Alta
foi inesperada, é atitude de risco e mira o dólar, diz gente do mercado
O
Banco Central resolveu fazer barba, cabelo e bigode com um choquezinho de juros.
A taxa básica de juros da economia, a Selic, passou
da mínima histórica de 2% ao ano para 2,75%, alta além da esperada por opiniões
reputadas da praça.
O
BC ainda se comprometeu com outro aumento de 0,75 ponto percentual em sua
reunião de maio. Não quis deixar dúvida alguma para especulações de que poderia
tolerar inflação. Tem gente de alto nível no mundo da finança que qualificou
a decisão
como “arriscada”, com o objetivo imediato de conter a desvalorização do
real.
Ficam outras tantas dúvidas, como as sequelas de uma elevação assim rápida da Selic, em particular no crédito para pequenas e médias empresas. Não é certo que mesmo uma alta acelerada da Selic possa conter a desvalorização da moeda (“atraindo” mais dólares). O dólar sobe por efeitos externos, dúvidas duradouras sobre o que será da dívida pública e por bolsonarices.
Outra
questão é de onde o BC tirou a ideia de que “indicadores recentes” da atividade
econômica, “em particular a divulgação do PIB do quarto trimestre” (nada
recente, aliás), “continuaram indicando recuperação consistente da economia, a
despeito da redução dos programas de recomposição de renda”.
Claro,
o BC diz que esses indícios ainda não levam em conta o efeito da onda
ainda mais mortífera de Covid-19 e que a incerteza “permanece acima da
usual, sobretudo para o primeiro e segundo trimestres deste ano”. No entanto,
os números de janeiro foram fracos. Em março e abril, o medo da morte e as
restrições oficiais a negócios e à circulação vão fazer grande estrago.
Para
um executivo de grande banco, que prefere não se identificar, o BC “está
mirando câmbio [quer valorizar o real]. Estratégia arriscada”. Quanto à
interpretação da atividade econômica, “não faz sentido. A pandemia vai piorar.
Deram peso zero para isso”.
Um
outro alto executivo da praça vai em linha parecida.
“O
Banco Central não quer ser percebido como ‘dove’ [pomba, mais tolerante com
inflação, no jargão da finança]. O mercado estava acreditando em [alta de] 50
pontos, o BC deu mais e já anunciou outros 75. Interveio pesado no dólar nos
últimos dias. Quer ganhar o jogo sendo mais ‘hawk’ [falcão, intolerante com
inflação]. Quer se valer do efeito dessas intervenções, da PEC Emergencial, que
manteve o teto, e do Fed para apreciar a moeda. Legítimo, mas não era essa a
comunicação recente do BC”, argumenta.
“Pode
dar muito certo, mas é uma atitude que deixa margem zero de manobra: caso o
câmbio se deprecie [o real se desvalorize], o mercado vai pedir mais 100 na próxima
reunião do Copom [mais 1 ponto percentual na Selic, em vez de 0,75] e o BC terá
de entregar. Mas é bom ressaltar: ‘traders’ [operadores do mercado de dinheiro]
aqui e lá fora dizem que a coisa pode dar certo”, diz esse outro executivo da
finança.
Não
haveria como o Banco Central não reagir ao choque
inflacionário. A dúvida óbvia é o tamanho da dose do remédio e de suas
sequelas em uma economia que perdeu ritmo e opera em nível de produção ainda
inferior ao do início da epidemia, quando, recorde-se, crescia pouco e já
desacelerava.
No
mais, o BC sublinhou com tinta um tanto mais forte seu alerta contínuo de que,
se houver mexida no “teto” de gastos, o caldo azeda ainda mais.
Nas
contas do Banco Central, no seu “cenário básico”, a inflação iria a 5% no final
deste 2021 (com a Selic subindo o previsto pelo mercado, a 4,25% em dezembro,
com o preço do dólar seguindo uma medida ajustada de inflação, a paridade de
poder de compra).
A meta de inflação para 2021 é 3,75%, com limite superior em 5,25%. O BC disse em seu comunicado que a alta da Selic pode contribuir para segurar a inflação ainda neste ano, o que é bem incerto, para dizer o menos.
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