Para muitos brasileiros, Jair Bolsonaro já cruzou a “linha vermelha” há muito tempo. Para os líderes do Centrão, contudo, ainda há uma margem de tolerância para seu desgoverno – mas essa margem se estreitou consideravelmente nos últimos dias.
“Não
teremos paciência com ele”, disse o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos
(PL-AM), referindo-se ao futuro ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. “É acertar
ou acertar”, continuou o deputado, aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira,
hoje um dos principais avalistas do governo Bolsonaro. E arrematou: “A situação
não permite que o ministro da Saúde tenha tempo para aprender a ser ministro.
As respostas terão que ser rápidas e efetivas”.
A “linha vermelha”, disse o deputado Ramos, é a vacinação contra a covid-19. Segundo o parlamentar, o Centrão não terá como continuar a apoiar o presidente se o programa de imunização não deslanchar. Para o deputado Ramos, o ministro Queiroga “começa com todo o apoio e com toda a torcida para que dê certo”, mas, “se ele errar, serão outros milhares de brasileiros mortos”.
Os
líderes do Centrão ficaram agastados com a decisão de Bolsonaro de
contrariá-los no processo de substituição de Eduardo Pazuello no Ministério da
Saúde. A troca no Ministério foi uma imposição do Centrão, diante da escalada
da crise causada pela pandemia, agravada pela incompetência cavalar do
intendente Pazuello.
Políticos
experientes, ao anteverem desastres eleitorais, esses parlamentares e
dirigentes partidários compreenderam que era preciso urgentemente dar um rumo
racional e profissional ao Ministério da Saúde, o que seria impossível sob a
gestão de Pazuello. Ofereceram alguns nomes a Bolsonaro, mas todos foram recusados
pelo presidente. Bolsonaro preferiu o médico Marcelo Queiroga, cuja qualidade
determinante para sua escolha foi o fato de ter sido indicado pelo filho mais
velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro. Queiroga é amigo do sogro de
Flávio.
Ao
descartar os indicados pelo Centrão, optando por um chegado da família,
Bolsonaro “perdeu a chance de dividir (com o Congresso) a responsabilidade” pela gestão
do Ministério da Saúde, disse o deputado Fausto Pinato (Progressistas-SP). “Se
o ministro acertar, ótimo. E se errar? E se aceitar as interferências (de Bolsonaro) e o
País entrar em colapso?”, questionou o parlamentar, outro integrante do
Centrão.
As
“interferências” a que o deputado Pinato se referiu são sobejamente conhecidas:
Bolsonaro sabotou a aquisição de vacinas, obrigou o Ministério da Saúde a
encampar tratamentos inócuos, fez campanha contra o uso de máscaras e estimulou
aglomerações, contrariando as orientações do próprio Ministério. A esse
respeito, o deputado Ramos foi enfático: “Bolsonaro nunca teve apoio do Centrão
para promover aglomerações nem para negar o uso de máscara ou a gravidade da
pandemia”.
Com
isso, o Centrão começa a demarcar claramente o território que pode definir sua
manutenção como sustentáculo político do governo – determinante até aqui para
que não prosperassem nem os pedidos de CPI para apurar responsabilidades sobre
o desastre sanitário e humanitário nem os inúmeros processos de impeachment já
encaminhados ao Congresso.
O
derretimento da popularidade de Bolsonaro explica em parte a aflição do
Centrão. Pesquisa do Datafolha divulgada na terça-feira mostra que 54% dos
entrevistados consideram ruim ou péssimo o modo como o presidente está lidando
com a pandemia; em janeiro, eram 48%.
Na
mesma pesquisa, 43% disseram considerar Bolsonaro o principal responsável pela
situação atual, enquanto apenas 17% atribuem essa responsabilidade aos
governadores. Ou seja, a campanha sistemática de Bolsonaro para culpar os
governadores pela crise parece ter fracassado.
Por
fim, mas não menos importante, subiu de 50% para 56% o porcentual de
brasileiros que entendem que Bolsonaro não tem condições de liderar o País.
Depois de dois anos de desastre, é incrível que ainda haja 42% que o vejam como
um líder capaz. Mas esse contingente diminui a olhos vistos – e o Centrão, que
não joga em time que perde, já percebeu isso.
Marcha lenta no início do ano – Opinião / O Estado de S. Paulo
Economia
manteve em janeiro o ritmo médio de outubro-dezembro, segundo a FGV
O ministro da Economia, Paulo Guedes, comemorou a criação de 260 mil empregos formais em janeiro como um sinal de forte retomada dos negócios, mas os números da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostram uma atividade em ritmo ainda lento. Segundo o Monitor do PIB-FGV, o ano começou com o Produto Interno Bruto (PIB) crescendo 0,5%. Esse ritmo é quase igual, e até um pouco inferior, à média dos três meses finais de 2020: 0,2% em outubro, 0,8% em novembro e 1% em dezembro. O ministro mencionou também, no seu comentário otimista, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), com aumento de 1,04% sobre o nível de dezembro. Foi o dobro, observou Guedes, do crescimento estimado pelos economistas do mercado. Mas o entusiasmo, também nesse caso, pode ter sido excessivo.
O Monitor,
divulgado um dia depois da fala do ministro, é mais detalhado que o índice do
BC e coincide com a estimativa de 0,5%. Pelos cálculos da FGV, o PIB de janeiro
foi 0,8% menor que o de um ano antes. Além disso, uma queda de 4,1% foi
apontada pelos números acumulados em 12 meses. Um recuo de 4,04% havia sido
apontado pelo IBC-Br, mas essa é a diferença menos significativa.
Os detalhes do Monitor compõem
um cenário mais vivo da evolução dos negócios. Nesse quadro, dois dos três
grandes setores cresceram em janeiro sobre a base de dezembro. A agropecuária
avançou 0,6% no mês e 1,9% em 12 meses, mantendo-se como o componente mais
vigoroso da economia brasileira. Os serviços cresceram 0,9% em janeiro, mas o
resultado de 12 meses ainda foi um recuo de 4,5%, explicável. Serviços pessoais
foram muito atingidos pelo isolamento, mesmo parcial, das famílias.
Único
setor com desempenho negativo no começo do ano, a indústria recuou 0,6%, com
perdas nas áreas de transformação (-0,6%) e de construção (-0,7%). A indústria
extrativa, com avanço de 1,7%, limitou o recuo geral do setor. Mas os problemas
desse conjunto, especialmente da indústria de transformação, começaram a
acumular-se antes da recessão de 2015-2016. Uma ampla recuperação do setor
envolverá muito mais que a retomada dos níveis de produção anteriores à
pandemia.
Embora
mostre uma atividade econômica em ritmo ainda moderado no início do ano,
o Monitor proporciona
poucos elementos para uma avaliação de tendências. Os dados até agora
conhecidos apontam um primeiro trimestre com resultados ainda fracos. Os
números da indústria automobilística mostram um quadro nada entusiasmante.
As
montadoras fabricaram em fevereiro 1,3% menos que em janeiro e 3,5% menos que
um ano antes. A produção no bimestre foi 0,2% maior que a de janeiro-fevereiro
de 2020, mas a recuperação mal começou. Em 2020 foram produzidos 2,01 milhões
de unidades, 931 mil a menos que no ano anterior. O ganho de 805 unidades
observado na comparação entre os primeiros bimestres é pouco significativo.
O
aperto financeiro das famílias também parece indicar um primeiro trimestre
medíocre ou abaixo disso. Sem o auxílio emergencial, suspenso desde janeiro,
essas famílias foram forçadas a limitar o consumo. Além disso, seu poder de
compra tem sido afetado pela inflação. O auxílio será parcialmente
restabelecido, mas os pagamentos só devem começar em abril.
Os
últimos dados gerais do emprego, elaborados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), cobrem o trimestre final de 2020. Os
desocupados nesse período eram 13,9 milhões de pessoas (13,9% da força de
trabalho). O quadro geral pouco deve ter mudado, mesmo com os dados positivos
do trabalho formal em janeiro.
O
alto desemprego certamente continua restringindo o consumo, e as condições do
mercado de trabalho pouco deverão mudar sem uma intensificação do crescimento
econômico. O reinício do auxílio emergencial é uma das medidas possíveis para
isso. Especialmente importante, no conjunto dessas medidas, é o enfrentamento
mais firme da pandemia, com vacinação mais ampla e mais veloz e um
comprometimento mais claro do governo federal. Pelo menos o ministro da
Economia parece ter percebido esse fato.
O avanço da USP – Opinião / O Estado de S. Paulo
A
USP melhorou sua posição no ranking das universidades das economias emergentes
Maior e mais importante instituição de ensino superior do País, a Universidade de São Paulo (USP) continua se saindo bem nos rankings comparativos internacionais. O último levantamento revela que a instituição ficou na 13.ª posição entre as universidades das economias emergentes. Em relação à edição de 2020, ela subiu um ponto no ranking.
A
pesquisa foi feita pela conceituada consultoria britânica Times Higher
Education, que avaliou as 606 melhores instituições de 48 países. Como nas
últimas edições desse levantamento, as melhores colocações foram mais uma vez
ocupadas por universidades chinesas. Das dez primeiras do ranking, sete
pertencem à China, lideradas pelas Universidades de Tsinghua (1.ª colocada),
Beijing (2.ª) e Zhejiang (3.ª). As três instituições restantes foram a
Universidade de Moscou, na Rússia, a Universidade da Cidade do Cabo, na África
do Sul, e a Universidade Nacional de Taiwan. Do total de universidades
avaliadas, 52 são brasileiras.
Além
da USP, as mais bem colocadas foram a Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), que ficou em 48.º lugar, e a Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-RJ), na 84.º posição. Os números também mostraram que a USP
continua sendo considerada a melhor instituição de ensino superior de toda a
América Latina. O levantamento da Times Higher Education avaliou universidades
do México, do Chile, da Colômbia e do Peru e as que mais se destacaram foram a
Pontifícia Universidade Católica do Chile, na 53.ª posição, seguida por duas
outras instituições chilenas, a Universidade do Desenvolvimento e a
Universidade Diego Portales, que ficaram empatadas na 90.ª posição, e pela
Pontifícia Universidade Javeriana, da Colômbia, na 94.ª. Além dessa pesquisa,
outra consultoria – a Quacquarelli Symonds – divulgou recentemente um estudo
por área do conhecimento, mostrando que alguns cursos da USP – como
Odontologia, Engenharia de Petróleo, Minas e de Estruturas, Direito, Geografia
e Agricultura – estão entre os 50 melhores de todo o mundo.
O
ranking das universidades das economias emergentes é elaborado com base em 13
indicadores de desempenho utilizados pela consultoria britânica em suas
avaliações mundiais, mas adaptados para refletir características e prioridades
dos países em desenvolvimento. Esses indicadores envolvem cinco categorias –
ambiente de ensino, inovação, internacionalização, investimento em pesquisa e a
influência que os trabalhos acadêmicos exercem na comunidade acadêmica
internacional, por meio de citações.
Com
base nesses indicadores, o ranking evidenciou o sucesso da política adotada
pela China nas últimas décadas, com o objetivo de passar de mera fabricante de
produtos baratos e com baixa tecnologia para disputar com os Estados Unidos e a
Europa o mercado mundial de produtos e serviços complexos e com alta
tecnologia. Um dos fatores desse sucesso foram os investimentos em capital
humano, por meio de um processo de expansão de um ensino superior de alta
qualidade. No fim da década de 1970, a China tinha 990 mil alunos matriculados
em cursos de graduação – na primeira metade da década de 2010, eram mais de 30
milhões. No mesmo período, o país pulou de 165 mil alunos de pós-graduação para
mais de 13 milhões, em 2014. Entre 1978 e 2019, a participação chinesa nas
exportações mundiais passou de 1,1% para 13,5%. Quanto mais investiu no ensino
superior, mais a China cresceu em inovação científica e pedidos de registro de patentes.
A
colocação nos rankings comparativos de qualidade representa um círculo virtuoso
para as boas universidades. Quanto mais se destacam, mais as fontes de
financiamento passam a acolher seus projetos de pesquisa, o que aumenta sua
reputação acadêmica internacional e atrai pesquisadores de ponta,
permitindo-lhes assim captar ainda mais recursos para sua expansão. É isso que
vem ocorrendo com as universidades chinesas e com a USP.
O poço de Bolsonaro – Opinião / Folha de S. Paulo
No
pior momento da pandemia, avaliação do presidente volta a testar seu piso
A
avaliação de Jair Bolsonaro desceu aos mesmos níveis de maio e junho de 2020,
os piores de seu governo quase sempre mal avaliado. Nas 11 pesquisas do
Datafolha desde o início de seu mandato, apenas em dezembro o presidente obteve
aprovação superior à reprovação, considerada a margem de erro.
Ele
faz uma administração ruim ou péssima para 44% dos entrevistados na mais nova
sondagem. Bolsonaro, no entanto, resiste. Para 30% do eleitorado, a gestão é
ótima ou boa. Seu apoio nunca caiu abaixo desse nível, ainda considerável —em
especial num momento de ápice da pandemia, inflação em alta e turbulência
econômica.
Como
em meados do ano passado, a queda da popularidade coincide com um pico de
mortes provocadas pela Covid-19. Hoje, 54%
dos brasileiros aptos a votar consideram ruim ou péssimo o desempenho do
mandatário no combate à doença, ante 50% em maio de 2020.
Uma
diferença maior em relação a meados do ano passado se dá na situação econômica.
A despeito da incerteza causada pelo avanço descontrolado da epidemia e pela
escassez de vacinas, o nível da atividade e mesmo do emprego melhorou —embora
esteja longe de patamares satisfatórios e seguros.
O
volume da vociferação e das atividades antidemocráticas públicas do presidente
também baixou. A sempre elevada percepção quanto a sua incompetência, porém,
voltou a subir neste ano.
Bolsonaro
“não tem capacidade de liderar o Brasil” para 56% do eleitorado. É “o
principal culpado pela situação atual da pandemia hoje no Brasil” para 43%
(ante 17% dos governadores e 9% dos prefeitos). Mais: 45% do público “nunca
confia” no que ele diz. Ainda assim, não
há maioria a favor de seu impeachment ou renúncia.
Trata-se
do bastante para que o presidente mantenha sua sustentação parlamentar. No
entanto a adesão do centrão ao governante de turno é, por natureza, volátil.
Mulheres,
cidadãos com renda familiar mais alta, com ensino superior, pessoas que se
declaram pretas, moradores do Nordeste e desempregados têm em geral as opiniões
mais negativas. Empresários, notadamente a mais positiva.
Apesar
de a Covid-19 elevar sobremaneira o risco de uma recaída recessiva, ainda não
há certeza sobre o seu efeito nos negócios e nos empregos após abril. Mesmo com
inépcia grosseira, além dos atos de sabotagem oficial, é possível que o país
atinja um número relevante de pessoas vacinadas em maio.
Consideradas
essas dimensões do humor nacional, é possível que haja certo alívio em meados
do ano. Auxílio emergencial, alguma retomada econômica e vacinas podem, em
teoria, devolver a Bolsonaro alguns pontos de popularidade.
Parte
do país terá agido para evitar o pior, mesmo acossada pelo ocupante do Planalto
—do qual sempre se podem esperar novas iniciativas contra os brasileiros e sua
própria administração.
Uma década em guerra – Opinião / Folha de S. Paulo
Urge
que potências redobrem pressão para sustar tragédia humanitária na Síria
Ao
longo de dez anos, o conflito na Síria produziu uma das maiores catástrofes
humanitárias já vistas desde a Segunda Guerra Mundial.
Conforme
estimativas conservadoras, os combates deixaram quase 400 mil mortos, embora
outras fontes apontem até 600 mil. Para além dos óbitos, cerca de 2 milhões de
civis sofreram ferimentos graves ou deficiências permanentes.
O
uso maciço de armas explosivas e os bombardeios em áreas urbanas reduziram
algumas das principais cidades do país a pouco mais que escombros, além de
destruir boa parte da infraestrutura nacional. Mais da metade dos 22 milhões
que viviam na Síria antes da guerra tiveram de deixar suas casas, gerando um
dos maiores êxodos populacionais da história recente.
Hoje,
6,6 milhões de refugiados sírios estão espalhados por 130 países, segundo a
ONU, embora cerca de 90% deles tenham se estabelecido em condições precárias em
nações vizinhas —Líbano, Jordânia e Turquia. Existem, ademais, 6,7 milhões de
deslocados internos, a maioria em campos improvisados.
O
que começou em 2011 como uma revolta popular contra o governo tirânico de
Bashar al-Assad, surgida no contexto da Primavera Árabe, aos poucos degringolou
para uma guerra ainda em curso envolvendo potências regionais e globais, uma
facção terrorista e o uso de armas químicas contra civis.
Desafiando
as previsões de que não resistiria por muito tempo, Assad logrou manter-se no
poder e, escudado por Rússia e Irã, vem-se impondo militarmente. Sua
sobrevivência, contudo, esconde o fracasso representado pela perda de mais de
um terço do território e a ruína econômica. Estima-se que nada menos que 90% da
população viva abaixo da linha da pobreza.
Não
obstante o estado terminal em que se encontra o país, o regime sírio se recusa
a aceitar a solução política oferecida pela ONU, que prevê a redação de uma
nova Constituição por um comitê formado por membros do governo, da oposição e
da sociedade civil, seguida de eleições livres e limpas.
Urge,
portanto, que as potências mundiais se engajem no processo de paz e
intensifiquem a pressão sobre Assad —só assim será possível cessar a
carnificina e dar início à hercúlea tarefa de reconstrução.
BC acerta ao elevar a taxa básica de juros – Opinião / O Globo
A alta na taxa básica de juros, a primeira em quase seis anos, era inevitável. Não havia alternativa para o Conselho de Política Monetária (Copom), do Banco Central, diante da aceleração dos preços. O próprio BC já sinalizara o fim do período de quase sete meses, iniciado em agosto do ano passado, com a Selic em seu nível histórico mais baixo, 2%. Pode-se discutir se foi correta a dose adotada: 0,75 ponto percentual de alta, para 2,75%. De todo modo, o ciclo de queda nos juros iniciado em julho de 2016 tinha data marcada para acabar. Foi ontem.
Na
ata da reunião anterior, em janeiro, o BC já admitia que a elevação no preço
das commodities no exterior aumentava as expectativas de inflação mais alta,
impulsionadas também pelo efeito do enfraquecimento do real no mercado interno.
Tais expectativas estão disseminadas e devem mesmo ser contidas. Há várias
semanas as projeções do mercado têm subido, e o BC precisava ativar a política
monetária. A última estimativa colhida pelo BC no mercado foi de 4,60%, bem
acima da meta anual de 3,75%.
Em
fevereiro, o IPCA anualizado chegou a 5,20%, quase no limite superior da meta
(5,25%), e nada indica que mudará de tendência no curto prazo. O índice mensal
foi de 0,86%, o mais alto para fevereiro desde 2016. Alimentos e combustíveis
puxaram a inflação. Apenas a gasolina foi responsável por 42% da alta.
Alimentos
e bebidas subiram 0,27% no mês passado. Nos 12 meses desde março de 2020,
quando a OMS confirmou a pandemia de Covid-19, ficaram 15% mais caros. Produtos
que também são exportados refletem nos preços internos o impacto da alta no
exterior e da desvalorização do real. O óleo de soja aumentou 88%; cereais,
leguminosas e oleaginosas, 58%, e as carnes ficaram 30% mais caras. Por trás
desses números, está também a pressão das importações da China, que não demorou
a controlar a pandemia e voltou a consumir com avidez.
O
BC precisava fazer o que fez. Os juros de longo prazo no mercado financeiro
haviam descolado bastante da Selic. A taxa de dez anos está na faixa dos 8%,
uma defasagem que torna mais difícil rolar a dívida interna. A baixa atividade
econômica e o desemprego elevado não justificam qualquer imobilismo do BC.
A
mistura de inflação com recessão, como aconteceu em 2015 e 2016, ainda com Dilma
Rousseff no Planalto, não traz boas lembranças. A primeira decisão do BC no
governo Michel Temer, sob Ilan Goldfajn, foi manter a Selic nas alturas, em
14,25%. Coube a Goldfajn fazer uma aterrissagem suave, enquanto a política
fiscal era ajustada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Os
tempos agora são outros. O BC acaba de ganhar autonomia por lei, condição
importante para enfrentar o choque inflacionário. Crescem as expectativas de
alta nos preços mundo afora, diante dos vários programas de ajuda de cunho
social e econômico, com a consequente ampliação de déficits públicos. Mesmo que
o Fed americano tenha sinalizado que não subirá os juros por lá até 2024, o
caso brasileiro é diferente. Aqui há a desvalorização cambial, impulsionada por
um governo que não tem a confiança dos investidores e torna o país um pária
pelo fracasso trágico e retumbante na proteção da população contra o
coronavírus.
Apesar da queda na popularidade, apoio a Bolsonaro resiste à pandemia – Opinião / O Globo
A reprovação a Bolsonaro atingiu seu ápice desde o início da pandemia, segundo o Datafolha, com 44% dos entrevistados considerando seu governo “ruim” ou “péssimo”. Mais que as mortes em série, que parecem indiferentes ao brasileiro, o que tem incomodado a população são a falta de vacinas e o colapso no atendimento hospitalar, que alimentam o morticínio num círculo vicioso.
No
agravamento da pandemia, o presidente fez a quarta mudança no Ministério da
Saúde, substituição do desgastado Eduardo Pazuello, general que havia deixado
clara sua sabujice a Bolsonaro, pelo médico cardiologista Marcelo Queiroga. O
motivo político para a mudança no ministério fica evidente no próprio
Datafolha: 54% afirmaram rejeitar a forma como o governo enfrenta a pandemia,
maior número desde que se fala em coronavírus.
Mas
Bolsonaro, em que pesem as mais de 285 mil mortes, o colapso no sistema de
saúde por todo o país, o atraso na compra e distribuição de vacina, o
desrespeito pelos protocolos sanitários, pela ciência e seu desprezo pelo
sentimento dos familiares das vítimas, patente em frases e atitudes, em que
pese tudo isso, Bolsonaro demonstra manter a confiança da base que construiu no
eleitorado nos últimos anos.
Enquanto
perde popularidade entre os mais escolarizados, mulheres, negros, população com
renda até dois salários mínimos e no Nordeste, mantém bolsões fiéis entre
homens, evangélicos, habitantes da Região Sul e entre os que ganham entre 2 e 5
salários mínimos. Integram esses grupos, policiais, militares de baixa patente e
uma classe média de perfil conservador.
É
o que lhe garante permanecer no mesmo patamar de avaliação positiva, em torno
de 30%, abaixo do qual jamais chegou a cair para valer. Se mantiver o apoio
nesse nível até 2022, será o suficiente para garantir sua presença no segundo
turno. Basta lembrar, diz o cientista político Alberto Almeida, que Dilma
Rousseff foi até reeleita depois que sua aprovação caíra a 36%.
Mesmo
que os próximos meses tragam a Bolsonaro a pior onda de notícias ruins de seu
governo, o inferno astral uma hora acaba. O avanço da vacinação e provável
recuperação econômica tornam difícil que ele perca mais popularidade do que já
perdeu. Um alerta a Bolsonaro é que o grupo dos que “nunca confiam nas
declarações do presidente” cresceu de 41% para 45% de janeiro para cá.
Bolsonaro espera que o novo auxílio emergencial o ajude de novo. Desta vez, no
entanto, o valor será menor, e os alimentos estão mais caros. Pode haver
frustração.
Porém
o bolsonarismo habita uma bolha própria de desinformação, uma espécie de
realidade paralela. É verdade que a tragédia da pandemia deixará cicatrizes na
popularidade do presidente, mas a única variável a esta altura capaz de
destruir sua viabilidade eleitoral seria uma catástrofe econômica comparável à
sanitária, que aumentasse desemprego e miséria nos bolsões que hoje lhe dão
sustentáculo. Como o mais provável é alguma recuperação, não devemos tomar os
últimos indicadores como tendência definitiva.
Fed reafirma política e prevê juro perto do zero até 2023 – Opinião / Valor Econômico
Quando
chegar a hora de começar a subir os juros o banco dará os avisos necessários
com bastante antecedência
O Federal Reserve americano não mudará um milímetro de sua política monetária, ainda que a economia dos Estados Unidos esteja a caminho de exibir sua melhor performance em décadas e crie o receio de volta da inflação. Ontem, ao fim da reunião de seu Comitê de Mercado Aberto, os membros do Fed, ao mesmo tempo em que elevaram significativamente suas projeções de crescimento de 4,2% para 6,5%, mantiveram a grosso modo suas previsões para os juros, que continuam sem variação até o fim de 2023, entre 0,1% e 0,25%.
O
temor dos investidores de que o pacote de estímulos de US$ 1,9 trilhão trará a
inflação antes que o esperado, expresso na alta dos títulos de longo prazo, foi
recebido com impassibilidade por Jerome Powell, presidente do banco. Ele disse
que a instância altamente estimulativa da política monetária continua sendo a
mais apropriada e que ela só mudará quando as duas conhecidas condições
econômicas forem atendidas: o país se mover para bem perto do pleno emprego e a
inflação der sinais claros de que chegou a 2%, com tolerância para que ela
avance além disso por algum tempo.
Houve
mudanças na percepção dos integrantes do comitê. Quatro dos 18 membros que
apresentam projeções veem a taxa de juros se movendo já no ano que vem - em
dezembro, era apenas um - e sete deles em 2023. Ainda assim, o ritmo do ciclo
de alta seria bastante moderado. Em 2022, para quem acha que a taxa deveria
subir, ela poderia ficar no máximo em 0,75%. Para 2023, em 1,25%.
Isso,
no entanto, não indica que o Fed vá agir de acordo com essas expectativas.
“Queremos ver progressos reais da inflação, e não só progressos das projeções,
que precisam se materializar”, disse Powell. Ainda que a economia esteja
respondendo bem aos estímulos e à campanha acelerada de vacinação em massa, as
incertezas sobre o futuro ainda são “enormes”, segundo Powell. Ele repetiu o
mantra de que o Fed não será complacente e que manterá os estímulos até quando
a recuperação estiver completa.
As
projeções também deixaram dúvidas sobre a orientação da política do banco. O
índice de gastos pessoais de consumo pode fechar o ano em 2,4% (não mais em
1,8%), com seu núcleo avançando 2,2% em 2021. Em 2022 e 2023, ambas as medidas
evoluirão 2% e 2,1%, respectivamente. Além disso, foi feito um reajuste forte
na projeção da taxa de desemprego, que cairá a 4,5% (ante 5% na previsão
anterior) e em 2023, poderá chegar a 3,5%, algo que pode ser considerado pleno
emprego. Ainda assim, pelas projeções, não haveria, como não houve no passado
recente, alta relevante na inflação.
Powell
ressaltou que 2,4% de inflação cheia em 2021 não preencheria as novas condições
do Fed, porque seria transitória. A recuperação em meio à pandemia é desigual e
deixou para trás o setor de serviços, que depende de interação social. A demanda
se deslocou para outros setores, criando gargalos na produção que tenderão a
elevar provisoriamente alguns preços. Esse movimento não será duradouro,
especialmente se condições mais perto da normalidade, com a vacinação em massa,
se cristalizarem até o fim do ano.
A
relativa impotência da política monetária antes da pandemia, quando estímulos
trilionários fracassaram em fazer a inflação subir até a meta, permeia a
cautela do Fed. Powell disse que a inflação ameaçou subir várias vezes e não o
fez. Agora, o Fed quer ver para crer, antes de agir. O novo sistema de metas de
inflação média responde a essa desconfiança, com uma mudança relevante. “Não
vamos agir preventivamente”, resumiu Powell.
Quanto
à situação do emprego, o Fed vê um longo caminho para a melhora. Há 9,5 milhões
de trabalhadores desempregados a mais do que antes da pandemia. A participação
na força de trabalho também é hoje menor do que antes do ataque do vírus. E,
mesmo com pleno emprego, não há garantias de que a inflação surgirá, como não
surgiu em 2019. O pleno emprego produziu alguma pressão nos salários, que não
foi para os preços, possivelmente porque as empresas a absorveram, reduzindo
margens. A mesma coisa poderá ocorrer agora.
Sobre a recente alta dos juros dos títulos do Tesouro, Powell repetiu que o Fed só agirá se ela ocorrer “desordenadamente”. Ele prometeu que quando chegar a hora de começar a subir os juros o banco dará os avisos necessários com bastante antecedência - e que não há sinal disso por enquanto. Os juros dos títulos do Tesouro recuaram e as bolsas renovaram recordes.
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