Congresso e governo precisam esfriar os ânimos
Por O Globo
Lula e Alcolumbre têm de demonstrar
maturidade institucional na indicação de Messias ao Supremo
Já foi longe demais o embate entre Executivo
e Legislativo, deflagrado depois que o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva indicou o chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), ministro Jorge
Messias, à vaga no Supremo Tribunal Federal (STF)
aberta com a aposentadoria antecipada do ministro Luís Roberto Barroso.
Contrariado porque o senador Rodrigo
Pacheco (PSD-MG) foi preterido na indicação, o presidente do
Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), desde o primeiro momento tentou criar problemas
para o governo.
Assim que Messias foi anunciado, o Congresso aprovou uma pauta-bomba com custo bilionário para as contas públicas e derrubou vetos presidenciais necessários, tomando decisões flagrantemente deletérias para o Brasil. Em retaliação, temeroso de não reunir a tempo os 41 votos necessários à aprovação de Messias no plenário, o Planalto não enviou ao Senado a mensagem de praxe oficializando a indicação, forçando Alcolumbre a cancelar a sabatina que marcara para a semana que vem.
Ora, indicar ministros ao STF é prerrogativa
constitucional do presidente da República. O papel do Senado não é menos
importante: questionar o candidato para avaliar se tem condições de ocupar o
cargo, de acordo com as exigências constitucionais (reputação ilibada e notório
saber jurídico). Agora, Alcolumbre ameaça demorar meses para pautar a data da
sabatina, como fez quando Jair Bolsonaro indicou o ministro André Mendonça,
outro nome que lhe desagradava. Seria uma manobra nefasta, sob qualquer ponto
de vista. O presidente do Senado não pode deixar suas inclinações e
preferências pessoais interferirem em seus deveres. E o Supremo não pode ficar
manco por um capricho, como ficou depois da indicação de Mendonça.
É preciso que todos recobrem a razão e
demonstrem maturidade institucional. Primeiro, Lula precisa enviar ao Senado a
mensagem com a indicação de Messias, de resto já anunciada e publicada no
Diário Oficial. Em seguida, Alcolumbre deve marcar a sabatina dando
oportunidade para que o postulante se apresente aos senadores, mas sem se
preocupar com o efeito que isso possa ter na estratégia de qualquer grupo
político.
Ele mira no Executivo, mas quem perde são os
brasileiros. A mais alta Corte do Brasil não pode ficar desfalcada em razão de
embates políticos. E, sobretudo, Alcolumbre não deveria pautar projetos e
votações desprovidos de lógica e responsabilidade para retaliar o governo —
como o aprovado por unanimidade pelo Senado na semana passada autorizando
aposentadoria especial a agentes de saúde e combate a endemias ou a derrubada
dos vetos de Lula às regras de licenciamento ambiental e ao refinanciamento das
dívidas estaduais.
Messias é advogado, mestre e doutor em
Direito pela Universidade de Brasília. Não tem histórico de atropelo da lei à
frente da AGU e tem demonstrado enorme capacidade de articulação na atuação em
favor dos interesses do governo. No Supremo, tem bom relacionamento com todos
os ministros, inclusive os indicados por Bolsonaro. Sua indicação merece
respeito, assim como a de Pacheco também mereceria. E a sabatina deve ser
técnica. Acima de tudo, é preciso acabar com o clima belicoso entre Legislativo
e Executivo causado por interesses pessoais que passam ao largo do interesse
nacional.
Diálogo de Lula e Trump pode ajudar a desarmar impasse na Venezuela
Por O Globo
Presidentes concordaram em ação conjunta
contra narcotráfico, pretexto usado por americanos contra Maduro
O novo telefonema do presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump,
é mais um sinal do bem-vindo estreitamento de relações entre os dois. Durante a
conversa, que durou 40 minutos, Lula voltou a pedir a revogação das tarifas
impostas a exportações do Brasil e das sanções contra autoridades brasileiras,
mas outro tema ganhou destaque: o combate ao crime organizado. O pano de fundo
é a ameaça de invasão americana à Venezuela, cujo pretexto são as acusações de
cumplicidade do ditador Nicolás Maduro com facções criminosas e cartéis do
narcotráfico.
Na agenda comercial, de acordo com o Palácio
do Planalto, Lula elogiou a decisão dos EUA de cancelar as sobretaxas de 40%
impostas a produtos como carne, café e frutas, mas ressaltou que ainda há
outros produtos cuja tarifação deveria ser rediscutida. Manifestou o desejo de
avançar rapidamente nas negociações. Não menos importante foi a conversa sobre
o combate ao crime organizado. Segundo o Planalto, Lula e Trump discutiram
atuação conjunta na área. Lula destacou a urgência de reforçar a cooperação e
citou ações recentes com o objetivo de asfixiar financeiramente organizações
criminosas, algumas operando a partir do exterior.
Trump mostrou disposição de trabalhar com o
Brasil e louvou o diálogo com Lula: “Tivemos uma conversa muito boa, eu gosto
dele, muito bom. Tivemos algumas boas reuniões, como você sabe, mas hoje
tivemos uma conversa muito boa”. Numa rede social, ele afirmou que a relação
estabelecida a partir do encontro na Assembleia Geral da ONU “preparou o
terreno para um diálogo e acordos muito bons no futuro”. E afirmou aguardar
“ansiosamente” um reencontro e nova conversa. “Muitas coisas boas virão dessa
parceria recém-formada”, concluiu.
Embora o Planalto não tenha mencionado
discussão entre os dois sobre a situação na Venezuela, o tema era inescapável.
A crise no país vizinho é questão essencial para a segurança do continente. Nos
últimos meses, os americanos aumentaram a presença militar no Caribe e fizeram
ameaças veladas de promover operações em território venezuelano. Forças
americanas têm atacado embarcações que dizem estar ligadas ao narcotráfico.
Trump e Maduro chegaram a conversar por telefone, mas não houve entendimento.
Se souber atuar diplomaticamente, o Brasil poderá vir a desempenhar papel crítico para desarmar esse impasse. São conhecidos os canais entre petistas e o governo venezuelano, embora a relação tenha se estremecido desde a fraude eleitoral que manteve Maduro no poder no ano passado. Ao mesmo tempo, apesar de Lula ter custado a abrir diálogo com Trump, o telefonema desta semana é sinal de que os ventos mudaram. Ele ter conquistado a simpatia de Trump foi um dos acertos de seu terceiro mandato. Lula deveria usar seu talento diplomático em benefício da preservação da paz no continente, apostando na saída negociada de Maduro do poder com transição para um regime democrático.
Indicação ao STF descamba para a baixa
política
Por Folha de S. Paulo
Cancelamento da sabatina de Messias resulta
de disputa mesquinha entre chefe do Senado e governo Lula
Haveria boas razões para o Senado rejeitar
indicados ao Supremo agora e sob Bolsonaro, mas não foram nem são elas as
levadas em conta
Quando se trata uma indicação para o Supremo
Tribunal Federal como o preenchimento de mais um cargo de confiança do
governante, uma consequência esperável é que também sua tramitação reproduza
práticas rasteiras do varejo político. É o que ocorre agora.
Assim como Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
explicita a preferência
por aliados e auxiliares diretos —sendo Jorge Messias o
nome da vez— nas escolhas para a mais alta corte do país, o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União Brasil),
tampouco se constrange em reivindicar o posto para um colega e seu antecessor,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A disputa chegou a níveis vexatórios. Na
terça-feira (2), Alcolumbre
cancelou a sabatina de Messias que marcara para o próximo dia
10 na Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) do Senado, em decisão resultante de uma sucessão de fofocas e
picuinhas digna de eleição de condomínio.
Diz-se em Brasília que a data fora escolhida
de modo a não dar tempo suficiente para que o indicado vencesse resistências
entre os parlamentares; em aparente reação, o Palácio do Planalto não enviou à
Casa legislativa a papelada da indicação. Alcolumbre pretendia levar adiante o
processo mesmo assim, mas capitulou.
O atual chefe do Senado é reincidente na
pretensão de instalar alguém de seu agrado no Supremo. Quando ocupava o mesmo
posto no governo Jair
Bolsonaro (PL), retardou por mais de
quatro meses a sabatina de André Mendonça, ao fim aprovado, por preferir Augusto Aras,
de triste passagem pelo comando da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Ora, é papel da Casa, definido pela
Constituição, escrutinar os indicados pelo presidente da República ao STF e
deliberar se preenchem os requisitos de reputação ilibada e notável saber jurídico.
Haveria boas razões para rejeitar tanto Mendonça como Messias —escolhidos por
fidelidade ao chefe, não pelo currículo jurídico. Mas não foram nem são elas as
levadas em conta.
O que se vê é tão somente um embate de
poderes —com letra minúscula. Busca-se uma cadeira no Supremo como se faz com
cargos em ministérios e estatais, à base de barganhas e represálias, e
naturalmente esperando a colaboração futura do agraciado.
A essa peleja mesquinha não se furtam nem
mesmo ministros da corte que, conforme se noticia amiúde, defendem este ou
aquele candidato em jantares brasilienses, inclusive com o próprio Lula. É mais
uma conduta imprópria da parte de magistrados que deveriam dar exemplo de equilíbrio,
discrição e autocontenção.
Com protagonismo crescente nos últimos anos,
o STF cometeu
e comete não poucos erros e excessos, mas mostrou independência e
altivez em julgamentos como os do mensalão e da condenação de Bolsonaro por
tentativa de golpe de Estado. Enfraquecê-lo em nome de interesses políticos de
ocasião é um retrocesso duradouro na institucionalidade democrática do país.
Itamaraty às escuras
Por Folha de S. Paulo
Ao expandir o uso de sigilo, ministério
contraria princípio da transparência e promessa eleitoral de Lula
Há situações em que o segredo é necessário,
mas o princípio geral tem de ser a publicidade, e exceções devem ser muito bem
justificadas
Uma das promessas de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
na campanha de 2022 foi restringir o sigilo imposto a informações sensíveis.
"Vou revogar todos os decretos de sigilo de cem anos", declarou na
época.
Após assumir o governo, ele até retirou o
segredo sobre alguns documentos relativos a atos de Jair
Bolsonaro (PL) e seus protegidos, mas
não demorou a recair nos mesmos vícios pelos quais recriminava seus opositores.
Sob direção do petista, tornaram-se
sigilosas, em princípio por cem anos, informações sobre a agenda da
primeira-dama e a declaração de conflito de interesses do ministro de Minas e
Energia, Alexandre
Silveira.
Agora, o ministro das Relações
Exteriores, Mauro Vieira,
publicou uma portaria que permite à
pasta expandir o uso do sigilo e proibir a divulgação de
documentos e dados mesmo sem ato formal de classificação. Trata-se de um drible
ao espírito e à
letra da Lei de Acesso à Informação (LAI), sancionada em 2011.
Se a portaria não for revogada nem anulada
pela Justiça, o Itamaraty poderá
negar o acesso de cidadãos a documentos sem nem sequer apresentar
justificativa. Ademais, a norma infralegal também cria categorias não previstas
na LAI para lançar papeis oficiais na escuridão.
Há certas situações em que o sigilo é
necessário, quando a transparência pode levar agentes públicos à inação ou a
tomar decisões erradas por medo da exposição. A regra geral, contudo, tem de
ser a publicidade, e as exceções precisam ser muito bem justificadas segundo
regras fixas padronizadas —é o que faz a LAI.
Por óbvio, nenhuma norma resiste a más
intenções dos funcionários encarregados de fazer com que seja cumprida. O
problema de fato do sigilo nem é tanto o tempo pelo qual ele pode ser mantido,
mas os subterfúgios de que gestores se valem para negar requisições de acesso.
Ninguém contesta que é necessário proteger
dados particulares de cidadãos, principalmente daqueles que não ocupam funções
públicas, como preveem a LAI e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)
de 2018.
Mas daí não se segue que qualquer documento
que mencione uma pessoa natural deva automaticamente receber proteção por cem
anos, como vêm fazendo sucessivos governos.
O Itamaraty é reincidente. Diplomatas, até mais do que o Exército, demandam, desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que "segredos de Estado" se perenizem. Não se pode, porém, privar uma sociedade de conhecer sua própria história.
Uma decisão teratológica de Gilmar Mendes
Por O Estado S. Paulo
Ao cassar o direito de todo cidadão de pedir
o impeachment de ministros do STF, o decano se antecipa a uma nova correlação
de forças no Senado, com o evidente propósito de blindar a Corte
O ministro Gilmar Mendes acolheu liminarmente
o pedido formulado pelo Solidariedade e pela Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB) em duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs)
para que só a Procuradoria-Geral da República (PGR) possa apresentar pedido de
impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao cassar a
legitimidade de todo cidadão para denunciar, perante o Senado, ministros da
Corte e o próprio procurador-geral por crimes de responsabilidade, o decano não
apenas contorceu a Lei 1.079/50, a chamada Lei de Impeachment, como obliterou,
sozinho, uma sistemática jurídica que, ao longo de 75 anos, atravessou três
Constituições e jamais fora questionada.
A Lei de Impeachment é explícita em seu art.
41: o oferecimento de denúncia contra ministros do STF e o procurador-geral da
República “é permitido a todo cidadão”. Era assim desde 1950 – até ontem. A lei
seguiu incólume pelas Constituições de 1946, 1967 e 1988. Jamais houve dúvida
sobre sua recepção pela ordem constitucional vigente. Trata-se de um arcabouço
legal consolidado e, ademais, coerente com a lógica republicana que confere ao
Senado a prerrogativa de exercer o controle externo de autoridades de altíssima
relevância institucional – como são o presidente da República, os ministros do
STF e o chefe do Ministério Público Federal – a partir do escrutínio de
denúncias oferecidas contra elas por qualquer do povo.
O argumento central do Solidariedade e da AMB,
segundo o qual a Carta de 1988 não teria recepcionado dispositivos da Lei
1.079/50 relativos ao impeachment de ministros do STF, é juridicamente fraco e
politicamente conveniente. Essa súbita “urgência” fabricada em setembro, quando
as ADPFs 1.259 e 1.260 foram propostas, chega justamente na quadra histórica em
que o Supremo mais tem recebido críticas por condutas potencialmente
indecorosas, quiçá ilegais, de alguns de seus ministros. Esse liame temporal é
incontornável. Nesse sentido, a liminar de Gilmar Mendes expressa mais uma
reação corporativista do que uma preocupação genuína do decano com o
aprimoramento institucional do País.
A crise de confiança que conspurca a imagem
do STF tem duas raízes distintas. De um lado, a desabrida campanha de deslegitimação
impulsionada por inimigos declarados do Estado Democrático de Direito, alguns
dos quais já condenados e presos por tentativa de golpe. De outro, a própria
Corte contribuiu para seu desgaste ao tolerar entre os seus integrantes
comportamentos em tudo incompatíveis com a dignidade da magistratura. Os
exemplos pululam: usurpação de competências de outros Poderes, afrontas à Lei
Orgânica da Magistratura Nacional, presença em convescotes com empresários
regados a conflitos de interesses, manutenção de atividades privadas
inadequadas à função de juiz, entre tantos outros.
Nada disso diz respeito ao chamado “crime de
hermenêutica”, como alegam os autores das ADPFs. Não há uma vírgula na Lei
1.079/50 que sequer sugira que um ministro do STF é passível de impeachment
pelo teor de suas decisões. Trata-se, isso sim, de responsabilizá-lo por
eventuais atos que violem a lei, a ética republicana, o decoro e a dignidade do
cargo.
Contam-se às centenas os pedidos de
impeachment formulados por cidadãos comuns contra ministros do STF desde 1988.
Nenhum foi aceito. Ou seja, o Senado tem cumprido com prudência – talvez até
excessiva – sua missão constitucional de escrutinar as denúncias, justamente
para não permitir abusos ou a “instrumentalização” de que fala Gilmar Mendes em
sua decisão. Isso tanto prova a maturidade institucional do Senado, como
autoriza a suspeita de que haveria uma espécie de arranjo entre o STF e os
autores das ADPFs com o objetivo de blindar os ministros na próxima
legislatura, quando a oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva espera
ter a maioria do Senado. Tão teratológica é a liminar do sr. Mendes que não se
pode condenar aqueles que veem sua decisão sob esse prisma.
O impeachment de um ministro do Supremo é
indesejável e traumático. Mas está previsto em lei. É um instrumento
excepcional, reservado a hipóteses igualmente excepcionais. Seu eventual uso
cuidadoso não ameaçará os pilares da República. Ao contrário, reafirmá-los-á,
ao mostrar que, no Brasil, não há poderes absolutos.
Produtividade desafia a indústria
Por O Estado de S. Paulo
Estudo da FGV mostra queda de 23% da
produtividade por hora trabalhada em 30 anos, sinal da dificuldade da
manufatura nacional em acompanhar ritmo de evolução da indústria 5.0
Três décadas atrás, em 1995, o setor
manufatureiro – conhecido como indústria de transformação, por converter
matéria-prima em equipamentos e bens de consumo – registrava produtividade 78%
acima da média geral da economia brasileira. Entre avanços e recuos, a
distância encurtou e, no ano passado, o nível de produtividade da indústria de
transformação estava apenas 9% superior ao resultado geral. Não seria uma
notícia ruim, se indicasse uma melhoria profunda e geral da eficiência na
produção brasileira, mas a realidade é que o parque fabril vem perdendo fôlego.
Levantamento do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), publicado pelo jornal Valor, compara o nível de
produtividade de 1995 (R$ 58,8 por hora trabalhada) com o de 2024 (R$ 45,3)
para concluir que essa relação despencou 23%. Não é uma regra geral na
economia. Na agropecuária, que vem liderando investimentos em pesquisa e
tecnologia, o valor de R$ 7,5 por hora trabalhada aumentou para R$ 40,6 entre
1995 e 2024.
O estudo foi feito em abril deste ano, mas
dados desagregados e atualizados pela economista Silvia Matos, do FGV Ibre,
mostram que a situação continua muito ruim, com desempenho satisfatório apenas
no agro, que elevou a produtividade em 14,2% no primeiro semestre deste ano em
relação ao mesmo período do ano passado. Foi o que garantiu o saldo positivo,
ainda que insignificante, de 0,2% no total.
A fragilidade da indústria nacional com a
perda de competitividade e produtividade tampouco é generalizada. Há exceções
com tecnologia de ponta em linhas de produção, mas, na média, os dados mostram
que o Brasil está ficando para trás. Diante dos dados recentes do IBGE, que
mostram o rápido envelhecimento da população e o fim do bônus demográfico –
quando a proporção de pessoas ativas na economia começa a perder espaço para os
inativos –, o País precisa elevar de forma vigorosa a produtividade, assim como
necessita de ajuste na Previdência e de investimento educacional em
qualificação.
Com rapidez o mundo troca a recente “Indústria
4.0”, ou quarta revolução industrial, marcada pela integração de tecnologias
digitais, pela moderníssima “Indústria 5.0”, focada na “humanização” da
automação, que busca potencializar a criatividade humana tendo a seu serviço a
tecnologia. Mas o Brasil ainda engatinha no uso de conceitos já amplamente
disseminados como a internet das coisas, a inteligência artificial e a robótica
avançada das chamadas “fábricas inteligentes” e está demorando a incorporar de
forma ampla as tecnologias digitais.
Cabe, aqui, ressaltar que se trata de avanços
que demandam investimentos pesados e consistentes, do tipo que precisa de um
ambiente de negócios seguro para existir. Nenhum grande empreendedor privado se
arrisca a alocar capital de bilhões num país desprovido de garantias
regulatórias sólidas, segurança jurídica e situação econômico-fiscal
minimamente previsível. Qualquer cenário duvidoso é suficiente para afastar o
capital, e nesse quesito a economia brasileira tem dado margem a muitas
dúvidas.
De outro lado, a cultura protecionista,
continuamente cultivada, é mais um empecilho ao avanço tecnológico industrial.
Políticas setoriais, com subvenções desnecessárias ou intervenção excessiva do
Estado – que não são exclusividade do lulopetismo, mas aumentam sensivelmente em
gestões do PT –, vão na contramão da competitividade.
Elevar a produtividade é produzir mais com
menos, além de melhorar a qualidade dos produtos. Não é apenas uma forma de
garantir mais competitividade às empresas, mas também de aumentar a renda per
capita, de forma duradoura, pelos próximos anos.
Neste ano o Brasil perdeu duas posições no
Índice Global de Inovação (IGI), ficando em 52.º lugar entre 139 países
avaliados, de acordo com a classificação divulgada pela Organização Mundial da
Propriedade Intelectual (Ompi) em parceria com a Confederação Nacional da
Indústria (CNI). Deixou a liderança na América Latina, superado pelo Chile. É
uma amostra de que a inovação é hoje um dos principais desafios para o País.
A infância livre da aids
Por O Estado de S. Paulo
Eliminação da transmissão do HIV de mãe para
bebê prova a força de uma política de Estado
O Brasil acabou de eliminar a chamada
transmissão vertical do HIV. Significa dizer que o vírus causador da aids
praticamente não é mais transmitido de mãe para filho, seja na gestação, no
parto ou na amamentação. Segundo o Ministério da Saúde, a taxa de transmissão
vertical ficou abaixo de 2%, e a incidência da infecção não superou 0,5 caso
por mil nascidos vivos em 2024. Sob qualquer perspectiva, os dados apresentados
pelo governo federal em 1.º de dezembro, o Dia Mundial de Luta contra a Aids,
são extremamente animadores. E tais números não são obra do acaso ou fruto da
natureza.
Essa conquista da saúde pública brasileira é
mais um valoroso capítulo da bem-sucedida história do programa de prevenção,
combate e tratamento do HIV e da aids, que fez do Brasil uma referência
internacional. Não é de hoje que os entes das três esferas da Federação somam
forças para vencer essa doença que ainda está em estágio epidêmico e, desde os
anos 1980, ceifa vidas mundo afora. A União, os Estados e os municípios,
independentemente do credo político, mantêm firme no horizonte do Brasil o
objetivo de erradicar o HIV e a aids.
Prova disso é que já em 2019 São Paulo tinha
sido reconhecida como a primeira cidade do seu porte no mundo a erradicar a
transmissão vertical. Trata-se de um feito local e tanto, que hoje, como um
legado, espalhou-se por todo o País. E, não menos importante, houve também ao
longo dessas décadas a queda no número de mortes por aids, que, no ano passado,
ficou em 9,1 mil óbitos, abaixo de 10 mil pela primeira vez em 30 anos.
Tudo isso é resultado de políticas públicas
de saúde que começaram a ser implementadas no governo de Fernando Henrique
Cardoso, com a distribuição dos coquetéis antirretrovirais, passaram pelos
sucessivos governos do PT, de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, e culminam
agora na boa notícia da eliminação da transmissão vertical e da redução de
mortes pela aids. Portanto, são todas vitórias do Sistema Único de Saúde (SUS)
como uma política de Estado, e não uma política de governo.
Soma-se a determinação dos profissionais de
saúde e da ciência brasileiros, que enfrentaram, e ainda enfrentam, mas
sobretudo combatem, os estigmas e os preconceitos. A eliminação da transmissão
vertical reflete, portanto, o empenho de autoridades sanitárias, médicos,
pesquisadores, enfermeiros e agentes de saúde que se engajaram nas últimas
décadas na luta contra o HIV e a aids. Pois foi a dedicação desses
trabalhadores do SUS que garantiu que o Brasil atingisse a marca de 95% de
cobertura de pré-natal, testagem para o HIV e oferta de tratamento para as
gestantes.
Assim, as crianças brasileiras nascerão livres do vírus causador da aids. A Organização Mundial da Saúde (OMS) deve conceder em breve a certificação a que o Brasil tem direito. Tamanho reconhecimento aumentará a esperança de vitória sobre a doença, e esse exemplo de política pública bem concebida, executada e perene do SUS poderá servir ainda de inspiração para outras áreas.
Ofensiva de Trump contra Maduro traz desafios
ao Brasil
Valor Econômico
O presidente Lula defende, corretamente, que
a solução para eventuais conflitos deve contemplar exaustivas negociações
diplomáticas
A pressão econômica, política e militar que
os Estados Unidos vêm exercendo contra a Venezuela ninguém sabe até onde vai,
mas ela coloca sob grave tensão a política externa brasileira, que, no caso
venezuelano, até recentemente, foi a de acobertar os desmandos da ditadura de
Nicolás Maduro. O presidente Lula defende, corretamente, que a solução para
eventuais conflitos tem de passar longe de confrontos armados e contemplar
exaustivas negociações diplomáticas. Essa posição foi transmitida por Lula a
Trump em conversa telefônica realizada na terça-feira.
Desde que reassumiu, Trump retomou a política
de pressão total contra a Venezuela, com medidas econômicas e políticas contra
o regime — e ações controversas. Foram criadas ou reforçadas sanções contra o
país e suas autoridades. O presidente americano chegou a ameaçar sobretaxar
produtos de países que comprassem petróleo venezuelano.
Mas desta vez Trump acrescentou uma nova
ferramenta de pressão. Os EUA mobilizaram no entorno da Venezuela o maior
contingente militar no continente desde a invasão do Panamá, em 1989. Há uma
frota naval, liderada pelo maior porta-aviões americano, aviões de combate e
cerca de 15 mil soldados. O objetivo declarado dessa mobilização é combater o
tráfico de drogas, uma das prioridades de seu governo e que conta com amplo
apoio nos EUA. Trump designou grupos narcotraficantes como terroristas e disse
que os EUA estão em guerra contra o tráfico.
Mas Trump prefere escolher os inimigos. Ao
mesmo tempo em que ameaça intervir na Venezuela, ele indultou e libertou o
ex-presidente de Honduras Juan Hernández, condenado nos EUA por tráfico de
drogas — estima-se que tenha colocado 500 toneladas no mercado do país em 20
anos, segundo reportagem da agência de notícias AP.
Por ora, a força militar vem se engajando em
ataques contra barcos que estariam transportando drogas em águas
internacionais, em ações ilegais pelo direito internacional. O governo Trump
não mostrou evidências de que esses barcos estariam mesmo transportando drogas.
Mesmo que estivessem, a política de destruí-los sem direito de defesa é no
mínimo contestável. Em ao menos um caso, um barco com um pescador colombiano,
foi atingido. Além disso, a ordem dada pelo Pentágono para um segundo ataque
contra sobreviventes náufragos viola as leis de guerra.
O governo venezuelano diz que essa operação
antidrogas é um disfarce e que o objetivo da mobilização é derrubar o
presidente Nicolás Maduro. Os EUA acusam o governo venezuelano de liderar um
cartel do narcotráfico. A Venezuela tem hoje um governo ditador, é fato, mas,
segundo especialistas, a participação do país no fornecimento de drogas para o
mercado americano é pequena.
Os EUA ofereceram uma recompensa pela captura
de Maduro. Trump autorizou operações secretas em terra na Venezuela e deu um
ultimato para Maduro deixar o país, que não foi aceito. Por fim, anunciou na
semana passada, em sua rede Truth Social, o fechamento do espaço aéreo da
Venezuela e ameaçou ataques. Não há detalhes sobre esse fechamento, mas as
principais companhias aéreas estão evitando sobrevoar o país, o que afeta o
Brasil.
A pressão de Trump parece estar orientada a
estimular líderes militares venezuelanos a derrubar Maduro. Especialistas
afirmam que, apesar de ter elevado o poder de fogo, a mobilização militar no
Caribe carece do número de soldados necessários para a invasão do país. Mas
pode bastar para convencer parte da cúpula militar venezuelana a se rebelar. Se
conseguir fomentar um golpe, Trump pode encerrar o regime chavista sem disparar
um tiro.
O governo brasileiro condena as sanções e as
ameaças contra a Venezuela. Uma intervenção “pode incendiar a América do Sul” e
levar à “radicalização da política em todo o continente”, disse em outubro
Celso Amorim, assessor de Lula e principal formulador da política externa para
a América Latina. A intervenção externa, porém, já vem ocorrendo, com a
presença de assessores militares russos e cubanos na Venezuela, em apoio ao
regime de Maduro. A radicalização da política foi realizada por aqueles que
acabaram com a democracia venezuelana.
O apoio, por vezes explícito, hoje mais
velado, do governo Lula à Venezuela e outras ditaduras na América Latina é o
lado mais sombrio da política externa do petista. Esse apoio tem um elevado
custo político e eleitoral interno para Lula e o PT, e já indispôs o presidente
brasileiro com outros líderes esquerdistas da região, como o presidente
chileno, Gabriel Boric, e o ex-presidente uruguaio José Mujica.
Após a fraude das eleições de 2024, o governo brasileiro não reconheceu sua vitória, mas evita criticá-lo. Mas a posição brasileira contra soluções de força não apenas é a adequada em relação às leis como uma declaração de princípios: os EUA não têm direito de atacar qualquer país porque seu presidente assim bem entendeu. A omissão abriria precedente para outras ações americanas em um continente repleto de tristes memórias dessas intervenções em décadas passadas.
Ódio sem limite contra as mulheres
Por Correio Braziliense
Os recentes casos de violência de gênero que
chegaram ao noticiário nacional não deixam dúvidas da existência de um ódio
crescente contra as mulheres no país, confluindo para um cenário de perigosa
normalização das atrocidades
Baleadas na cabeça, Allane Matos e
Layse Pinheiro foram mortas na escola em que trabalhavam por um colega
conhecido pela misoginia e agressividade. O pedagogo João Antônio Ramos havia
instalado uma rotina de medo e ameaça para a diretora, a psicóloga e outras
funcionárias do Cefet Maracanã, no Rio de Janeiro. Entrou armado no campus na
última sexta-feira, executou as mulheres e se matou em seguida.
Um dia depois, Isabelle de Macedo, grávida, e
os outros quatro filhos foram mortos dentro de casa, consumida por um incêndio
que se alastrou pela comunidade de Nova Caxangá, em Recife. As investigações
indicam que o marido da vítima, conhecido por práticas corriqueiras de
violência de gênero, ateou fogo no local e fugiu. O suspeito está preso.
Assim como Douglas Alves da Silva, acusado de
ter atropelado propositalmente Tainara Souza Santos e arrastado seu corpo por
mais de um 1 quilômetro, também no sábado, na Vila Maria, em São Paulo. Douglas
teria ficado com raiva ao vê-la conversando com outro homem na porta de um bar.
Em razão da brutalidade sofrida, Tainara teve as duas pernas amputadas.
Os recentes casos de violência de gênero que
chegaram ao noticiário nacional não deixam dúvidas da existência de um ódio
crescente contra as mulheres no país, confluindo para um cenário de perigosa
normalização das atrocidades. Não à toa especialistas alertam para uma prática
disseminada de extermínio de mulheres e autoridades ressaltam os riscos da
banalização de crimes do tipo.
Dados do mais recente Anuário Brasileiro de
Segurança Pública indicam que, em 2024, houve um recorde de número de
feminicídios desde o início da tipificação do crime, em 2015. Ao longo dos 12
meses, 1.492 mulheres foram vítimas, o equivalente a quatro mortes por dia.
Números parciais de 2025 sinalizam patamares ainda piores. São 207 casos no
estado de São Paulo nos 10 primeiros meses deste ano, contra 191 no mesmo
período de 2024. No Distrito Federal, há o registro de 25 crimes do tipo desde
janeiro, contra 22 no ano passado. Rio Grande do Norte, Mato Grosso do
Sul e Paraíba enfrentam situação semelhante.
Durante cerimônia que marcou os 20 anos do
Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, na terça-feira, as ministras Márcia
Lopes (das Mulheres), Anielle Franco (da Igualdade Racial) e Esther Dweck (da
Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) reforçaram a urgência da adoção de
ações concretas de enfrentamento à violência de gênero. "Enquanto
normalizarmos e naturalizarmos o ódio contra aquelas que mais sofrem neste
país, não teremos o projeto político de país no qual acreditamos", afirmou
Anielle.
O caminho é longo, indica a primeira
avaliação do Plano de Ação para o Pacto Nacional de Prevenção do Feminicídio.
Divulgado na sexta, o documento indica que a iniciativa criada em 2023 enfrenta
obstáculos como a baixa execução das medidas, dificuldades de articulação entre
governos federal, estaduais e municipais, além de persistência de falhas graves
no atendimento às vítimas. Para se ter uma ideia, constatou-se que cerca de 80%
dos profissionais da ponta desconhecem conceitos básicos sobre violência de
gênero e unidades da Federação sequer executaram verbas destinadas à construção
de estruturas de suporte, como a Casa da Mulher Brasileira.
A inação faz parte da engrenagem que tira a vida das mulheres brasileiras todos os dias. Sem uma mobilização que envolva agentes públicos, a sociedade civil, escolas, igrejas, estudiosos, não se alteram estruturas que sustentam um ciclo prolongado de violência que tem o feminicídio como estágio crônico. A crueldade também está na omissão, e esta, sim, precisa ser extirpada.
Por que a violência cresce nas escolas?
Por O Povo (CE)
É urgente a necessidade de encontrar um
caminho para fazer a escola voltar a ser segura e acolhedora, e não sinônimo de
um espaço hostil
Ataques dentro de escolas, até há
pouco tempo, eram praticamente inexistentes no Brasil. No entanto,
infelizmente, agressões praticadas por alunos ou ex-alunos tornam-se cada vez
mais frequentes, assustando pais e educadores.
Registros verificados pela associação Dados
para um Debate Democrático (D3e), divulgados na edição desta quarta-feira do O
POVO, mostram que aconteceram 42 ataques de violência extrema nas
escolas brasileiras entre 2001 e 2024. Com um destaque importante: 64,2% (27
episódios) ocorreram nos últimos dois anos.
Estudos do DataSUS, da ONG Sou da Paz e
do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania confirmam o aumento de
ataques, especialmente em períodos mais recentes. No Ceará, levantamento do O
POVO anotou quatro agressões entre 2022 e 2025.
Outro mal que cresce perigosamente nas
escolas é o bullying e o cyberbullying, estímulos para a violência física.
Segundo a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, mais de 2,3 mil denúncias de
bullying em instituições de ensino foram registradas em 2024, aumento de 67% em
relação ao ano anterior.
Informações do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública mostram também aumento significativo nas postagens com ameaças contra
as escolas nas redes sociais. A pesquisa verificou discursos de ódio nas
principais redes sociais utilizadas no Brasil, registrando crescimento de 360%
nas postagens contendo ameaças contra unidades educacionais, entre 2021 e 2025.
A organização Sou da Paz identificou que os
ataques revelaram evidências de um processo de radicalização de jovens usuários
de plataformas digitais, sugerindo a regulamentação das redes para
responsabilizar as plataformas pela falta de moderação.
Segundo os especialistas, a violência
nas escolas é multifacetada, não tendo uma causa única, influenciando fatores
familiares, escolares, emocionais, psicológicos e sociais. O aluno, portanto,
tem de ser visto em sua integralidade.
Essa complexidade tem de ser considerada ao
se examinar o ataque praticado por um estudante de 15 anos a outro aluno da
mesma idade, na unidade Sul do colégio Christus. Com uma lâmina, ele desferiu
mais de dez golpes no colega, segundo o pai da vítima. Também foram
feridos uma coordenadora e um professor, que tentaram parar as agressões.
Segundo informações da escola, nenhuma das vítimas corre risco de vida.
Sem descartar a responsabilização do agressor
pelo ato infracional — o que será examinado pela Justiça —, é preciso chegar
às causas estruturais que levam a essa grave deterioração no ambiente
escolar.
É urgente a necessidade de encontrar um caminho para fazer a escola voltar a ser segura e acolhedora, e não sinônimo de um espaço hostil. Essa é uma tarefa que cabe não somente às autoridades governamentais, mas também aos pais, educadores e a toda a sociedade.

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