A
alta de juros era esperada. Mesmo assim, o Banco Central surpreendeu
duplamente. Pela decisão de elevação em 0,75%, que era a aposta de um grupo
pequeno no mercado, e por indicar que será mais rápido o ajuste da política
monetária. O Banco Central preferiu fazer um movimento mais decidido, para
aumentar as chances de cumprimento da meta de inflação e, ao mesmo tempo,
combater a piora da confiança na economia brasileira. A alta de juros ocorre no
pior momento da pandemia, com os governadores e prefeitos decretando
paralisação de atividades, para tentar conter o colapso.
Difícil explicar como os juros podem subir numa hora dessas. A economia está parando, as expectativas de crescimento piorando e a pandemia se agravando. Pelo comunicado, a piora da pandemia pode reduzir a atividade e, portanto, a pressão inflacionária, porém o risco fiscal está elevado no país. Não só pelo aumento dos gastos necessários para combater a pandemia, mas porque os sinais de ajuste futuro não estão claros. Pelo contrário.
A
encrenca do BC é que é cada vez mais comum a previsão de que os dois primeiros
trimestres terão PIB negativo. Ou seja, a economia está recessiva. Mesmo assim,
os preços dos alimentos e de matérias-primas sobem, e o câmbio está muito
pressionado. Houve complicadores na decisão do Copom. Essa foi a primeira
reunião após a aprovação da autonomia do Banco Central. A alta dos juros
alimentará, portanto, as críticas ao órgão. E mais: nos Estados Unidos a
decisão foi oposta. A economia está com forte projeção de crescimento e tem
pressões inflacionárias, mas a decisão foi a de manter os juros no intervalo
entre zero e 0,25%. E lá a vacinação está andando de forma célere depois da
posse do presidente Joe Biden. O novo governo mudou completamente a orientação
no combate à pandemia.
Aqui
no Brasil, o ministro Paulo Guedes descreve uma realidade paralela. Segundo ele
a economia está “decolando de novo” e houve criação recorde de empregos. Se o
cenário fosse esse, seria até mais fácil para o Banco Central ter tomado a
decisão que tomou, de elevar a Selic, como resposta aos sinais persistentes de
inflação. O Ministério da Economia divulgou esta semana com fanfarras o dado de
260 mil empregos formais criados em janeiro, segundo o Caged. Teria sido o
maior da série, passando inclusive janeiro de 2010, ano em que o país cresceu
7,5%. Que sentido faz isso? Os especialistas mostram que há vários problemas no
dado.
—
Houve uma quebra de série, a metodologia mudou no ano passado, portanto, não se
pode fazer comparação histórica — diz o economista Bruno Ottoni, do Ibre/FGV.
Ele
explica que a comparação da série antiga com a série nova, com base nos dados
de 2019, quando ambas andaram juntas, mostra uma diferença de 74% a mais no
saldo de empregos na nova forma de registro. O antigo Caged era feito com base
nas declarações das empresas formais sobre contratações e demissões. O novo é
feito a partir do e-social e conta também os temporários. É normal haver
mudança metodológica, mas o que se faz é manter a série anterior por mais tempo
para que os especialistas possam comparar e entender com se comporta o novo
indicador. Quando o IBGE passou da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) para a PNAD
Contínua, que agora mede o desemprego, o indicador antigo ficou por quatro
anos. No caso atual ficou apenas alguns meses. O pior erro técnico, contudo, é
comparar com a série histórica depois de ter mudado a metodologia do índice.
Marqueteiros fazem isso, economistas, não.
O
economista Daniel Duque, da FGV, admite que parou de prestar atenção no saldo
do Caged, porque ele acha que não há nada que explique números tão fortes. Há
total discrepância entre o Caged e os dados de mercado formal na Pnad do IBGE.
O instituto registra queda de trabalhadores do mercado formal.
A alta de juros ocorre num momento em que o presidente continua boicotando medidas de combate à pandemia e dá sempre sinais contraditórios na área fiscal. A melhor política de estímulo ao crescimento e ao emprego seria uma coordenação federal eficiente no combate à pandemia, e um amplo programa de vacinação. Adianta pouco Guedes falar agora que é a favor da vacinação em massa. O Ministério da Economia, se tinha noção disso, deveria ter tentado convencer o presidente a mudar de atitude.
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