- Valor Econômico
Ao
indicar ministro da Saúde, filho do presidente demonstra que vai marcar de
perto o avanço do Centrão no mercado de vacinas. Entre, um e outro está um
presidente acossado pelo protagonismo de Lula no tema
Se
um milésimo da esperteza usada pelo presidente Jair Bolsonaro para trocar o
ministro sem mudar a política de saúde, fosse destinada a enxotar a covid-19,
os brasileiros não teriam uma vala comum por horizonte. A astúcia presidencial
é proporcional não à tragédia da pandemia, mas ao quinhão que está em jogo. Foi
a arbitragem desta disputa, e não sua inépcia, que derrubou Eduardo Pazuello.
De tão grande, a esperteza de Bolsonaro despertou o apetite do Centrão,
demonstrado na derrubada dos vetos presidenciais. Antes de Bolsonaro, porém, é
a saúde dos brasileiros que será engolida.
O
roteiro é auto-explicativo. Primeiro o presidente driblou a pressão pelo
deputado Luiz Antonio Teixeira (PP-RJ), presidente da comissão de
acompanhamento da covid-19, que já era chamado de ministro na Câmara. Depois
deixou na mão a fileira de padrinhos poderosos da cardiologista Ludhmila
Hajjar, alguns dos quais recebeu no sábado, no Palácio do Alvorada.
Naquela
manhã, Pazuello fez conferência virtual em que apalavrou o pagamento, pelo
ministério, das 37 milhões de doses acertadas pelos governadores do Nordeste
com um fundo russo que financia a Sputnik V, sob a condição de que seriam
redistribuídas para todo o país. À tarde, recebeu o convite de Bolsonaro para participar
da conversa com Ludhmila.
No
dia seguinte, Bolsonaro montou o circo da audiência com a cardiologista, que,
bombardeada, renunciou ao convite que o presidente jamais quis fazer. O
deputado Arthur Lira (PP-AL), que, num primeiro momento, parecia resignado a
negociar o segundo escalão do ministério, acabou com um tuíte de apoio a
Ludhmila para não passar recibo do atropelamento. Desde o princípio, era
Marcelo Queiroga o nome que Bolsonaro tinha na manga.
É o segundo ministro que o senador Flávio Bolsonaro emplaca em menos de seis meses. O primeiro, Kassio Nunes Marques, estava destinado a compor sua retaguarda no Supremo Tribunal Federal. Já a indicação de Marcelo Queiroga é uma jogada de quem se antecipa aos fatos, a compra de milhões de doses de vacinas cujo atraso empurrou o Brasil para a naturalização da barbárie.
A
ofensiva do Centrão nesse mercado foi protagonizada pela desenvoltura do líder
do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) na liberação da Sputnik
por intermédio do lobby armado pelo bloco. É um mercado competitivo este em que
01 resolveu se posicionar. Com a compra da casa em Brasília, o filho do
presidente mostrou, porém, que audácia não lhe falta. Até lei flexibilizando a
compra o Congresso já aprovou. Agora resta saber quem vai avançar para ocupar
esse terreno
O
primeiro efeito da troca de ministros sobre o aquecido mercado de vacinas se
dará na relação de Queiroga com os governadores. O documento assinado por 21
deles para a formação de um gabinete de crise para agilizar compra de vacinas e
insumos até agora não foi respondido por nenhum dos Poderes. Mas na manhã desta
quarta-feira, a maioria dos nove governadores do Nordeste assinaram contratos
de compra da Sputnik V. A U$ 9,95 dólares a unidade, o lote total de vacinas ultrapassará
os R$ 2 bilhões.
Um
dos signatários, o governador do Maranhão, Flávio Dino, preferia que a vacina
fosse encampada pelo Plano Nacional de Imunização para evitar o
salve-se-quem-puder, mas está disposto até mesmo a bancar com recursos do
tesouro estadual as 4,5 milhões de doses com as quais imunizaria 30% da
população do Estado até julho. Fez um seguro para a eventualidade de a bateção
de cabeça em Brasília não parar.
E
não há sinais de que vá. O azedume com Queiroga é generalizado. Na definição de
uma liderança do Centrão, ao negar a indicação ao bloco, Bolsonaro perdeu a
oportunidade de dividir responsabilidades sobre seu desempenho. Se tiver
sucesso, pegam carona. Se der errado, o insucesso é todo do presidente. A
escolha ignorou os ritos mais pueris da política. Atropelou, por exemplo, o
poderoso líder do PL na Câmara, Wellington Roberto (PB), que não foi consultado
na escolha de um médico de seu Estado.
A
primeira resposta concreta do Centrão veio na sessão do Congresso de ontem
quando foram derrubados todos os vetos presidenciais à limitação das emendas
parlamentares. Agora tanto as emendas de relator e de comissão, a exemplo do
que acontece hoje com as individuais e de bancada, serão impositivas quanto a
Caixa Econômica Federal deixou de fazer a intermediação das emendas.
Com isso, Queiroga, na definição de outra liderança do bloco, vira um despachante de emendas em tempo integral. A Secretaria de Governo envia aqueleas a serem contempladas com recursos da Saúde para o ministro e ele se limita a assinar e passar para a frente. Com a derrubada dos vetos, os parlamentares ampliam sua fatia na Saúde, queira ou não Queiroga. Mas emenda não compra vacina. Esta é a briga da hora. Entre 01 e o Centrão, tem um presidente da República acossado pela ofensiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista, que atuou na aproximação entre o consórcio dos governadores e os russos, fez ontem, em entrevista à CNN americana, um apelo ao presidente dos EUA, Joe Biden, “o suspiro da democracia mundial”, por vacinas.
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