Não
há grandes dúvidas de que a troca de titulares no Ministério da Saúde terá o
efeito de um placebo sobre os rumos do governo federal no enfrentamento à
pandemia. Só não dá para dizer o mesmo dos efeitos da mudança sobre o futuro do
governo Bolsonaro. Desde que o presidente anunciou a indicação do cardiologista
Marcelo Queiroga para o cargo, uma fissura surgiu na aliança do bolsonarismo
com o Centrão, bloco que sustenta politicamente o governo no Congresso. A
dispensa da também cardiologista Ludhmila Hajjar, candidata de Arthur Lira e de
vários outros membros influentes do bloco, fez com que começasse a circular na
boca de seus líderes uma palavra que o presidente da República teme mais do que
lockdown: impeachment.
“Não
haverá um próximo ministro da Saúde. O que pode haver é um outro presidente da
República”, dizia um desses inconformados, na terça-feira. A mensagem foi
repetida diversas vezes nos últimos dias, com outros termos, a uma variedade de
interlocutores no governo e na imprensa. E causou frisson nos bastidores
justamente porque talvez não haja, em Brasília, nenhum termômetro mais bem
calibrado para as expectativas de vida dos governos que o Centrão. Mas, antes
que se imagine Arthur Lira encarnando um Eduardo Cunha 2.0 e partindo para o
enfrentamento com Jair Bolsonaro, é preciso entender o que está em jogo nesse
tabuleiro.
Desde que o presidente da República deixou Sergio Moro na estrada e abandonou as vestes anticorrupção, o bloco de Lira e seus aliados vêm ocupando cada vez mais espaço no governo. Seus apadrinhados estão na Fundação Nacional de Saúde (Funasa), no Departamento Nacional de Obras Contra Secas (DNOCS) e no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Há menos de um mês, um de seus quadros, João Roma (Republicanos-BA), tomou posse no Ministério da Cidadania, que, além de ter o maior volume de verbas não carimbadas da Esplanada, ainda administra o Bolsa Família e o auxílio emergencial. Não consta, portanto, que o Centrão seja maltratado pelo presidente.
A
questão é que os recentes movimentos das placas tectônicas da política fizeram
o grupo sonhar mais alto. O primeiro foi a eleição de Arthur Lira para a
presidência da Câmara. Desde que assumiu, no início de fevereiro, Lira já
aprovou a autonomia do Banco Central e garantiu a nomeação da candidata
preferida do presidente da República para a Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ), mas buscou se distanciar do negacionismo bolsonarista, posando de
máscara em eventos no Planalto e cobrando agilidade na vacinação. Manteve na
gaveta os pedidos de impeachment, mas comandou na Câmara o acordo partidário
que manteve a prisão do radical bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ).
Há
duas semanas, quando Edson Fachin anulou as condenações de Luiz Inácio Lula da
Silva nos processos da Lava-Jato, recolocando o ex-presidente no cenário para a
eleição de 2022, o Centrão se assanhou. Num post no Twitter, Lira escreveu que
“Lula pode até merecer, mas Moro não”. Na Câmara, ao avaliar as consequências
da decisão de Fachin, um escudeiro de Lira explicou, didático, que Bolsonaro
agora precisa “fidelizar os aliados do centro”, já que Lula certamente atrairá
apoios do mesmo grupo. “Tem um monte de ministério sem padrinho. É preciso
abrir esse espaço”, dizia o deputado. Entre os próprios petistas, comentava-se
que “o preço do Centrão aumentou”.
Foi
nesse ambiente que se desenrolou a negociação para a saída de Pazuello da
Saúde. Governadores, prefeitos e parlamentares do Centrão compreenderam logo
que o fim do auxílio emergencial de R$ 600, a volta de Lula ao jogo eleitoral e
o agravamento da crise da Covid-19 compunham um combo fatal para a popularidade
de Bolsonaro. O presidente pode não ter percebido, mas o apelo para que se
livrasse o quanto antes de Pazuello era também um aviso de que o bloco político
não morrerá agarrado aos cadáveres deixados por seu desgoverno. Como diz uma
das máximas do Centrão, “você pode pedir qualquer coisa a uma pessoa, menos que
ela se suicide”.
O
susto provocado pela última pesquisa Datafolha, mostrando que 54% da população
avaliam como ruim ou péssima a atuação do governo na pandemia, fez o Planalto
cancelar uma cerimônia em que se aglomerariam centenas de pessoas, e levou o
demissionário Pazuello a dar uma entrevista defendendo isolamento social e
mudança de hábitos.
Tais gestos, porém, não entram na conta do Centrão — uma equação guiada por verbas, poder e popularidade, não necessariamente nessa ordem e nem sempre com o mesmo peso. Se algum desses elementos desequilibrar demais o jogo, a fenda por onde hoje passam os cochichos sobre impeachment pode se transformar num abismo. Aí, não haverá Queiroga que resolva.
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