O Estado de S. Paulo
Há uma tarefa primordial: fortalecer,
reestruturar e reorientar as agências reguladoras, resgatando sua proposta
original
O episódio dos Correios é a parte mais
visível de um problema maior. A ideia de um Estado empresário, como regra
geral, que comanda atividades de produção de bens e de prestação de serviços,
precisa ser revista.
A dívida pública atingirá níveis próximos a
85% do Produto Interno Bruto (PIB), até o final de 2026, muito acima da média
dos países comparáveis. Os prejuízos acumulados por diversas empresas estatais
alimentam esse quadro de fragilidade e de alto risco fiscal.
O problema dos Correios, por exemplo, não é novo. O setor de logística modernizou-se, novas empresas entraram no jogo e a estatal parou no tempo. Além disso, pratica-se uma política de pessoal questionável; não se sustenta. Os números informados pela própria companhia nos seus balanços contábeis e em relatórios de administração atestam essa conclusão.
O uso de estatais para acomodações políticas
é outra prática que já deveria ter sido enterrada com os escândalos da história
recente. A verdade é que a atividade empresarial do Estado só deve ser uma
alternativa na ausência de interesse ou capacidade do setor privado ou, ainda,
em situações específicas, que envolvam exploração de áreas e recursos
estratégicos. Tem de ser a exceção, não a regra.
Em relatório comandado pelo economista Josué
Pellegrini e publicado aos nossos clientes, na Warren Investimentos, mostramos
que há 122 empresas estatais federais. Destas, 44 empresas são controladas
diretamente pela União, das quais 17 são consideradas dependentes, isto é,
vivem de recursos transferidos pelo Tesouro.
O saldo líquido das empresas estatais não
dependentes é negativo. Se excluídas a Petrobras e as instituições financeiras,
há 20 empresas estatais não dependentes. A União realizou, nos últimos cinco
anos, aportes de R$ 7 bilhões, mas recebeu apenas R$ 5,2 bilhões em dividendos,
como mostramos no relatório mencionado.
No caso das empresas estatais dependentes, a
União transferiu quase R$ 30 bilhões para o conjunto dessas companhias em 2024.
Veja-se, portanto, o peso das estatais para o Orçamento geral. Na verdade,
trata-se de gastos públicos realizados por meio de empresas, com estruturas
inteiras e, em muitos casos, boa dose de ineficiência. Essa, vale dizer, é a
parte visível a olho nu, digamos.
Os Correios são considerados uma estatal não
dependente. Contudo, apresentam prejuízo e fragilidade nos indicadores
financeiros relevantes, a exemplo do próprio caixa. A busca por um empréstimo
de R$ 20 bilhões com aval da União é o sintoma mais patente. Na verdade, mostra
efetiva necessidade de capitalização, de modo que a empresa, na prática, já
vivencia uma situação de clara dependência do governo.
Ou bem se moderniza sua estrutura e se
enxugam seus gastos, para valer, reduzindo-se a ingerência política, ou o problema
só crescerá. É preciso avaliar um programa de desestatização ou de
privatização. Devese avaliar a parte que ainda tem valor de mercado e acelerar
esse processo, a partir de estudos sérios, sob pena de empurrarmos novamente o
problema com a barriga.
Argumenta-se que uma parte dos serviços dos
Correios seria inviável ao setor privado, a exemplo dos serviços postais em
cada canto do País. Pois bem, vamos, então, discutir uma nova estrutura, em que
esses serviços sejam preservados, incorporados em políticas públicas bem
desenhadas e eficientes. O que não se pode deixar é que essa questão, em
especial, continue a levar o País a ter de sustentar um mastodonte deficitário,
que pressiona a dívida pública e, portanto, toda a sociedade.
No caso do empréstimo, felizmente, temos uma
Secretaria do Tesouro Nacional eminentemente técnica, dotada de servidores
públicos e lideranças à altura do desafio de enfrentar pressões políticas para
aprovação de empréstimos não lastreados em efetivo compromisso de recuperação
da referida empresa. Espera-se que as alas políticas ouçam e sigam essa voz da
razão.
Em geral, a atividade empresarial do Estado
precisa ser amplamente reavaliada. Já avançamos bastante em transparência.
Hoje, há relatórios periódicos que permitem acessar os dados
econômico-financeiros e administrativos da maior parte das empresas estatais.
A partir dessas informações, é preciso forjar
um diagnóstico qualitativo, sob orientação das diretrizes e princípios
constitucionais que norteiam a ação do Estado. A provisão de serviços e bens
públicos de qualidade deve ser um objetivo maior, mas a eficiência, a eficácia
e a sustentabilidade fiscal não podem ser deixadas de lado, como, muitas vezes,
tem acontecido.
Nesse assunto, o risco de se pecar pela
adesão a extremos está sempre presente. Não se trata de defender as surradas
teses de Estado mínimo e equivalentes. Tampouco, de continuar a apostar no
Estado como indutor e solucionador de todos os problemas. O meio do caminho é
desejável.
Cabe imaginar uma estrutura para as estatais
que contemple critérios objetivos. O Estado não deve produzir, mas regular bem
os setores produtivos e o mercado. Para isso, há uma tarefa primordial:
fortalecer, reestruturar e reorientar as agências reguladoras, resgatando sua
proposta original.
Há muito trabalho pela frente. O Estado
empresário pede falência. Vamos ignorar o fato até quando?

Nenhum comentário:
Postar um comentário