PEC
186 não resolve problema de acionar as medidas de ajuste
Há
uma unanimidade entre os analistas de que a despesa obrigatória da União,
submetida ao teto de gastos, só vai ultrapassar 95% da despesa total em 2024 ou
2025. Este é o novo gatilho que dispara as medidas de ajuste das contas,
introduzido pela PEC Emergencial, promulgada como emenda constitucional 109.
O
problema do novo gatilho, no entanto, não está apenas na demora para ele ser
acionado, mas também no fato de que se a despesa obrigatória chegar a 95% da
despesa total, vários serviços públicos à população já estarão paralisados, ou,
como preferem dizer os economistas, a administração estará em “shutdown”.
Assim, a fixação do gatilho em 95% foi claramente um erro.
Em ofício ao Congresso Nacional, datado de 14 de dezembro de 2020, o ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs mudança na meta fiscal deste ano e reestimou a receita e a despesa da União para 2021, uma vez que os parâmetros utilizados na elaboração do projeto de lei orçamentária anual (PLOA), em agosto do ano passado, estavam ultrapassados.
Nele,
Guedes informa que o governo passou a trabalhar com despesas discricionárias de
R$ 96,2 bilhões, incluindo neste valor as emendas parlamentares, que, embora
sejam impositivas, podem sofrer contingenciamento. O valor corresponde a 6,47%
da despesa total da União submetida ao teto. As despesas discricionárias são os
investimentos e o custeio da máquina, que o governo não é obrigado por lei a
executar.
As
despesas obrigatórias submetidas ao teto, por sua vez, estão em 93,53% do
limite total do gasto definido para este ano, de R$ 1.485,9 bilhões. Este
percentual é uma aproximação porque o cálculo tem que ser feito, de acordo com
a EC 109, para cada Poder e órgão público, pois eles possuem limites de despesa
individualizados. Mas essa abertura de dados não está disponível no ofício do
ministro. Sem as emendas parlamentares, as despesas discricionárias caem para
R$ 79,9 bilhões neste ano, o menor patamar da série histórica.
Mesmo
com esse nível muito baixo para os investimentos e o custeio da máquina, o
gatilho não é acionado, o que mostra o equívoco cometido. Uma conta simples
demonstra a armadilha que foi criada. As despesas discricionárias teriam que
cair mais 1,47 ponto percentual (6,47% menos 5%) da despesa total para que as
medidas de ajuste possam ser adotadas. Ou seja, para chegar a 5% da despesa
total neste ano, as discricionárias teriam que ser reduzidas para R$ 74,3
bilhões, incluindo as emendas parlamentares, o que inviabilizaria a
administração.
Em
resumo, a EC 109 estabeleceu um gatilho que só poderá ser acionado quando a
administração pública estiver em “shutdown”. Com um agravante: como não se pode
reduzir as emendas parlamentares, que estão indexadas pela inflação, o aumento
futuro das despesas obrigatórias terá que ser compensado sempre com o corte do
investimento e do custeio.
As
razões que levaram à escolha de 95% como novo gatilho das medidas de ajuste são
um enigma. Importantes integrantes da equipe econômica do governo defenderam
que o gatilho ficasse em 94%. Então, porque o percentual de 95% prevaleceu?
Este colunista apurou que foi uma decisão política do governo e ouviu que, até
hoje, ela gera incômodo na área técnica.
Se
o gatilho tivesse ficado em 94%, havia o risco de ele disparar já em 2022, ano
eleitoral, com a adoção obrigatória de medidas impopulares de contenção de
despesas. É difícil acreditar que a razão tenha sido esta porque, para evitar
desgaste eleitoral, o governo optou por um percentual que não será atingido,
pois, antes disso, a administração estará em “shutdown”.
Para
que o leitor não perca o fio da meada, o objetivo original da PEC 186 era
corrigir o principal problema do teto de gastos. Devido à má redação da emenda
constitucional 95/2016, que instituiu o teto, o gatilho que acionava as medidas
de ajuste das contas não disparava. Não havia maneira de o governo adotar
medidas de contenção das despesas. Como as despesas obrigatórias não param de
crescer, os investimentos e o custeio foram minguando cada vez mais.
No
texto da PEC 186 que o governo enviou ao Congresso, em novembro de 2019, o gatilho
disparava toda vez que a chamada “regra de ouro” das finanças públicas, que
proíbe o aumento da dívida para pagar despesas correntes, não estivesse sendo
cumprida.
Este
referencial foi alterado e o relator da proposta, senador Márcio Bittar
(MDB-AC), com a concordância do governo, foi buscar o gatilho de 95% que
constava da PEC 188. O resultado de tudo isso é que o gatilho que consta da EC
109 não permite acionar as medidas de ajuste para evitar o “shutdown” da
administração e, portanto, não resolve o problema que estava colocado na EC 95.
Nova
polêmica
Uma
nova polêmica ganhou corpo entre os especialistas em finanças públicas. A PEC
186 instituiu, como foi dito nesta coluna em fevereiro passado, um novo marco
para as finanças públicas. A âncora fiscal passou a ser a trajetória da dívida
pública que será perseguida pelos governos federal, estadual e municipal. As
metas de resultado primário serão definidas de forma a permitir que a
trajetória da dívida seja cumprida. Para isso, os governos terão que adotar
medidas de contenção de despesas e elevação de receitas que permitam alcançar
as metas.
A
raiz da polêmica está no fato de que o artigo da EC 109, ao tratar desta
questão, prevê aprovação de lei complementar especificando “a trajetória de
convergência do montante da dívida com limites definidos em legislação”. O
artigo 52 da Constituição define que é competência privativa do Senado fixar,
por proposta do presidente da República, limites globais para o montante da
dívida consolidada da União, dos Estados e dos municípios. A discussão é se a
EC 109 invadiu uma competência do Senado.
Na interpretação do Ministério da Economia, não há conflito entre o artigo 52 da Constituição e a EC 109. A atribuição do Senado, de acordo com esse entendimento, é fixar limite máximo para o endividamento dos entes. E o objetivo da EC 109 é fixar limites prudenciais para definir uma trajetória para a dívida, que, se superados, acionam os gatilhos das medidas de ajuste.
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