Valor Econômico
Políticos tradicionais não conseguem se
conectar com o eleitor
Eu tenho um grande amigo que diz que a única
dúvida dele sobre as eleições deste ano é se Janones ficará em terceiro ou
quarto lugar na disputa pela Presidência. A frase, que poderia soar como
ironia, expõe uma dura realidade sobre a política brasileira.
No último Datafolha, o deputado André Janones
(Avante-MG) apareceu entre os cinco primeiros candidatos na pesquisa espontânea
- bem atrás de Lula e Bolsonaro, mas empatado dentro da margem de erro com
Sergio Moro e Ciro Gomes -, o que é um feito notável para um político novato,
vinculado a um partido nanico e que há apenas três anos chegou a Brasília para
o seu primeiro mandato eletivo.
Na maioria das pesquisas recentes, Janones pontua à frente de políticos muito mais experientes e conhecidos, como os ex-governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), a senadora Simone Tebet (MDB-MS) e o deputado federal Luciano Bivar (União Brasil-PE).
Esse desempenho do pouco conhecido deputado
mineiro se torna ainda mais relevante diante da repercussão das articulações
para a escolha de um candidato que represente uma “terceira via” nos últimos
meses. As prévias dos tucanos, a ascensão e queda da candidatura Moro e as
intensas negociações entre União Brasil, MDB, PSDB e Cidadania para a definição
de uma chapa única provocaram muito barulho e quase nenhum calor.
Como pode ser visto na tabela, os
presidenciáveis atuais tiveram uma exposição no noticiário condizente com os
cargos que ocupam, sua trajetória política e o peso de seus partidos. O que não
fecha é o fato de André Janones pontuar em patamar igual ou superior a vários
desses nomes diante de tão baixa cobertura midiática. Mesmo neste caderno de
Política do Valor,
que costuma ser um espaço mais equilibrado entre os candidatos (de Tebet a
Lula, os presidenciáveis atuais atingiram de 5% a 13% das menções totais, com a
exceção de Bolsonaro, que por ser presidente, aparece com 31,4%), Janones foi
citado em apenas nove matérias no último ano.
Essa ascensão do deputado novato, porém,
diz muito sobre a incapacidade dos políticos e partidos tradicionais em captar
os anseios dos eleitores e se comunicar com eles.
A breve vida política de Janones pode ser
contada por meio dos picos de buscas pelo seu nome medidos pelo Google Trends.
O interesse surge pela primeira vez em maio de 2018, quando o advogado, que
nunca havia sentado ao volante de um caminhão, começou a utilizar as redes
sociais em defesa da greve dos caminhoneiros. Alçado à condição de porta-voz do
movimento, ele soube utilizar a fama repentina para se eleger com 178.660
votos.
Logo no início do mandato, Janones ganhou
repercussão ao chamar o então presidente da Vale, Fábio Schvartsman, de
“assassino” pelo rompimento da barragem em Brumadinho numa audiência. Os outros
pontos altos em 2019 aconteceram quando classificou deputados e senadores de
“canalhas” e “vagabundos” durante a votação do projeto contra o abuso de
autoridade, o que lhe custou um processo no Conselho de Ética por quebra de
decoro.
A grande virada na popularidade de Janones,
porém, veio com a pandemia. O deputado soube construir um canal direto com a
população, produzindo vídeos sobre a votação do auxílio-emergencial, a defesa
da necessidade de sua ampliação e renovação e também explicando às pessoas como
utilizar o aplicativo da Caixa para requisitar o benefício. Numa live de
setembro de 2020 em que defendia o pagamento dos R$ 600, Janones bateu o
recorde mundial de visualizações simultâneas do Facebook.
Em abril deste ano, quando começou a
aparecer nas pesquisas, o interesse pelo deputado cresceu ainda mais quando um
trecho de uma entrevista concedida ao jornalista Roberto D’Ávila viralizou. Ao
ser indagado sobre o nome do presidente da Argentina, Janones titubeou e
respondeu “Macron”. Ridicularizado nas redes, Janones se defendeu dizendo que
poderia não conhecer os líderes mundiais, mas que seria o único presidenciável
a saber de cor o preço dos produtos da cesta básica.
Assumindo essa função de “fiscal do povo”,
apresentando projetos relacionados a benefícios sociais e mantendo firme o
discurso contra a corrupção, Janones criou uma conexão com o eleitorado por
meio das redes sociais. O deputado tem hoje 8 milhões de seguidores no Facebook
e 2 milhões no Instagram, números equivalentes aos de Lula (9,8 milhões,
somadas as duas plataformas). De acordo com o Monitor da agência Núcleo, suas
postagens, não raro, superam o alcance das publicações de Bolsonaro, líder
disparado em engajamento digital entre os políticos brasileiros.
Enquanto os candidatos que se apresentam
como “terceira via” se perdem em articulações políticas tramadas a portas
fechadas, André Janones faz uma ligação direta com o eleitorado pelas redes
sociais falando o que o povo quer ouvir. Pode-se (e deve-se) criticar o
conteúdo simplista de suas ideias, mas é inegável que ele consegue captar muito
melhor demandas e crenças da população que não estão contemplados nos discursos
dos candidatos tradicionais, genéricos e vazios para a maioria das pessoas.
A classe política brasileira não aprendeu
nada com Enéas, Bolsonaro e Janones.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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