sábado, 3 de agosto de 2013

Ecos do julgamento - BC fecha banco do mensalão

Ao decretar ontem a liquidação do Banco Rural, envolvido no esquema de pagamento de propina a políticos aliados do governo Lula, o Banco Central informou que a instituição mineira cometeu "graves violações" às normas do sistema financeiro e estava com a situação econômico-financeira comprometida. Por causa da crise de confiança após o mensalão, o patrimônio do Rural diminuiu para um quarto do total. O BC exigiu que o banco retirasse do balanço R$ 200 milhões de créditos tributários que não existiam. Os bens de 18 controladores e ex-administradores — três deles condenados pelo mensalão — estão indisponíveis

O fim do banco do mensalão

Com apenas um quarto do patrimônio que possuía antes do escândalo, Rural é liquidado pelo BC

Gabriela Valente

No centro do escândalo. O Rural "jamais causou prejuízo a quem quer que seja", afirmou a instituição em nota

BRASÍLIA - Oito anos depois do escândalo do mensalão, o Banco Central fechou o Banco Rural, instituição financeira que foi acusada de envolvimento com o esquema de pagamento de propina a políticos aliados do governo Lula, entre 2003 e 2005. De acordo com o BC, o banco mineiro cometeu "graves violações" às normas do sistema financeiro nacional, estava com a situação econômico-financeira comprometida e havia a possibilidade de acumular sucessivos prejuízos. Para o Banco Central, tudo isso representava um risco anormal para os credores que não têm prioridade em caso de falência.

Por causa do abalo na confiança em relação ao Banco Rural depois do escândalo do mensalão, o patrimônio da instituição diminuiu para um quarto do total. Há três meses, o Departamento de Fiscalização do BC exigiu que o banco retirasse de seu balanço R$ 200 milhões de créditos tributários que não existiam, e ainda provisionasse débitos que ocorreriam por ações na Justiça que estavam praticamente perdidas. Isso fez com que o banco ficasse em uma situação de insolvência, com dívidas maiores que todos os ativos. O BC pediu um plano de recuperação ou de venda, o que não foi apresentado.

No julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), no ano passado, dos 37 réus, 25 foram condenados - entre eles, três ex-integrantes da cúpula do banco: Kátia Rabello, ex-presidente e dona da instituição, e os ex-dirigentes José Roberto Salgado e Vinícius Samarane. A ex-diretora Ayanna Tenório foi absolvida.

Kátia foi condenada a 16 anos e oito meses de prisão por lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e formação de quadrilha. Salgado pegou a mesma pena, pelos mesmos crimes. Samarane foi condenado a oito anos, nove meses e dez dias de prisão, por lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta. Se nada mudar no julgamento dos recursos, as penas deverão ser cumpridas em regime inicialmente fechado.

Banco não estava sob intervenção

A partir da decisão de ontem do BC, os bens de 18 controladores e ex-administradores do Rural, inclusive os que foram julgados pelo STF, já estão indisponíveis. Os correntistas terão garantidos os depósitos - no limite de R$ 250 mil por cliente - pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC).

Ao contrário do que é de praxe, o Banco Rural não estava sob intervenção do BC. Normalmente, a autarquia toma para si a administração das instituições financeiras com problemas. Tenta sanear e vender o banco. Há pouco mais de um mês, por exemplo, decidiu fechar o BVA, que ficou sob intervenção por oito meses até o principal credor desistir oficialmente da compra.

No caso do Rural, a instituição foi liquidada diretamente. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, explicou que não havia um "plano viável" para a sua recuperação. O banco funcionava normalmente, e a notícia pegou os funcionários e a direção de surpresa.

Assim que foi informada da decisão do BC, a assessoria do Rural divulgou uma nota em que afirmou que não provocou prejuízo a ninguém. Os controladores lamentam a interrupção abrupta, justamente num momento em que se construía uma transição para reforçar o capital da instituição e adequá-lo a seus planos de crescimento. A estratégia, segundo o comunicado, era de conhecimento do próprio BC.

"Os controladores do Banco Rural se viram surpreendidos com a decisão do Banco Central do Brasil de decretar a liquidação extrajudicial da instituição. O Banco Rural tem mais de 50 anos de existência e nesse período jamais causou prejuízo a quem quer que seja", disse a instituição em nota. A direção do Rural disse que vai estudar "medidas cabíveis".

O Rural pode recorrer à Justiça. No entanto, nesse tipo de matéria, o BC consegue manter 98% das decisões de liquidação.

A decisão do BC abrange as demais empresas ligadas ao Rural: o banco de investimentos Rural Mais, o Banco Simples e a Rural Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários. Todo o grupo detinha apenas 0,07% dos ativos e 0,13% dos depósitos do sistema financeiro. "O Banco Central está tomando todas as medidas cabíveis para apurar as responsabilidades", afirmou o BC, em nota. "O resultado das apurações poderá levar à aplicação de medidas punitivas de caráter administrativo e a comunicações às autoridades competentes".

O Rural sofreu seu maior desgaste por estar no centro do escândalo de compra de votos de parlamentares da base aliada do governo Lula. A instituição já tinha sido condenada pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional há um ano. Na instância máxima de processos administrativos do governo, os conselheiros aprovaram a condenação determinada pelo BC em dois processos. Mantiveram a pena de inabilitação de três ex-dirigentes da instituição que são réus no processo do mensalão.

Kátia Rabello não poderá atuar no mercado financeiro por três anos. Salgado e Ayanna Tenório, que ocuparam a vice-presidência, foram banidos da atividade bancária por dois anos. Plauto Gouveia, outro dirigente, foi punido com um ano de inabilitação, que já terminou.

Multa por operação fictícia

Todos os dirigentes foram acusados de simular uma transferência de Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) para o Banco Simples, controlado pelo Rural, em 2004. A operação fictícia permitiu a redução dos passivos do Rural. Pela operação, o banco pagará uma multa de R$ 200 mil. O Rural recorreu da decisão.

Um outro processo administrativo, aberto pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), responsabilizou o Rural pelas fraudes no esquema do mensalão. Depois de um recurso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, manteve a condenação, por facilitação de saques de terceiros, como políticos e assessores.

A instituição tinha 49 anos de atuação. Nos anos 1980, passou a ser banco múltiplo com carteira comercial, financiamento de câmbio e financiamento imobiliário. Desde o início da crise econômica mundial, em 2008, bancos pequenos e médios apresentam problemas financeiros. Alguns foram vendidos e outros, fechados.

Fonte: O Globo

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