quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O futuro do PT

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. As diversas pesquisas de opinião que vêm sendo divulgadas nos últimos dias mostram o presidente Lula como um fenômeno de popularidade em meio a uma crise econômica mundial, aparentemente imune a suas conseqüências, diferentemente do país que governa, que vem sendo atingido de diversas maneiras, embora ainda de forma incipiente. Talvez esteja aí a explicação para esse descolamento da popularidade presidencial da realidade, que já não é mais tão rósea quanto foi, mas ainda não é tão ruim quanto tudo indica será nos próximos meses, sem que se saiba exatamente como e por quanto tempo.

O presidente Lula tem tomado conta, com dedicação de mascate, da face psicológica da crise, primeiro negando simplesmente sua existência nas nossas fronteiras - "Crise, que crise? Pergunta ao Bush" -, depois ressaltando sempre o fato de ela ter origem nos países desenvolvidos, e garantindo ao distinto público que os "emergentes" como o Brasil tratarão de salvar a humanidade ameaçada pelos neoliberais internacionais. Como se a política econômica de seu governo tivesse mudanças substanciais em relação ao que chama de "política neoliberal".

E, por fim, garantindo em inúmeros comícios que a culpa da situação cada vez mais difícil é dos outros, dos banqueiros internacionais gananciosos, do Bush, do Fernando Henrique, e que, graças a sua presença providencial à frente do país, estamos mais preparados do que qualquer outro para enfrentarmos a situação.

Por enquanto, tem dado certo, indicam as pesquisas de opinião. Segundo o diretor do instituto Sensus, Ricardo Guedes, o discurso de Lula afirmando que o Brasil vai sair bem da crise, mais as medidas tomadas, ajudaram na avaliação do governo. "A população está dando voto de confiança ao presidente Lula", analisou.

Ainda formam a maioria os que consideram que o país sairá mais forte da crise, seguindo as palavras do líder. Mesmo que já exista uma consciência de que o país não crescerá muito no próximo ano, nada menos que 65,4% dos entrevistados afirmaram que, de uma maneira geral, esperam um 2009 melhor do que este ano.

Não há nada que indique essa possibilidade, e nem mesmo Lula, nos seus surtos de super-homem, ainda ousou garantir isso a seu eleitorado.

Mas certamente essa fé cega é decorrência, em grande parte, além do otimismo nato do brasileiro, da animação constante que o presidente Lula vem fazendo pelos palanques do país.

Apesar do sucesso virtual, o presidente não tem conseguido, no entanto, convencer os agentes da economia real de que devem deixar de lado os temores para continuar investindo.

Diversos setores começaram a parar em novembro, com a perspectiva de meses piores à frente, o que já está criando um círculo vicioso de desemprego crescente e redução de investimentos.

Um índice criado pela Fundação Getulio Vargas para prospectar a atividade da indústria paulista está indicando uma queda da atividade no mesmo nível da que foi gerada pelo apagão de 2001, com efeitos dramáticos no crescimento do PIB do país.

Essa mesma paralisação já está se refletindo na arrecadação tributária, que caiu pela primeira vez após meses de recordes sucessivos que lastrearam uma política de gastos públicos que agora corre o risco de não se sustentar.

Ao mesmo tempo em que convergem para a mesma constatação, isto é, que a popularidade do presidente está resistindo à crise econômica internacional, uma das pesquisas, a da CNT/Sensus, tem um dado que mostra uma "significativa depreciação" dos "índices do cidadão", que medem a percepção dos entrevistados em relação a temas sensíveis para o seu dia-a-dia, como emprego, renda, saúde, educação e segurança pública.

O índice geral, que vai de uma escala de zero a cem, caiu de 54,3 pontos em setembro para 49,29 pontos em dezembro, o que seria "um alerta", segundo o instituto. Assim como há um consenso no mundo da política de que é a economia que determina o grau de satisfação do cidadão com o governante, tendo implicação direta na avaliação de sua popularidade, há exemplos de presidentes populares que viram do dia para a noite sua avaliação desabar devido aos problemas econômicos que seus governos enfrentaram.

A lista é grande, mais recentemente tem em Sarney um exemplo clássico do presidente endeusado por seus cidadãos - os "fiscais do Sarney" do Plano Cruzado - que acabou sendo alvo de ataques ferozes com a crise econômica no fim do governo.

No plano internacional, o ex-presidente Bush teve seu momento de glória na Guerra do Golfo e perdeu a eleição para Bill Clinton devido aos problemas econômicos no fim do governo. O presidente Lula tem, na avaliação do próprio Sarney, uma dimensão maior, comparável à de Getulio Vargas na política brasileira, e sua influência continuará sendo efetiva nos anos a seguir.

Ele já se mostrou capaz de enfrentar problemas políticos graves, como a crise do mensalão, com dissimulação e negociações políticas, mas nunca esteve diante de uma crise econômica tão grave quanto a que enfrenta neste momento.

Em 2003, quando assumiu o governo com uma crise de confiança que abalou a economia, mostrou firmeza na reafirmação das políticas existentes. Mas sabia que tinha tempo para recuperar seu prestígio político num mandato que, na realidade, é de oito anos, com um teste eleitoral no meio para confirmar a continuidade do dirigente.

Com a aprovação nas nuvens, crescendo a cada pesquisa, já é clara a movimentação entre petistas para encontrar novas brechas legais para tentar trazer à discussão pública a questão do terceiro mandato consecutivo.

Ainda mais porque fica a cada dia também mais claro que o único cimento capaz de unir o PT à base aliada do governo é Lula. Sem ele, e com a crise econômica se tornando realidade, é cada um por si, e todos contra o PT.

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