17/03/2021
O Brasil terá pressões inflacionárias, juros externos mais altos, desemprego elevado e alimentos mais caros
Essa
“luz no fim do túnel” tem estimulado trabalhos que discutem a herança deixada
pela pandemia, seja em termos de problemas que ficam por resolver, seja de
lições para lidar com futuras crises.
Alguns
desses temas foram discutidos no workshop “Macroeconomia de la pandemia y los
impactos de Covid-19 en América Latina”, promovido pelo Grupo de Conjuntura do
IE/UFRJ, que cobriu a experiência não apenas do Brasil, mas também de outros
países da região. Destaco três dos tópicos vistos no workshop.
Primeiro, o atraso da América Latina na retomada da atividade econômica, em termos de PIB e emprego, por conta da forma ineficiente com que a região lidou com a pandemia. As novas projeções econômicas da OCDE reforçam esse ponto: tomando a média de Argentina, Brasil e México, as três maiores economias da região, tem-se que em 2022 seu PIB ainda estará um pouco abaixo do de 2019 (-0,2%). O mesmo estudo projeta um PIB mundial 6,1% maior ano que vem do que em 2019.
Ou
seja, ficaremos relativamente mais pobres e, se vamos nos beneficiar do aumento
da demanda externa por nossos produtos, em especial com preços mais altos de
commodities, vamos também sofrer com pressões inflacionárias e juros externos
mais altos. Desemprego elevado e preços altos de alimentos são uma combinação
politicamente perigosa, especialmente quando as pessoas se sentirem seguras de
voltar a se aglomerar.
Esse
quadro complica outras duas heranças discutidas no workshop. Uma, a preocupação
com a saúde financeira das instituições financeiras. Saberemos mais sobre isso
conforme fique mais fácil diferenciar problemas de liquidez daqueles de
solvência. Outra, a difícil situação fiscal de alguns dos países da região, com
destaque para o Brasil que, junto com o Peru, gastaram muito em programas
públicos de combate à crise. É fácil ver que baixo crescimento e juros em alta
são agravantes de uma situação fiscal já difícil.
Este
último ponto também é discutido no livro “Legado de uma Pandemia”, publicado no
início do mês pelo Insper, com organização de Laura Muller Machado. O livro tem
17 capítulos, agrupados em quatro partes que lidam, respectivamente, com a
ordem social, a ordem econômica, a organização do Estado e política e comunicação.
Em todos os capítulos há uma preocupação em explicitar legados deixados pela
pandemia e em fazer recomendações.
Dentre
os diversos temas tratados no livro, os impactos distributivos, fortes e
negativos, são um dos destaques. Foram os trabalhadores mais pobres que mais
sofreram com a perda de ocupações e renda. Os negros também sofreram mais que
os brancos, enquanto outras análises mostram que as mulheres saíram em maior
proporção do mercado de trabalho do que os homens. O livro dá grande ênfase a
um ponto em geral pouco discutido: houve um significativo impacto negativo
sobre as crianças, pela falta de aulas, que foi mais importante para as
crianças mais pobres, com menos acesso a equipamentos de informática e
assistência familiar.
Essa
discussão desemboca no livro em um debate que também apareceu no workshop do
IE/UFRJ: quão desejável é redistribuir o custo econômico da pandemia por meio
de tributações que retirem renda de grupos que sofreram menos para financiar os
programas públicos de assistência social, evitando transferir todo esse custo
para gerações futuras, por meio de mais dívida pública.
O
livro do Insper também trata de como a separação entre o que é feito pelo
Estado e o que cabe ao setor privado pode ser repensada após a pandemia. Uma
conclusão é que, em crises, pode ser desejável o Estado participar mais
planejando e coordenando as atividades, no financiamento e na produção, e se
preocupando menos com temas como a defesa da concorrência. Esse quadro deve,
porém, ser transitório. Mais permanente deve ser o apoio estatal a pesquisas
científicas relacionadas à pandemia, mesmo que indiretamente, como na segurança
alimentar, e a capacitar servidores públicos para lidar com momentos como o
atual.
Diversos
capítulos, ainda que não todos, encerram com uma visão positiva sobre o futuro,
prevendo que a sociedade acordou para os problemas revelados pela pandemia. É o
caso, em especial, dos “invisíveis”, aí compreendidos os inúmeros pobres que
acorreram ao Auxílio Emergencial e dos quais não havia registro anterior. Não
me convenci dessa visão. Mas concordo que, para avançar, precisamos de mais
discussão pública sobre os temas tão oportunamente trazidos por todos esses
pesquisadores. Parabéns.
*Armando
Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da
Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ
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