quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Unesco é lugar para criar o novo modelo


Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A diplomacia brasileira está negligenciando uma disputa a que o país tem direito e boas chances de êxito por razões que, pelo menos as explícitas, não são de todo convincentes. Trata-se da candidatura do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) a diretor-geral da Unesco, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. Desta vez, o continente latino-americano tem direito a pleitear o cargo. O ex-presidente português, Mário Soares, iniciou a campanha de Cristovam. Falou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o assunto e disse que o Brasil deveria apresentar uma candidatura. Informou que o candidato dele e de um bom número de países é o senador, com quem convive em iniciativas internacionais na área da Educação.

Lula já perguntou a Cristovam se a história é para valer e, diante da resposta afirmativa, pareceu vislumbrar aí uma boa idéia. Há um processo eleitoral completo a se cumprir para a escolha do diretor geral da Unesco, e os prazos estão correndo. Cristovam disse ao presidente Lula que se ele e o ministro Celso Amorim quiserem apresentar seu nome, tem não só interesse, como acha que é um cargo que vale a pena o Brasil tentar obter neste momento. Segundo o senador, a Unesco é o único lugar, hoje, onde se pode pensar a civilização, o modelo inteiro de sociedade.

"As outras entidades, ou elas pensam a política, como as Nações Unidas, por exemplo, ou pensam a economia, como a OIT, a Unctad, ou são muito específicas, como a organização do Meio Ambiente", diz . Na opinião do senador, o lugar onde se pode refletir um modelo novo e, além disso, colocar a Educação no centro deste modelo, é a Unesco.

Depois da conversa inicial com Lula, Cristovam viu se ampliar o movimento, no exterior, a favor de seu nome. Também no Brasil começaram a crescer as adesões. Artistas, no Rio e em São Paulo, o receberam para apoiar a candidatura. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) está analisando formas de encaminhar um apelo às autoridades. Os reitores já apoiaram. Os ministros da área da Unesco - da Educação, Fernando Haddad, da Cultura, Juca Ferreira, e da Ciência e Tecnologia, Sergio Resende - querem, apóiam e, inclusive, o voto do governo brasileiro, no caso da Unesco, é levado pelo ministro da Educação.

Esta semana, os senadores, colegas de Cristovam, de diferentes partidos, levarão ao ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, a quem cabe coordenar o processo eleitoral e dar a última palavra (antes do presidente da República, claro) e a decisão sobre o assunto, um abaixo assinado com o pedido para que apresente a candidatura de Cristovam. O senador Aloysio Mercadante vai levar o caso também ao Parlamento do Mercosul. O processo todo precisa fluir até o Natal, porque depois o Brasil entra em recesso até depois do Carnaval e, por inércia, corre o risco de ficar fora da disputa. Até março é o prazo para indicar o candidato ao Conselho da Unesco. Este conselho reúne-se e divulga os nomes apresentados. Em novembro, a escolha.

Cristovam Buarque já teve duas conversas com o chanceler Celso Amorim, em cujas mãos está a possibilidade de ter ou não a candidatura aprovada. Do chanceler o senador ouviu dois argumentos contra. O primeiro é que, embora seja a vez do continente latino-americano, os árabes querem o posto, e Amorim acha que o Brasil não deve disputar nada com os árabes. O outro é que o governo brasileiro já perdeu seis disputas de cargos em organismos internacionais, na sua administração, e não gostaria de perder mais uma.

As alegações são discutíveis. Primeiro porque a diplomacia sabe que os árabes já estão completamente divididos neste assunto. Se perdurar o desejo de lançar candidato, não terão um só, mas vários, e se não se unirem não há porque o Brasil fugir da disputa pois, mesmo levando em conta a opção pela submissão à preferência, não estará indo contra uma determinada indicação mas contra vários, e a favor do seu.

Quanto ao segundo argumento, é ainda menos crível. Quem perdeu 6 é porque insistiu após cada uma das derrotas. Não há porque não tentar a sétima, exatamente a de maior chance.

Outra argumentação do Itamaraty contra o pleito de Cristovam, e foi o próprio ministro Amorim quem alegou esta razão a colegas seus, é que o senador, no início do processo, lançou Ingrid Bittencourt para o cargo. É verdade. Quando ela foi libertada, Cristovam chegou a afirmar, em entrevistas, que sendo a vez do continente latino-americano, Ingrid seria um bom nome, entre outras razões porque daria uma levantada na imagem da instituição, que anda muito apagada. A própria Ingrid lhe telefonou para agradecer e dizer que o interesse dela está na Colômbia e em ações pela paz, não na Unesco.

A fragilidade destes motivos pode indicar que, na verdade, existem outros, mas ainda não convém ao Ministério expor o que lhe vai à alma. Como, por exemplo, o Itamaraty ter um outro candidato brasileiro ao posto. Já se falou, meses atrás, que o atual segundo nome da Unesco, Márcio Barbosa, está em campanha para ser indicado pelo governo brasileiro. Além de integrar uma diretoria que colocou a Organização da ONU para Educação, Ciência e Cultura numa posição de extrema discrição, para não dizer omissão internacional, há o declarado desejo de mudança, manifestado à Unesco por diferentes continentes, e a informação do próprio Itamaraty, aos que levantam a candidatura de Cristovam, que Barbosa não foi convidado.

Há sempre disputa pela diretoria da Unesco, e vários nomes são lançados dentro do continente da vez. Uma indicação forte do sucesso de uma candidatura agora é que até o momento não há nenhum outro nome latino-americano na roda. Unidos, os latinos conseguem votos na África, além de outros que vêm acompanhando pleitos do Brasil, como a China, por exemplo. Europa e Estados Unidos não vetarão um candidato brasileiro. Se Celso Amorim quer entrar só se tiver certeza da vitória, esteja certo de que não a terá, mas as chances nunca foram tão grandes.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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