quinta-feira, 24 de março de 2011

Um trimestre forte:: Míriam Leitão

A economia brasileira continua dando sinais mistos neste início de ano, mas o PIB deve crescer mais no primeiro trimestre do que no final de 2010. O emplacamento de veículos subiu 18% nos dois primeiros meses, mesmo com as medidas de restrição do crédito. O mercado de trabalho permanece forte, sustentando a renda e o consumo. O varejo mantém o ritmo de vendas financiadas.

A estimativa do Itaú Unibanco é de que o PIB terá alta de 1,2% no primeiro trimestre. É a mesma projeção da consultoria MB Associados, enquanto a Tendências prevê 1%. Em todos os casos, haverá crescimento maior em relação ao quarto tri de 2010, quando o PIB cresceu 0,7%. Para o ano, a previsão é de 3,6%, segundo o Itaú, menos da metade dos 7,5% de 2010. A indicação, portanto, é de que a economia irá desacelerar ao longo do ano.

Em sua ida ao Senado na terça-feira, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, falou em redução dos prazos de financiamento de veículos e aumento dos juros, como resultado das medidas do final do ano passado. Mas os números da Fenabrave de emplacamentos mostram que o ritmo permanece forte, com alta de quase 20% nos dois primeiros meses do ano. A principal explicação é o mercado de trabalho, que continua aquecido, garantindo renda e previsibilidade de rendimentos, com o aumento da formalização do emprego. Além disso, a falta de mão-de-obra em alguns setores tem permitido reajustes salariais em muitos casos acima da inflação.

O presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), Fernando de Castro, diz que houve pequena desaceleração do comércio no início do ano. Se o crescimento do setor em 2010 foi de 9,5%, pela medição do IDV, em março, a expectativa é de 7,5%, em relação ao mesmo mês de 2010. Ao contrário do que se poderia imaginar, a redução não está acontecendo nos segmentos ligados ao crédito, mas nos gastos correntes das famílias:

- Está havendo crescimento, mas percebemos uma pequena desaceleração, discreta. Os bens duráveis não foram impactados nem os semiduráveis. Os consumidores estão preferindo cortar gasto corrente, de bens não duráveis, para pagar prestações e planejar novas compras a prazo. Ao longo do ano, deverá acontecer uma inversão, mas não haverá desaceleração abrupta.

Castro explica que o mercado de trabalho é o principal fator para a manutenção do ritmo, apesar das medidas adotadas pelo BC. A inflação, segundo ele, também não tem afetado o consumo porque os reajustes salariais estão repondo as perdas:

- A inflação não tem afetado de forma significativa o hábito do consumo. Ela tira poder de compra, mas a massa salarial continua crescendo com reajustes acima da inflação em muitos casos. Temos um mercado de trabalho com ganhos reais.

O consultor André Beer, vice-presidente da GM do Brasil por 18 anos, acha normal que a desaceleração do setor automobilístico seja gradual, porque o ritmo estava forte. Mesmo assim, ele estima queda nas vendas este ano, de 3,5 milhões para algo entre 3 milhões e 3,3 milhões:

- Quando o crescimento está forte, só se houver um tranco muito grande para frear. Então é normal que os dados ainda sejam altos. A desaceleração será gradual.

Aurélio Bicalho, do Itaú Unibanco, acredita que o ritmo da economia ficará mais fraco a partir de setores sensíveis ao crédito. Por isso, olhar para a indústria automobilística é importante. Ele lembra que, apesar dos dados da Fenabrave, o indicador do IBGE, de vendas no varejo ampliado, que inclui veículos, caiu 0,2% em janeiro, enquanto o varejo restrito, sem automóveis, subiu 1,2%.

- Os dados estão mistos. Pelos números do IBGE, a parte menos sensível à concessão de crédito continua muito forte, como supermercados, enquanto a que depende de crédito começa a dar sinais de mudança de tendência. Há indícios de redução, mas gradual, especialmente no setor automobilístico. Os juros que o BC sobe têm efeito mais lento sobre os consumidores e o mercado de trabalho - explicou.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) está preocupada com o aumento dos juros. Por isso, espera que o governo de fato reduza gastos, abrindo espaço para o consumo privado. De acordo com Renato da Fonseca, gerente-executivo de Pesquisa, Avaliação e Desenvolvimento da CNI, a indústria acumula queda de 0,1% nos últimos seis meses. Enquanto os setores mais sensíveis aos importados apresentam redução forte, como calçados (-9,3%); têxtil (-7,5%); e metalurgia básica (-4,5%); outros continuam a todo vapor, como máquinas e equipamentos para escritório (15%); gráficas e impressoras (9,9%); e mobiliário (7,4%):

- Desde a crise de 2008, o que vem sustentando a indústria é o mercado interno. Com a alta da inflação e o aumentos dos juros, o receio dos empresários é de que a demanda interna também seja afetada. Por isso, os indicadores de confiança, embora ainda estejam altos, vêm caindo mês a mês. É muito importante que o governo reduza seus gastos para que o que o setor privado possa continuar gastando.

Fábio Silveira, da RC Consultores, estima que o crédito para pessoa física ainda terá alta de 15% este ano, enquanto a massa salarial crescerá 4,8%. Taxas acima do crescimento projetado por ele para o PIB, de 3,8%. Não será tarefa fácil para o BC reduzir o excesso de velocidade.

FONTE: O GLOBO

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