terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Raquel Balarin: Alinhamento dos astros?

- Valor Econômico

Parte da herança recebida vai facilitar a vida de Paulo Guedes

Certa vez, um ex-ministro, durante uma entrevista, teceu elogios tanto ao governo Fernando Henrique Cardoso quanto ao governo Luiz Inácio Lula da Silva. O repórter ficou intrigado. O ex-ministro esclareceu: a ordem dos governos foi o que fez a diferença. "Já pensou se tivéssemos tido primeiro um governo Lula e só depois um governo FHC?"

Assim como quedas de avião são atribuídas a um conjunto de fatores, e não a um problema isolado, recuperações econômicas também precisam de um alinhamento de astros, nos mercados interno e externo. Na visão de alguns gestores de recursos e de economistas, esse parece ser o caso do Brasil no momento. E por mais que o mercado financeiro trace elogios ao ministro da Economia escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro, parte da herança recebida pelo ministro deve facilitar bastante a vida dele e de sua equipe.

No mercado interno, a inflação está sob controle. O IPCA fechou 2018 em 3,75%, abaixo do centro da meta, de 4,5%, mesmo depois de uma greve de caminhoneiros que bagunçou os preços por um tempo. Para 2019, a tropa de elite das instituições que fornecem dados para a pesquisa Focus do Banco Central, as chamadas Top 5 (que mais acertam as projeções), projeta inflação de 3,9%, também abaixo do centro da meta.

A alta capacidade ociosa da indústria (utilização média da capacidade de 69% em novembro) e o ainda elevado número de desempregados (12,2 milhões) devem permitir que a retomada da economia não traga pressões inflacionárias por um bom tempo. Há espaço para aumento do consumo no mercado doméstico. O comprometimento de renda das famílias com dívidas bancárias é de 19,7%, de acordo com os últimos dados disponíveis do Banco Central. No fim de 2016, era de 21,6%.

Do lado do câmbio, também não se esperam grandes sustos. A expectativa de desaceleração em vários países mundo afora indica uma tendência de juro global em queda - mesmo nos Estados Unidos, o banco central (Fed) já indica que pode ser mais "paciente" com os juros, que por lá estão entre 2,25% e 2,5% ao ano. Com o juro comportado lá fora, os investidores buscam onde podem ganhar mais. E, apesar de o Brasil estar com uma das taxas mais baixas já observadas no país, com a Selic a 6,5% ao ano, o diferencial atrai investidores estrangeiros.

Entre algumas casas, a expectativa é de que ainda há espaço para a valorização do real, especialmente se o governo Bolsonaro conseguir aprovar a reforma da Previdência. "Estamos vendo o dólar se aproximar de R$ 3,60. O juro real no Brasil ainda é alto, se comparado com o de outros países", diz Pedro Jobim, economista-chefe da Legacy Capital, gestora de recursos formada por ex-executivos da área de Tesouraria do Santander, de onde também saiu o futuro presidente do Banco Central, Roberto Campos.

A Legacy é uma das gestoras mais otimistas com Brasil no momento. A empresa, que tem pouco mais de seis meses e quase R$ 2 bilhões sob gestão, prevê crescimento de 3,1% do PIB neste ano. Pode parecer muito perto da expectativa de 2,57% observada na pesquisa Focus divulgada ontem, mas, a se julgar pelos resultados obtidos pela gestora, vale a pena prestar atenção. O Legacy Capital A acumulou, de julho a dezembro, rentabilidade de 6,07% (193% do CDI). "Entre julho e agosto do ano passado, nosso foco foi lá fora. A partir daí, quando começamos a esmiuçar as pesquisas eleitorais, analisando escolaridade e quem vota, vimos que a probabilidade era grande de Bolsonaro ganhar. Em outubro, nosso foco se inverteu e passamos a ficar mais otimistas com Brasil e menos com o exterior", explica Gustavo Pessoa, responsável pela área de renda fixa da gestora.

A Legacy também é fruto de uma "herança bendita" que o governo Bolsonaro recebe. Nos últimos anos, houve uma pulverização das plataformas de investimento, com o crescimento das chamadas plataformas digitais, como XP, BTG Pactual Digital, Genial e Órama. Esse movimento tem estimulado a criação de novas casas de gestão. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), compilados a pedido do Valor, no ano passado 98 empresas aderiram ao Código de Fundos de Investimento - um passo necessário para quem quer abrir seus fundos para receber aportes nessas plataformas. No ano anterior, tinham sido registradas 57 adesões. O aumento foi de 71,9%.

A pulverização das plataformas e o surgimento de novas gestoras é especialmente importante em um mercado de alta concentração bancária, como o brasileiro, e que está à beira de aprovar a mudança do regime de previdência para a capitalização. O Tesouro Direto é um bom exemplo dos efeitos da maior concorrência no segmento de investimento. Plataformas como a XP começaram a zerar a cobrança de taxas nesse tipo de aplicação e foram seguidas por grandes bancos.

Dados do site do Tesouro (bit.ly/2Fsm1ET, na versão encurtada) mostram que, de 62 instituições habilitadas, 39 não cobram nenhuma taxa, garantindo, portanto, um maior rendimento ao investidor final. A rentabilidade dessas instituições acaba vindo da oferta de outros investimentos a esses clientes.

Ao longo da semana, espera-se que sejam conhecidos maiores detalhes da reforma da Previdência, um passo essencial para que cenários otimistas como o da Legacy sejam factíveis. Enquanto se discute a economia gerada pela proposta do governo, a idade mínima de aposentadoria ou como vai funcionar o sistema híbrido, em que parte da população tem garantia de uma renda mínima e parte vai ter que poupar individualmente para sua aposentadoria, não tem sobrado muito espaço para a discussão sobre como será a gestão das contas individuais. Parece um detalhe, mas não é. O Brasil tem um histórico de cobrança de altas taxas de administração, que corroem o ganho final do investidor, e uma população com educação financeira deficitária.

Os astros parecem estar se alinhando. Mas não dá pra contar só com isso. É hora de estar alerta e de ficar atento aos detalhes.

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