Argumento surrado cria inimigos imaginários e deixa correr soltas as ameaças reais à Amazônia.
Na
semana passada, o Brasil decidiu desdenhar da iniciativa de mais de 60 nações
—entre elas Alemanha, França, Espanha e nove países latino-americanos. O grupo
propôs à ONU incluir na sua Carta de Direitos a garantia ao meio ambiente
seguro, limpo e sustentável. O pleito tem forte valor simbólico ao dar à
sustentabilidade o caráter de valor universal.
Entre quatro paredes, as autoridades de Brasília justificaram a omissão, alegando que a iniciativa se vincula a supostos interesses internacionais na Amazônia e reafirmando o mantra de que o país não aceita ingerência na região. Os acusados de sempre são as ONGs ambientalistas e as potências estrangeiras que supostamente cobiçam nossas riquezas ou querem barrar a entrada de nossos produtos primários em seus mercados —o repetido chavão dos que se imaginam patriotas.
A
explicação faz parte dos evangelhos da extrema direita. Está no livro
"General Villas Bôas "“ Conversa com o Comandante", editado pelo
professor Celso Castro (FGV); na entrevista da deputada Carla Zambelli (PSL-SP)
ao assumir a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara;
e, vez por outra, na fala trôpega do presidente.
O
argumento surrado cria inimigos imaginários e deixa correr soltas as ameaças
reais. Na prática, justifica a aliança do bolsonarismo com a devastação,
geralmente ilegal, de nossa biodiversidade. A ilegalidade, que muitas vezes faz
fronteira com a destruição protegida por leis malfeitas ou mal aplicadas,
assume muitas formas, resumidas no competente trabalho de pesquisadores do
Instituto Igarapé "Environmental Crime in the Amazon Basin: a Typology for
Research, Policy and Action" (crime ambiental na bacia amazônica: uma
tipologia para pesquisa, política pública e ação).
São
obra de nacionais, conectados a máfias estrangeiras: invasão de áreas
protegidas ou de territórios indígenas; desmatamento em pequena escala para
agricultura ou criação; mineração ilegal; tráfico ilegal de animais e drogas;
construção informal de caminhos e infraestrutura para apoiar essas e outras
atividades bandidas. Sem falar na tragédia social que sempre acarretam:
violência, prostituição infantil, aliciamento de moradores para tarefas
criminosas.
Nos
últimos dois anos, as questões ambientais ganharam apropriada preeminência na
sociedade brasileira, abrindo espaço a inúmeras iniciativas de personalidades,
empresas e organizações civis. Só que elas mal penetram o mundo da política e
dos partidos, deixando campo livre para as visões mais retrógradas
entrincheiradas nos redutos da direita extrema.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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