A
decisão de 08 de março do Ministro Edson Fachin, do STF, que, no fundamental,
garante elegibilidade a Lula (PT) na corrida presidencial de 2022, gerou um
verdadeiro terremoto nas relações de força entre os principais atores
políticos.
Na
forma como se deu, contestando a validade do fórum de Curitiba no qual
protagonizava o ex-juiz Sérgio Moro, o fato equivale a uma profunda derrota do
chamado “tenentismo de toga” (Werneck Vianna) expresso na operação Lava-Jato
durante os últimos anos. Em função da visão messiânica que visava a regeneração
da Nação, tal movimento colocou em suspensão toda a política brasileira e o
resultado foi a identificação da política com corrupção. A Lava-Jato foi mais
uma face da ideia de que o País necessita de uma ruptura histórica e, por essa
razão, contribuiu para a emergência de fenômenos de antipolítica que grassam
desde 2013.
Independente das suas intenções e aparentemente sem uma estratégia definida, a adesão de Sergio Moro ao governo Bolsonaro, a partir de 2018, implicou uma aposta de alto risco que, por fim, fracassou. Sua saída do governo não redundou em força para o movimento. A Lava-Jato restou parada no ar e se enfraqueceu. Agora, atingida no coração, seu destino parece estar selado. Em sentido profundo, mitigar ou tentar eliminar a política e sobrepô-la pela dimensão jurídica, concentrando suas ações num único ponto, a corrupção, apenas confirmou que este não pode ser o caminho da política democrática com vistas a resolver os principais problemas do País nem o orientar em direção ao futuro.
O
retorno de Lula ao centro da cena tem inúmeras repercussões e guarda muitos
significados. De um ponto de vista conjuntural representou um respiro frente a
um governo como o de Bolsonaro. Diante dele, a sociedade parece atônita e
vulnerável, acossada pela pandemia e a persistente elevação do número de
infectados e mortos. Lula se apresentou e rapidamente foi identificado com a
vitalidade que a oposição deve ter. Com isso, a musculatura do polo petista sai
fortalecida não só em função da sua popularidade, mas também porque isso gera
desestabilização em outras candidaturas por seu poder de atração. Além disso,
antigos aliados serão desafiados e o próprio Centrão, até agora em deriva
inercial rumo à candidatura de Bolsonaro, deverá repensar seus futuros passos.
Mas
há um engodo nessa história. Claro está que a retomada dos direitos políticos
de Lula não equivale a absolvição de todas as acusações que existem contra ele.
Essa narrativa é falaciosa, Lula não foi absolvido. O ex-presidente retorna à
politica, com todos os seus direitos, por uma tecnicalidade jurídica que tardou
a ser admitida e não por sua absolvição.
O
discurso de Lula no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo serviu
para instituir o teatro de que ele é a única contraposição à estratégia
destruidora da democracia de 1988 que Bolsonaro vem estabelecendo desde sua
posse. O que é outra falácia. Há resistência a Bolsonaro desde a posse,
fortemente demonstrada nas eleições municipais de 2020, especialmente nas
capitais. No contexto da pandemia tal resistência se expressa na defesa do SUS
e na contraposição dos governadores, especialmente o de São Paulo, no tocante à
vacina. Os petistas querem fazer crer que somente eles se opõem a Bolsonaro e
mantêm o estilo de sempre: mitificam Lula, despreocupados em ampliar o arco de
alianças para enfrentar Bolsonaro desde o primeiro turno.
Há
uma soberba nisso tudo. Lula permaneceu em silêncio até esse momento e as
agressivas manifestações bolsonaristas não são contra ele, mas contra aqueles
que estão na chuva e no sol criticando o atual presidente. O PT tem feito uma
política errática no Parlamento que contém lances de ambiguidade em relação ao
bolsonarismo, tal como se observou na votação para as presidências das
duas Mesas no Congresso bem como nas principais comissões.
Por
outro lado, há questões a serem recuperadas na história do PT e de Lula. Ambos
coquetearam com a antipolítica desde as primeiras lutas pela redemocratização e
foram vigorosos representantes dela no processo que gerou a Constituição de
1988. Ambos são a expressão de uma esquerda que promete a nova sociedade aos
“de baixo” mas apenas lhes dá inclusão via consumo. Enquanto aos “de cima”
garante estabilidade e ampliação de ganhos. Lula é a esquerda antirreformista
que estabiliza o capitalismo brasileiro na fase da globalização, depois da
integração a ela promovida por FHC. É uma esquerda adaptada ao contexto
histórico, o que é positivo, mas é uma esquerda sem conceito, que negocia tudo para garantir seu
projeto de poder com o apoio de movimentos fragmentados nascidos da sociedade
pós-industrial. É uma esquerda mais do “mundo da vida” do que do “mundo da
produção”, apesar de daí ter nascido. Lula não precisa de esforço algum para
definir seu inimigo na contenda eleitoral de 2022. Ele retomará a posição de
ataque a quem está no poder, como sempre fez, de Sarney a FHC, e assumirá a
dissimulação de ser um ator benfazejo a todos e a todas.
As
reações de Bolsonaro à volta de Lula são evidentes, embora demonstrem alguma
desorientação. A adoção de uma atitude mais responsável frente à pandemia é
apenas um dado superficial. Do ponto de vista discursivo, Bolsonaro poderá
recuperar a narrativa antissistema, criticando a decisão judicial que favoreceu
Lula e identificando o petismo com o status quo. Bolsonaro será seduzido
por seus apoiadores a radicalizar essa posição e voltar à lógica da guerra. A
palavra de ordem desse grupo é o golpe. Provavelmente Bolsonaro vai ceder
espaço a isso, evitando muito envolvimento. Aqui também a estratégia é a da dissimulação:
retomará o antipetismo, embora tenha perdido seu aliado fundamental, o ex-juiz
Sérgio Moro. Nesse sentido, a campanha de 2022 não poderá se servir
inteiramente desse ponto de força como foi em 2018. Outro elemento de
fragilidade de Bolsonaro está, como todos sabem, na desastrosa condução frente
à pandemia, deixando o País sem as vacinas de que necessita.
Portanto,
a estratégia de destruição de Bolsonaro não pode lhe garantir, como antes, uma
passagem lisa e tranquila para o terreno eleitoral. Reduzir-se apenas aos seus,
àqueles que professam essa estratégia, pode ser uma aposta de alto risco para
chegar ao segundo turno e depois perder. Por fim, a última alternativa seria,
fragilizando-se ainda mais, se reduzir a um candidato do Centrão, retornando à
expressão de um candidato do “baixo clero” – e isso se o Centrão não se
movimentar pragmaticamente em direção a Lula.
O
terremoto provocado pelo retorno de Lula afetou diretamente a todos postulantes
à presidência em 2022. É inevitável que Ciro Gomes mantenha sua beligerância
tanto contra Lula e o PT, quanto contra o ex-juiz Sergio Moro. No entanto, sua
resiliência não encontra equivalente em sua capacidade de agregação. Envolvido
diretamente, Moro será forçado a se pronunciar: ou contra-ataca, lançando-se
definitivamente candidato ou se retira de uma vez da contenda eleitoral.
O
fato é que se o centro político já encontrava dificuldades de unificação em
torno de uma candidatura, com os partidos inteiramente divididos, o retorno de
Lula veio carrear mais obstáculos. Independentemente dos nomes ou pela profusão
deles, o centro permanece invertebrado. Em verdade, ainda não existe do ponto
de vista eleitoral e a grande incógnita é se conseguirá se configurar como um
fator de poder para atrair aliados e eleitores.
A
premissa de que o centro deveria ser um ponto intermediário entre dois extremos
perde força com o retorno de Lula, que, a partir da esquerda, se move com
facilidade para o centro. De outro lado, o desastre que significa o governo
Bolsonaro impõe uma condição: não há como o centro se apresentar a não ser em
oposição a Bolsonaro. Mas terá que buscar um discurso e uma estratégia distinta
do lulopetismo, sem ser antagônica a ele. Pensando na rearticulação e no futuro
da Nação, o centro terá que se reinventar: sua única saída é ser um “centro
excêntrico”, um novo polo de agregação, com programa próprio e alternativo. Uma
operação dificílima, obviamente, e talvez já tardia, ainda mais se tiver que
cuidar também para que sua candidatura consiga fazer frente a duas “potências
de audiência”, como Bolsonaro e Lula.
Tudo
mudou, mas infelizmente o nosso flagelo frente a pandemia se agravou. Mas com
força e resiliência, mais as vacinas, o País pode superar o vírus e …
Bolsonaro.
*Professor Titular de História da UNESP-Franca-SP
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