sexta-feira, 29 de maio de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• Inaceitáveis pressões sobre o Supremo – Editorial | O Globo

Bolsonaro e família atacam a Corte, aumentam o desrespeito à Carta e o desprezo à democracia

O presidente Bolsonaro tem exercitado com grande competência a capacidade de criar tensões políticas, característica marcante de seu comportamento, acompanhada de uma irascível posição anti-Ciência, que foi ficando mais exposta no agravamento da crise de saúde pública da Covid-19.

Agora, cresce em irresponsabilidade no enfrentamento inaceitável que passou a fazer ao Supremo, a mais alta Corte do país. Afrontá-la é um ataque à Constituição, à democracia.

O Planalto se insurge contra as buscas e apreensões ordenadas à Polícia Federal pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, no inquérito que preside sobre a produção de fake news e ataques nas redes sociais contra juízes da Corte, no qual foi incluído o ministro da Educação, Abraham Weintraub, pelas agressões de baixo nível que fez ao Supremo na reunião ministerial de 22 de abril. Alexandre de Moraes já tinha passado a ser alvo da ira do radicalismo bolsonarista ao atender a pedido do PDT e impedir a posse, na direção-geral da PF, de Alexandre Ramagem, próximo a Bolsonaro e filhos. Por “desvio de finalidade”, dada esta proximidade nada republicana.

Em reunião com ministros e assessores na noite de quarta, Bolsonaro decidiu que o ministro da Justiça, André Mendonça, e não a Advocacia-Geral da União, como de praxe, encaminharia pedido de habeas corpus em favor de Weintraub e de todos os atingidos pelos mandados de busca e apreensão. Outro acinte. O governo assumiu, assim, além da defesa de seu ministro, que atacou de forma baixa os ministros da Corte, também o lado de políticos, de militantes e de empresários acusados de usar as redes sociais para difamações e de financiar toda essa operação. Outro desvio de finalidade.

Na manhã de ontem, Bolsonaro pregou a desobediência a “ordens absurdas” — como os mandados de segurança. Não há registro de que um presidente já tenha feito o mesmo, insurgindo-se contra determinações judiciais. Reclamou ainda de decisões monocráticas. Que, de fato, se fossem tomadas pelo plenário da Corte, teriam mais sustentação. Mas não há justificativa para a abusada postura de Bolsonaro diante do STF, para o qual deu um basta, outra atitude repulsiva, autocrática. Tom semelhante teve ameaça feita pelo filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, de uma ruptura contra o Supremo.

Também inaceitável é a tese bolsonarista de que o direito constitucional à liberdade de expressão protege os autores de mentiras e ataques pelas redes sociais, alcançados agora pelo inquérito do STF. A defesa não resiste a qualquer julgamento em tribunal. Serve apenas para abastecer a militância radical e pouco ilustrada.

Na manhã de ontem, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, procurou suavizar o efeito de sua ameaça de “consequências imprevisíveis”, caso prosseguisse o pedido de confisco do celular de Bolsonaro, no inquérito da saída de Moro do governo. Que sinalize a moderação do presidente, para que haja mesmo harmonia entre os Poderes.

• A temerária flexibilização dos isolamentos ainda em fase crítica – Editorial | O Globo

Cidades e estados começam a retomar atividades sem que os números tenham baixado

É compreensível que prefeitos e governadores, responsáveis por restrições de circulação em suas cidades e estados, estejam ansiosos pela retomada das atividades diante dos estragos que a pandemia do novo coronavírus fez nos cofres públicos. Mas há lições a tirar dos países que conseguiram controlar a Covid-19 e agora protagonizam uma gradual volta à normalidade. E elas ensinam que esse processo deve ser feito com cautela, apoiado em dados técnicos que comprovem a desaceleração de casos e o desafogo das redes.

Hoje, o Brasil ainda está numa fase crítica da pandemia. É a nação com maior número de casos da doença, atrás dos Estados Unidos, e a que registra maior quantidade de novas infecções diárias, à medida que os EUA já entraram em processo de desaceleração. Até ontem, eram 438.238 infectados, 26.754 mortos e 1.156 óbitos em 24 horas. Do ponto de vista de estados e municípios, embora haja variações relevantes, de modo geral a situação é de emergência. Um estudo do grupo Covid-19 Analytics revelou que apesar de a taxa de contágio no país ter caído (de 2,52 para 1,9), ainda está longe do necessário para a estabilização (1). Nos estados, varia de 1,08 (CE) a 5,63 (GO).

Portanto, as flexibilizações de isolamento que começam a acontecer são temerárias, já que ocorrem numa fase de aceleração da epidemia. Em São Luís (MA), onde o comércio reabriu após a suspensão do lockdown no dia 17, uma multidão tomou as ruas. Na Baixada Fluminense, Duque de Caxias, que registra o segundo maior número de mortes no estado, comerciantes retomaram as atividades na segunda-feira. No Rio, que concentra cerca de 70% dos óbitos no estado, o prefeito Marcelo Crivella liberou a abertura de templos religiosos. Em São Paulo, que ontem registrou número recorde de novos casos, o governador João Doria permitiu a “retomada consciente”, a partir de 1º de junho, no Vale do Paraíba. A flexibilização é baseada num plano que divide o estado por regiões de acordo com número de casos, ocupação de leitos e taxas de isolamento. O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, também anunciou a retomada gradual do comércio, ainda sem data definida, com regras determinadas pela prefeitura. A capital paulista já soma 3.958 mortos.

Flexibilizações precoces, adotadas antes que o país controle a epidemia, poderão prolongar a fase crítica da doença. Sabe-se que, sem vacina ou remédio contra a Covid-19, a solução para frear a transmissão ainda é o isolamento social das pessoas que podem ficar em casa. Quanto antes a doença for contida, mais rápida será a retomada. Foi assim que países da Ásia, da Europa e os EUA conseguiram reduzir o número de mortes. Uma estratégia à brasileira contra a Covid-19 poderá nos conduzir a um abismo ainda maior.

• As certezas do ferrabrás – Editorial | O Estado de S. Paulo

Bolsonaro não tem dúvida nenhuma. Para ele, 'algo de muito grave está acontecendo com nossa democracia'. Sim, está - mas a democracia está reagindo

Foi aos gritos que o presidente Jair Bolsonaro informou a seus concidadãos que não tolerará mais “um dia igual a ontem” - em referência à quarta-feira passada, quando a Polícia Federal, por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, fez buscas em residências de militantes bolsonaristas suspeitos de integrar uma organização criminosa destinada a intimidar integrantes daquela Corte. Segundo ele, “ordens absurdas não se cumprem”. Diante de declarações tão peremptórias por parte do presidente - na prática, um ultimato -, é o caso de perguntar o que acontecerá se “um dia igual a ontem” se repetir.

Como é certo que teremos muitos outros dias como esse, das duas uma: ou o presidente não fará nada, posto que numa democracia nada há a fazer a não ser respeitar as ordens judiciais, ou partirá para a desobediência - prenúncio de um golpe que muitos bolsonaristas desejam ardentemente deflagrar. Para o deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, o segundo cenário é o mais provável. Referindo-se a “um momento de ruptura”, disse: “Não é mais uma questão de se, mas de quando isso vai acontecer”.

Ao que parece, contudo, a escalada retórica do chefe do Executivo, de sua família e dos camisas pardas bolsonaristas começa a encontrar resistência mais firme entre militares da ativa e da reserva, inclusive os que integram o governo. “Quem é que vai dar golpe? As Forças Armadas? Que é que é isso? Estamos no século 19?”, reagiu o vice-presidente Hamilton Mourão em entrevista ao site G1. Para o general da reserva, essa ruptura prenunciada por Eduardo Bolsonaro está “fora de cogitação”. Embora tenha dito que não falava pelas Forças Armadas, Mourão afirmou conhecer o ânimo militar e declarou: “Não vejo motivo algum para um golpe”.

Na mesma linha, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, que também é general da reserva, declarou que “ninguém está pensando em golpe” e que “intervenção militar não resolve nada” - um recuo e tanto para quem antevia “consequências imprevisíveis” caso o Supremo continue a tomar decisões contrárias ao presidente.

Em artigo para o Estado, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, disse que as Forças Armadas “não se deixarão tragar e atrair por disputas políticas nem por objetivos pessoais, de grupos ou partidários”. O general Luiz Eduardo Ramos também garante enfaticamente que as Forças Armadas não pensam em golpe, antes repelem a ideia.

Se é assim, cabe então aos militares desarmar os espíritos no Palácio do Planalto, a começar pelo próprio presidente, pois é ele que contribui decisivamente para ampliar o clima de ruptura - muito conveniente para seu projeto autoritário de poder. Nesse projeto - que tem no chavismo seu estado da arte -, as instituições e órgãos de Estado convertem-se em forças auxiliares do presidente, seja para perseguir inimigos, seja para dar completa liberdade de ação ao governo. Foi isso o que o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro denunciou quando pediu demissão.

Essa deliberada confusão só é possível com uma interpretação ardilosa dos valores democráticos. Para o bolsonarismo, por exemplo, a liberdade de expressão, quando invocada pelo presidente e seus devotos, é uma licença para cometer crimes diversos, como injúria e ameaça a ministros do STF.

Tudo isso, é claro, serve para que Bolsonaro se passe por vítima e, assim, dê substância ao discurso segundo o qual suas ações deletérias são uma necessária reação a supostas agressões de seus inimigos. Para Bolsonaro, por exemplo, o inquérito do STF resultou de “atitudes de certas pessoas individuais (sic)” - como se este ou aquele ministro do Supremo tivesse tomado decisões apenas para confrontá-lo.

Se tiver alguma dúvida sobre a lisura do inquérito do STF, no entanto, o presidente pode consultar o que já escreveu a esse respeito seu atual ministro da Justiça, André Mendonça. Embora hoje veja as investigações como um potencial risco à democracia, Mendonça, quando era advogado-geral da União, informou que o inquérito tinha total respaldo na Constituição - no que estava absolutamente correto.

A questão é que Bolsonaro não tem dúvida nenhuma. Só certezas - como a de que todos devem se curvar a suas vontades. Para Bolsonaro, “algo de muito grave está acontecendo com nossa democracia”. Sim, está - mas a democracia está reagindo.

• O emprego na UTI – Editorial | O Estado de S. Paulo

Mercado de trabalho fechou 4,9 milhões de vagas e acumulou recordes sinistros no trimestre móvel encerrado em abril

Contaminado pelo coronavírus, o mercado de trabalho fechou 4,9 milhões de vagas e acumulou recordes sinistros no trimestre móvel encerrado em abril. A população ocupada encolheu 5,2% e a massa de rendimentos diminuiu 3,3% em relação ao trimestre de novembro a janeiro. As duas variações foram as maiores da série iniciada em 2012. Com R$ 7,3 bilhões a menos na massa de rendimentos, o poder de consumo se reduziu, tornando mais fraca uma economia já em marcha lenta em janeiro e fevereiro, antes do primeiro impacto da pandemia. O desemprego de 12,8 milhões de trabalhadores no período de fevereiro a abril é um dos efeitos iniciais do surto de covid-19. Esse contingente corresponde a 12,6% da população economicamente ativa. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A realidade é mais feia que esse quadro, porque mais pessoas desistiram de buscar uma ocupação. Os desalentados, 5 milhões, também representam um recorde. Como deixaram de buscar emprego, deixaram igualmente de ser incluídos no total dos desempregados. Entre os dois trimestres aumentou também a população fora da força de trabalho. Com 5,2 milhões a mais do que no trimestre encerrado em janeiro, esse grupo chegou a 70,9 milhões, outro pico na série histórica.

Um detalhe curioso dessa pesquisa reflete a desigualdade. O rendimento médio mensal dos ocupados aumentou, enquanto a massa de rendimentos diminuiu. A explicação evidente é o efeito desigual da crise: os mais atingidos pelo desemprego foram os trabalhadores de menor remuneração, principalmente informais. Mesmo entre os de renda mais baixa a desigualdade ficou mais visível quando começou a distribuição do apoio oficial: muitos possíveis beneficiários tiveram dificuldade para receber o benefício, porque, sendo menos visíveis, eram excluídos pelas normas burocráticas. Isso também ocorreu em outras áreas da América Latina.

Como sempre, as más condições de emprego são mais visíveis na subutilização da força de trabalho do que nos dados do desemprego. Esse grupo incluiu, no período encerrado em abril, 28,7 milhões de pessoas. O total corresponde aos desempregados, subocupados por insuficiência de horas e componentes da força de trabalho potencial. Neste último grupo estão os desalentados e outros indivíduos capazes de trabalhar, mas fora da população economicamente ativa.

O impacto inicial da pandemia ficou bem visível, também, nos dados da ocupação formal, coletados no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. Somente em abril foram fechadas 860.503 vagas com carteira assinada. Esse número é a diferença entre admissões e demissões. Contados os postos eliminados em março, o total do bimestre chegou a 1.101.205 empregos. A maior perda líquida de vagas ocorreu no setor de serviços, com fechamento de 474.145 vagas nos dois meses. A devastação ocorreu principalmente, como se poderia prever, na área de alojamento e alimentação, com 211.722 demissões.

Na indústria de transformação foram eliminadas, no bimestre março-abril, 224.407 vagas. Mas o impacto da pandemia, nesse caso, foi sensível principalmente em abril, porque as condições de emprego na indústria já eram muito ruins nos meses anteriores. Desde novembro a atividade industrial vinha derrapando. O mau desempenho do setor, em 2019 e no começo de 2020, foi uma das mais claras comprovações do quase descaso do governo em relação ao baixo ritmo de atividade e ao desemprego elevado. No trimestre encerrado em março, antes do forte impacto da pandemia, os desocupados eram 12,2% da força de trabalho.

As manifestações de preocupação do presidente Jair Bolsonaro com o crescimento econômico e a criação de empregos são recentes. São claramente eleitorais e usadas no discurso contra possíveis competidores na eleição de 2022, como os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro. Se ele tivesse cuidado da economia desde o ano passado, os brasileiros estariam em condições bem melhores para enfrentar os primeiros choques da crise atual.

• Os futuros caminhos da Europa – Editorial | O Estado de S. Paulo

Projetos audaciosos que combinem inovação e solidariedade serão necessários

A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron, propuseram a criação de um fundo de recuperação de € 500 bilhões para a União Europeia (UE). A proposta é inovadora, já que os recursos seriam levantados por meio do endividamento da Comissão Europeia no mercado de capitais e seriam distribuídos na forma de subsídios e não de empréstimos. Os 27 países-membros precisarão concertar os critérios de distribuição e o mecanismo de reembolso à UE. Mas a proposta é já uma quebra dos paradigmas europeus e pode inspirar outros programas ao redor do mundo.

Projetos audaciosos que combinem inovação e solidariedade serão necessários. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) anunciou que 2020 marcará o primeiro declínio no curso do desenvolvimento humano global desde 1990. A crise impacta o tripé do desenvolvimento humano: renda (com a maior contração desde a Grande Depressão); saúde (com a morte de centenas de milhares de pessoas); e educação (cujos índices podem despencar aos níveis da década de 80).

“A pandemia se sobrepôs a tensões não solucionadas entre pessoas e a tecnologia, pessoas e o planeta e entre as que têm e as que não têm”, disse o relatório do Pnud. “Estas tensões já estavam criando uma nova geração de desigualdades.” Agora, projeta-se um declínio equivalente “a apagar todo o progresso no desenvolvimento humano dos últimos seis anos”. O Pnud sugere três princípios para responder à crise: olhar através das lentes da equidade; focar no aprimoramento das capacidades das pessoas; e seguir uma abordagem multidimensional. A proposta franco-germânica permite vislumbrar como esses princípios - ou ao menos suas bases econômicas - podem ser materializados na prática.

De pronto, é já um sinal substantivo de cooperação, uma vez que Alemanha e França, os principais motores do bloco, tinham divergências históricas sobre a emissão da dívida. A proposta permite de maneira inaudita que a Comissão Europeia contraia amplos empréstimos. Será o primeiro grande ato de integração fiscal do bloco desde que a moeda comum foi adotada, em 1990, e por isso tem sido chamado de “o momento hamiltoniano” europeu - uma referência a Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro norte-americano, que em 1790 criou a união fiscal americana convertendo a dívida dos Estados em dívida federal.

O chamado “quarteto frugal” - Áustria, Suécia, Holanda e Dinamarca - tem dado sinais de inquietação, especialmente quanto à possibilidade de o fundo, em princípio temporário, se tornar permanente. Mas as concessões da Alemanha em aderir ao endividamento em larga escala e, sobretudo, em permitir que os recursos sejam canalizados na forma de subsídios e não de empréstimos são já uma surpreendente mudança de princípios. Não à toa, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, subiu a aposta, propondo que o fundo atinja € 750 bilhões.

A prova de fogo está por vir. Em tese o fundo será baseado no “compromisso dos membros de seguir sólidas políticas econômicas e uma agenda ambiciosa”, que inclui estoques comuns de recursos médicos, a reafirmação do “Green Deal” europeu e a diversificação das cadeias de fornecimento - hoje dependentes da China. Mas tudo precisa ser negociado, desde os mecanismos de reembolso - Von der Leyen propõe novos impostos sobre a indústria de plástico, emissão de carbono e comércio digital - até os critérios de distribuição aos beneficiários e suas contrapartidas.

Em suas considerações, o Pnud enfatizou a necessidade de “ação coletiva” e aludiu à adesão voluntária ao distanciamento social por pessoas do mundo inteiro como um sinal promissor. “Se precisamos de prova da ideia de que a humanidade pode responder coletivamente a um desafio global compartilhado, estamos agora vivendo nela.” O programa pode ser a primeira grande prova para a Europa no plano geopolítico - se se concretizar. Mas desde já ele sinaliza uma vontade de orientar os interesses puramente pragmáticos pelo princípio da solidariedade.

• Reprovação em alta – Editorial | Folha de S. Paulo

No Datafolha, Bolsonaro mantém apoio, mas sem perspectiva de melhora de imagem

As opiniões sobre o governo de Jair Bolsonaro estão mais extremadas, mostra pesquisa Datafolha. Não se trata de notícia inesperada num país que enfrenta simultaneamente graves crises sanitária, econômica e política.

Não há indícios, por ora, de que a imagem nada presidencial de Bolsonaro possa melhorar. Mas muda em parte o perfil daqueles que o aprovam e desaprovam.

Para 43% do eleitorado, o mandatário faz um governo ruim ou péssimo. Em dezembro de 2019, ele era reprovado por 36% dos brasileiros, que então já conheciam havia um ano o modo de operar presidencial, mas nenhum sinal de epidemia.

A gestão é ótima ou boa para 33%, basicamente o mesmo percentual de dezembro (30%). Agora, menos a consideram, com mais moderação, regular —22%, ante 32% em fins de 2019. O Brasil se divide mais.

Bolsonaro mantém um terço do país a seu lado. Mas mudou o perfil social de seu apoio, que conta agora com mais eleitores pobres. As mulheres têm maior rejeição ao presidente, assim como os mais jovens e pessoas de até 44 anos.

Ele passou a ruim ou péssimo para 56% entre aqueles com ensino superior, ante 36% em dezembro. No grupo com escolaridade básica, há empate de 36% entre aprovação e reprovação, quando em dezembro a segunda superava a primeira em dez pontos percentuais.

Bolsonaro avançou entre os que recebem menos de dois salários mínimos, caindo nos demais estratos de rendimento. Ganhou adeptos no Nordeste e perdeu no Sul.

As semanas de panelaços em bairros nobres das maiores cidades brasileiras eram um sinal do desprestígio do chefe de Estado, que cresceu com a epidemia e a sabotagem dos esforços para combatê-la.

Ser favorável ou não ao distanciamento social, de resto, define em grande parte a posição do eleitor. Entre os favoráveis a um “lockdown”, o presidente é ruim ou péssimo para 57%; entre os que recusam a medida, para 22%.

O motivo da adesão a Bolsonaro de parte dos eleitores de baixa renda e poucos anos de escola parece mais obscuro. O auxílio emergencial na pandemia seria uma explicação, mas ter recebido, pedido ou ficado sem o benefício quase não muda a opinião sobre o presidente.

Brasileiros infectados ou que conhecem vítimas da Covid-19 reprovam mais o mandatário, e a epidemia seguirá por meses. Emprego e renda desabarão. O auxílio emergencial deve cair em dois meses.

Tudo mais constante, não se vê perspectiva de melhora do prestígio cadente de Bolsonaro —nem de menos polarização.

• Vexame brasileiro – Editorial | Folha de S. Paulo

Militares da Saúde dão endosso temerário a hidroxicloroquina após decisão da OMS

A decisão tomada pela Organização Mundial da Saúde de suspender os estudos com a hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19 torna ainda mais insustentável, quando não absurda e perigosa, a defesa que o governo Jair Bolsonaro tem feito da substância.

Se, no início da pandemia, a ausência de opções e a plausibilidade biológica podiam ser usadas como justificativas para o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, hoje, após inúmeros experimentos, o quadro se afigura completamente diverso.

Os dados oriundos de testes in vitro, de modelos animais e, sobretudo, de estudos observacionais vêm mostrando que as duas substâncias, quando administradas em pacientes infectados com o vírus Sars-CoV-2, não cumprem os dois critérios basilares de avaliação: eficácia e segurança.

O mais abrangente desses estudos foi publicado na semana passada pela revista científica Lancet.

Utilizando informações de 96 mil pessoas internadas com Covid-19 em 671 hospitais de seis continentes, concluiu-se que os enfermos que receberam os medicamentos apresentaram maior risco de arritmia ventricular e de morte do que aqueles que não os utilizaram.

Mais: não foram observados quaisquer benefícios naqueles que fizeram uso das drogas. Dos pacientes hospitalizados, 14.888 integraram os quatro grupos que receberam tratamento. Estes apresentaram maior taxa de mortalidade (de 16,4% a 23,8%) que os demais, do chamado grupo controle, que não tomaram a substância (9,3%).

Tais resultados, similares a de outros estudos já realizados, fizeram com que a OMS decidisse reavaliar a segurança da hidroxicloroquina antes de retomar os testes.

Nos últimos dois meses, a organização vem coordenando em 18 países o estudo Solidarity, para avaliar a ação de diferentes drogas no combate à Covid-19. Além de hidroxicloroquina, estão sendo testados remdesivir, lopinavir com ritonavir e esses dois medicamentos associados com interferon beta-1a.

Mas nem a massa de evidências nem as recomendações da agência de saúde da ONU foram suficientes para demover o governo de sua marcha insana. O Ministério da Saúde afirmou que manterá as orientações que ampliaram, na semana passada, o uso dos medicamentos para pacientes com sintomas leves —até então recomendava-se apenas em casos graves e com monitoramento em hospital.

Os militares que hoje ocupam a pasta prestam-se, assim, a um papel ao mesmo tempo ridículo e temerário ao endossar o tratamento.

• Auxílio emergencial terá de continuar por mais tempo – Editorial | Valor Econômico

Houve redução de gastos de pelo menos R$ 180 bilhões de abril de 2019 a abril de 2020 - quase igual ao déficit primário total em 12 meses

Diante da maior recessão da história republicana, a rede inédita de proteção social lançada durante a pandemia não poderá ser retirada abruptamente. A recuperação será lenta e sujeita aos caprichos de novas ondas de contágio que possivelmente virão. Dentre as projeções, apenas a do ministro da Economia, Paulo Guedes, é a de que ela será rápida (em forma de V). O Brasil, que já tinha a maior dívida pública entre os emergentes como proporção do PIB (76%), terá de vê-la atingir 100% para que o Estado cumpra seu dever de socorrer os cidadãos durante uma pandemia que os impediu de trabalhar, assim como amenizar seus efeitos sobre a queda abissal das receitas das empresas.

É provável que o golpe principal nas receitas do governo federal tenha ocorrido em abril, ainda que os resultados de maio devam ter sido muito ruins. Elas caíram 31,9% (descontada a inflação) em abril, levando o déficit primário nos quatro primeiros meses do ano para R$ 95,6 bilhões e o rombo em doze meses para R$ 189,5 bilhões, ou 2,58% do PIB. As despesas, como esperado, fizeram o caminho inverso e subiram 44%. Nada desprezível foi a conta previdenciária, incluindo os regimes privado e público, que produziram um déficit de R$ 336,7 bilhões, ou 4,6% do PIB, para o qual contribuiu a antecipação do 13º salário dos aposentados, injeção antecipada de recursos destinada a sustentar alguma demanda na pandemia.

O adiamento de pagamento de tributos fez a arrecadação de PIS-Cofins recuar pouco mais de 50% e a isenção no crédito derrubou a receita com IOF em 36,3% - tudo isso só em abril. Os gastos diretos com o auxílio emergencial foram de R$ 35,78 bilhões, enquanto o reforço à Saúde consumiu R$ 4,7 bilhões no mês. O financiamento para o pagamento de salários atingiu R$ 17 bilhões.

A estimativa inicial do governo é de um déficit anual de R$ 540,5 bilhões, mas ele deverá ser maior, algo em torno dos R$ 650 bilhões (Valor, ontem), pois pressupõe o que parece economicamente, e politicamente, inevitável. O governo terá de parcelar os impostos não pagos das empresas, que o teriam de quitar em agosto e outubro, quando ainda estarão se debatendo com uma demanda muito contida.

A ideia de um Refis empresarial é levantada por Paulo Guedes que, porém, negaceia quando o assunto é suprir recursos aos trabalhadores informais (38 milhões de pessoas). Guedes propôs auxílio inicial de R$ 200, a Câmara elevou-o a R$ 500 e o presidente Jair Bolsonaro concordou com R$ 600. Guedes voltou com os R$ 200 agora, talvez por três meses, e disse que não era boa ideia ficar prorrogando o auxílio, pois senão as pessoas “não irão mais trabalhar”, como se R$ 600 fosse um maná que permitisse a todos viver despreocupadamente.

É possível que a pandemia continue a fazer mais estragos, por mais tempo, no país devido exatamente ao comportamento aberrante de Bolsonaro e seu estado de negação do vírus. Obviamente, quanto antes a economia retomar seu ritmo, com segurança para a saúde de todos, melhor. Mas o escarcéu provocado pelo presidente, que demitiu dois ministros da Saúde, retirou a União de seu papel central de coordenador de esforços e unificador de procedimentos, além de, com seu exemplo pessoal, estimular as pessoas a saírem às ruas durante a quarentena. É bem possível que a retomada não seja nem linear nem livre de retrocessos também por isso.

O importante é que o auxílio dure enquanto durar a emergência. Há diversos pontos de vista sobre o que vem depois - se um programa de renda básica universal ou um Bolsa família, um programa focado que deu resultados, ampliado e com pagamento maior. Não é hora, porém, de criar a renda universal na saída da pandemia. Os recursos necessários para isso são imensos e só seriam supridos por meio de uma mudança tributária de fundo. Mesmo uma reforma parcial, como a que se discutia antes da covid-19 no Congresso estava empacada, e o governo não mostrou a sua. Guedes ressuscitou a versão digital da péssima CPMF.

Reassegurar o controle de gastos é tarefa para quando a economia se reaquecer. A dívida será bem maior para todos os países e, relativamente, o país continuará no desconfortável lugar em que já se encontrava. Poderia ser pior. Os juros da dívida pública, sob qualquer medida, são os menores desde sempre. Levando em conta os vários títulos dos papéis em poder do público e a queda das taxas, houve redução de gastos de pelo menos R$ 180 bilhões de abril de 2019 a abril de 2020 - quase igual ao déficit primário total em 12 meses. Essa folga é preciosa.

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