Após vexatória demissão de diretor, caberá a ministro da Ciência escolher entre ciência e ideologia
Por ora, a razia de Jair Bolsonaro (PSL) contra o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) acarretou estragos só na imagem do presidente e de seu ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes.
O próprio Inpe saiu engrandecido com a atitude do diretor exonerado Ricardo Galvão, que não se dobrou à sanha obscurantista de Bolsonaro e a sua fixação com sonegar dados objetivos de desmatamento. Isso não significa que a instituição não possa ainda ser prejudicada pelo mandatário e pelo astronauta que pousou no ministério.
Galvão, como tem sido praxe nos centros de pesquisa da pasta, foi escolhido com base em lista tríplice composta por um comitê independente de busca.
As melhores instituições científicas do mundo —incluindo brasileiras— recorrem ao método para minorar a influência política na indicação de dirigentes, que deve pautar-se apenas no mérito como pesquisador e na capacidade gerencial dos candidatos.
O administrador defenestrado por Pontes tinha doutorado no prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachusetts e fora diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), um dos mais renomados institutos federais.
Foi nomeado pelo então ministro Gilberto Kassab (PSD), em 2016, depois de ser incluído na relação de três nomes pelo comitê de busca, composto por cinco especialistas externos ao Inpe.
Pelo regimento interno do órgão, o governo federal pode designar um diretor interino, mas cabe ao Conselho Técnico-Científico, que tem seis integrantes do próprio instituto e outros seis de fora, requisitar ao ministro da área a composição de um novo comitê de busca.
Na reunião em que acertou com Galvão sua saída do cargo, Pontes lhe teria dado garantia de que preservará a excelência do Inpe, a qual depende de sua autonomia para perseguir objetivos de pesquisa e não de propaganda. O processo para escolher o novo diretor será o grande teste do ministro.
Se o ex-astronauta nomear um comitê de busca cheio de paus-mandados do Palácio do Planalto e relegá-lo a meramente referendar nomes de agrado de Bolsonaro, estará pondo em risco muito mais que a própria reputação.
Esta, de resto, já se encontra abalada por ele ter coadjuvado o presidente na fracassada tentativa de desacreditar mais de três décadas de trabalho sério com satélites para medir o desmatamento.
Ao trair o espírito de impessoalidade consagrado no regimento interno, como hoje não parece improvável, Pontes estará indicando que sua pasta, em lugar de fazer avançar a ciência, sujeita-se a promover a agenda ideológica e inimiga das evidências que representa o pior do governo.
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