A
expectativa dessa taxa de 3,2% vem mais da forte queda do PIB em 2020
Esse
forte contraste se explica por que, ao olhar para o produto interno bruto (PIB)
de 2021, o mercado está muito influenciado pela taxa a ser anunciada pelo IBGE
no início de 2022, prevista como muito alta pelo andar recente da economia, e
muito mais impactada pela forte queda da economia em 2020 do que pelo
desempenho da economia em 2021. Essa previsão de 3,2% acompanha procedimentos
estatísticos adotados pelo IBGE ao medir as variações do PIB, conforme
explicarei em seguida, pedindo ao leitor desculpas por recorrer a algumas
tecnicalidades que tentarei minimizar.
Recorde-se
que o PIB teve em 2020 um movimento na forma de um V incompleto na sua haste
direita, caindo fortemente com a pandemia da covid-19 a partir de meados de
março e até o segundo trimestre. Depois o PIB passou a crescer, mas sem superar
a queda anterior, levando a uma redução de 4,1% no ano. Como o IBGE chegou a
esse valor? É como se calculasse a variação média trimestral do PIB ao longo de
um ano, por meio de um índice, e a comparasse com a do ano anterior.
Resolvi conferir essa taxa de 4,1% com base no último relatório do PIB trimestral do IBGE, divulgado em 3 de março e, nele, a Série Encadeada do Índice de Volume Trimestral (Média de 1995=100). Tomei as médias dos quatro índices trimestrais de 2020 e 2019 e, dividindo a primeira média pela segunda, o resultado levou a essa queda de 4,1% em 2020.
Noutro
exercício, tomei o valor do mesmo índice no último trimestre de 2020 e, supondo
para o PIB um crescimento nulo em 2021, esse valor seria o mesmo nos quatro
trimestres. E dividindo-o pela média de 2020 encontrei qual seria a taxa de
crescimento da economia em 2021, se medida pelo IBGE com essas informações,
chegando à taxa de 3,8%. Ou seja, com crescimento zero do PIB, o resultado do
IBGE em 2021 seria esse.
O Boletim Focus, do Banco Central
(BC), divulgado no último dia 15, que mostra as expectativas dos analistas do
mercado com relação a vários indicadores, prevê que esse crescimento será de
3,2%, e abaixo do valor a que cheguei, sugerindo que, além de não crescer, o
PIB teria uma pequena queda em 2021 na previsão desses analistas.
Ambas
as previsões são altas porque em 2020 o valor do PIB caiu bastante, fazendo com
que a taxa do PIB de 2021 a ser calculada IBGE tenha um viés de alta
independentemente do que acontecer neste ano. Esse viés é chamado de carry over na literatura
internacional sobre o assunto, um carregamento transferido de um espaço para
outro ou, no tempo, de um para outro período, como no caso sob exame.
Alguém
errou nessa história? Não, é uma questão de critério. O IBGE trabalha com essa
média trimestral dentro de um ano relativamente à do anterior; outro seria
calcular a variação do PIB comparando o valor alcançado em dezembro de 2021 com
o verificado de dezembro de 2020. E mais um critério foi o procedimento que
adotei acima, de zerar o crescimento em 2021, baseado em outras avaliações que
economistas fazem da economia neste ano, independentemente do que aconteceu no
ano passado. Entendo que o IBGE está correto, pois é melhor trabalhar com as
médias dentro de cada ano comparado. A distorção do carregamento de 2020 para
2021 foi um caso excepcional. O desempenho usual do PIB é de crescimento, e não
de queda, e muito menos tão forte como a do ano passado.
Olhando
à frente em 2021, o quadro é desalentador. Como foi visto acima, a própria
previsão do Boletim
Focus, do BC, embute pequena variação negativa do PIB. De fato,
ainda sem completar uma efetiva recuperação em V, os dados mais recentes
levaram vários economistas a prever até um desempenho negativo do PIB já nos
dois primeiros trimestres do ano, percepção que se agravou com a piora da
pandemia imposta pela covid-19. Em matéria de meia página (B3), ontem, este
jornal entrevistou vários economistas e assim resumiu o resultado: “País está
na contramão do resto do mundo, onde projeções para a atividade sobem; no
Brasil, previsão é de queda com inflação em alta”.
Nesse
contexto, ganhou surpresa o resultado de um aumento do Índice de Atividade
Econômica do Banco Central (|IBC-Br) à taxa de um 1% em janeiro, mas isso foi
visto como um ponto fora da curva, pois a economia deve ter mostrado menos
ímpeto em fevereiro e deve piorar, avançando no negativo, a partir do mês
atual.
Com
o contágio e as mortes pela covid-19 batendo novos recordes desde meados de
fevereiro, as reforçadas medidas de isolamento recém-adotadas devem impor novas
perdas principalmente ao comércio e ao setor de serviços, o mais importante da
economia, com o que ela sofrerá bastante. A vacinação está atrasada e
insuficiente, ainda sem efeitos sensíveis no controle da pandemia, com a
contaminação pela covid-19 avançando mais rápido do que a vacinação. Ela veio
escassa com o grande descaso do governo em planejá-la, ainda em meados no ano
passado, e rapidamente adquirir as vacinas necessárias para a imunização em
massa da população.
Deu no que deu.
*Economista
(UFMG, USP E HARVARD), professor sênior da USP. É consultor econômico e de
ensino superior
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