rumamos para o pior dos cenários, a não ser que, por um passe de mágica — dado que, ministro da Saúde não temos — comecemos a testar em larguíssima escala e aprendamos a fazer o rastreamento de contatos da noite para o dia.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins
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