É preciso atrair a oposição democrática
Em 1931, o governo de Getúlio Vargas respondeu à queda nas exportações comprando e queimando o café que sobrava, mas não criou um mercado interno. Quase cem anos depois, o governo Lula acerta nas medidas conjunturais, mas errará se não olhar para o futuro além do tarifaço: o caminho é atrair as lideranças da oposição democrática na construção de um pacto pelo mercado interno. Talvez agora, enfim, possamos corrigir a falha histórica que brotou com a escravidão, a chaga que nos humilhava: o desprezo pela demanda potencial de nosso imenso contingente populacional. Embora o PIB brasileiro seja pouco dependente das exportações, ele fica limitado em decorrência do consumo interno restrito à pequena parte da população com renda suficiente. No máximo, 30% dos 210 milhões têm o necessário poder de compra para tornar a economia dinâmica e sustentável.
O tarifaço de 2025, imposto por Donald Trump,
exige táticas imediatas de mitigação das perdas — ampliação e diversificação de
nossas exportações; medidas fiscais e financeiras de apoio aos setores
exportadores —, mas também uma estratégia de expansão do mercado interno, até
que alcance a totalidade da população. Para tanto, é necessário sairmos de duas
armadilhas atávicas: a renda média baixa e a elevada concentração da renda
social. Isso requer um pacto nacional para quebrar o burocratismo e o
protecionismo que emperram a eficiência, assegurar estabilidades jurídica,
fiscal e monetária, formar um Estado eficiente livre do populismo eleitoral,
abrir a economia ao comércio internacional e, sobretudo, qualificar a população
para enfrentar os desafios técnicos, culturais e políticos da
contemporaneidade.
“É impossível dar o salto que o Brasil
necessita com 10 milhões de adultos analfabetos plenos”
Assim como era
impossível aumentar a produtividade e distribuir renda em um sistema
escravocrata, hoje é impossível dar esse salto com 10 milhões de adultos analfabetos
plenos e mais de 100 milhões que, mesmo sabendo ler, permanecem sem
conhecimento para enfrentar os desafios da economia moderna. O tarifaço,
portanto, exige medidas urgentes — que o governo já está adotando, assim como
em 1931 comprava e queimava café —, mas nos alerta para a necessidade de
diversas reformas estruturais e, sobretudo, para não mais adiar a garantia de
uma educação com qualidade e equidade, capaz de preparar todos os brasileiros
para as exigências do mundo moderno: falar e escrever bem o idioma português;
ser fluente em pelo menos um dos idiomas usados internacionalmente; conhecer os
fundamentos da matemática, ciências, geografia, história, artes; debater com
competência os principais temas atuais; saber usar as ferramentas digitais; dispor
de pelo menos um ofício que permita emprego e renda; adquirir solidariedade com
os vizinhos, com a humanidade e com a natureza; ser capaz de obter educação
continuada até o final da vida nestes tempos de incertezas e rápida mutação, se
quiser disputar vaga em curso superior de qualidade em condições iguais com
todo brasileiro, independentemente da renda e do endereço.
Além da prisão atávica de limitar o futuro do
país ao curto prazo da conjuntura econômica, o que nos impede de construir o
pacto pelo mercado interno do tamanho do Brasil é não reconhecermos a
relevância da educação de base para toda a população. Sem isso, a produtividade
não cresce, a renda não se distribui, andamos para trás — à mercê de ameaças
como o tarifaço de Trump.
*Publicado em VEJA de 22 de agosto de
2025, edição nº
2958
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