Nem parece que o PMDB tem o vice-presidente da República e é o principal parceiro do PT na coligação que elegeu duas vezes a presidente Dilma Rousseff. O programa que o partido divulgou na última quinta-feira, que ainda será debatido internamente neste mês, demarca de forma definitiva a ruptura peemedebista com o ideário mais caro aos petistas e à própria Dilma. Pode ser lido como sua carta de intenções para o caso de assumir o poder se a presidente for afastada - e elenca, como solução para os profundos problemas do País, uma série de medidas que, se adotadas, representariam um compromisso com o bom senso administrativo e a responsabilidade fiscal.
É evidente que um partido como o PMDB, que há décadas trafega à vontade pelas vielas do poder graças à sua inesgotável capacidade de adaptação às circunstâncias, sabe quando é o momento de desembarcar de navios que estão a pique. A novidade, neste momento, parece ser a disposição do partido de sair da confortável posição de coadjuvante e apresentar-se, ele mesmo, como alternativa para comandar o País.
Para isso, adotou como discurso a necessidade de reformular de alto a baixo o modo de governar e de abandonar a fantasia nacional-desenvolvimentista do PT, invocando, nas 19 páginas em que trata de suas propostas para a economia, medidas de forte caráter liberal. Assim, o PMDB age como oposição - assumindo o mesmo discurso adotado pelos adversários na última eleição presidencial - e se apresenta como a antítese de um governo que amarga menos de 10% de aprovação, é incapaz de administrar o País, não consegue propor nada além de medidas paliativas para a crise e segue apegado à ilusão estatista.
Intitulado Uma ponte para o futuro, o texto adverte que o Brasil “encontra-se em uma situação de grave risco” e caminha “para um longo período de estagnação”. Sem meias-palavras, diz que o desajuste fiscal ocorreu porque “o governo federal cometeu excessos, seja criando novos programas, seja ampliando os antigos, ou mesmo admitindo novos servidores ou assumindo investimentos acima da capacidade fiscal do Estado”.
Para solucionar esses e outros problemas, o partido prega reformas urgentes. Defende, entre outras coisas, que se estabeleça uma idade mínima para a aposentadoria (60 anos para mulheres e 65 anos para homens); que os gastos com saúde e educação deixem de ter patamares mínimos, definidos pela Constituição; que se deixe de indexar ao salário mínimo o reajuste dos benefícios sociais e previdenciários; que o regime para a exploração de petróleo não seja mais de partilha, que onera a Petrobrás; e que as convenções coletivas de trabalho prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos.
Além disso, o PMDB propõe que se execute “uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada”, com privatizações e concessões em logística e infraestrutura, e também defende uma “inserção plena” do Brasil no comércio internacional, com acordos “em todas as áreas econômicas relevantes”, como Estados Unidos, Europa e Ásia, “com ou sem a companhia do Mercosul”.
É claro que o PMDB - que não só está no governo, como também preside a Câmara e o Senado, onde possui numerosa bancada - já poderia ter ajudado a aprovar essas reformas há muito tempo. Não o fez porque nunca lhe foi conveniente. Especialmente risível é a ênfase, no documento, à necessidade de “regras estritas” para preencher os cargos de direção nas estatais - como se o PMDB não fosse campeão de indicações políticas para esses cargos.
Mas não se deve procurar coerência entre as raposas peemedebistas. O que importa é observar a intenção clara de se distanciar da massa falida de Dilma e do PT e de se apresentar como alternativa para destravar o governo em meio ao “aprofundamento das divisões” e - numa nada sutil referência ao afastamento de Dilma - liderar “a formação de uma maioria política, mesmo que transitória ou circunstancial”, capaz de tirar o País da crise.
Nenhum comentário:
Postar um comentário