- Folha de S. Paulo
O relógio marcava 19h59, na quarta (25), quando Renan Calheiros tomou o microfone para qualificar como "oportunista e covarde" a nota oficial na qual o PT tentava se desvincular dos atos de gangsterismo de Delcídio do Amaral. Depois, como a confirmar o diagnóstico de Calheiros, o líder petista Humberto Costa encaminhou o voto de sua bancada, contrário à prisão determinada pelo STF. Um a um, com apenas duas exceções, os senadores do PT expuseram-se ao escárnio público, votando pela libertação do celerado. Uma análise apressada indicaria a cisão entre a direção partidária e a bancada no Senado. De fato, não foi isso: os senadores petistas inclinaram-se à voz do Planalto. Delcídio é um fio desencapado.
A voz do Planalto soou três vezes na sessão do Senado. Na primeira, às 19h06, o deputado José Pimentel, líder do governo no Congresso, propôs que, violando a Constituição, os senadores escondessem seus votos na urna do segredo. Na segunda, pela boca alugada de Calheiros, o governo rasgou a nota petista assinada por Rui Falcão. Na terceira, às 20h59, quando tudo já estava perdido, Humberto Costa chamou seus pares a praticarem o gesto de autoimolação destinado a conquistar o silêncio do companheiro preso. Delcídio nunca foi um "soldado do partido", como Delúbio ou Vaccari. Mas, como eles, sabe demais.
O personagem que tramava melar a Lava Jato, organizando a fuga de Nestor Cerveró, um colaborador sentenciado, não é um senador petista qualquer. Desde abril, desempenhava o papel de líder do governo no Senado. Ele representava Dilma Rousseff na Câmara Alta, condição que não perdeu mesmo após a delação de Fernando Baiano, na qual figura como destinatário de US$ 1,5 milhão em propina pela compra da refinaria de Pasadena. Delcídio tem algo a dizer sobre o único documento do "petrolão" que leva a assinatura da presidente da República.
Pasadena ocupa um lugar político especial. O "petrolão" adquiriu dimensão explosiva em 18 de março de 2014, quando Dilma afirmou que, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, aprovou a aquisição com base em "informações incompletas" de um "relatório falho" produzido por Cerveró. Naquele dia, tentando insular-se, a presidente rompeu o cristal da confiança que a ligava a Lula: as relações entre ambos nunca mais foram as mesmas. Os blogs chapa-branca reverberaram a fúria do ex-presidente, vociferando contra a "traição". Dilma lançava Cerveró ao mar, desatando um nó invisível no trançado da malha do "petrolão". Hoje, tantos nós depois, só o incerto silêncio de Delcídio pode evitar a exposição do capítulo faltante na história oculta da Petrobras.
"No caso da Dilma, ele [Cerveró] diz: a Dilma sabia de tudo de Pasadena." São palavras de Delcídio, gravadas no smartphone do filho de Cerveró. Só néscios duvidam de que "Dilma sabia de tudo", mas um processo exige mais que uma delação premiada. Delcídio, um dos padrinhos da indicação de Cerveró à diretoria da Petrobras, sabe "de tudo" –e é por isso que a voz do Planalto contrariou a do PT na tensa sessão do Senado.
Diversos fios conectam Delcídio a Bumlai, preso um dia antes. Foi o senador que apresentou o pecuarista a Lula, intermediando uma bela e proveitosa amizade. Segundo duas delações premiadas, a de Baiano e a do banqueiro Salim Schahin, Bumlai também operou na esfera da Petrobras, influenciando a bilionária licitação de um navio-sonda. Dilma "sabia de tudo" sobre Pasadena, mas talvez não soubesse de toda a extensão da pilhagem organizada na estatal. "Não é o meu governo que está sendo acusado atualmente", disse a presidente há um mês, colocando o acento no pronome "meu" para enviar uma mensagem óbvia.
O Planalto assustou-se com a prisão de Delcídio. Mas o outro Planalto, o Planalto do B, tem motivos ainda maiores para acender a luz de alerta vermelho.
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