quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Gilmar Mendes impõe freio a impeachment de ministros e abre crise com Congresso

Por Vinicius Doria / Correio Braziliense

Decano do STF concede liminar que torna mais difícil o impedimento de magistrados da Corte

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, decidiu de forma monocrática (individual) considerar inconstitucionais alguns pontos da Lei do Impeachment, de 1950, que regulamenta o afastamento de autoridades, incluindo ministros da Corte. No ponto mais polêmico, o magistrado considerou que apenas a Procuradoria-Geral da União (PGR) tem poder constitucional para apresentar denúncia contra ministros do STF por crime de responsabilidade. Um dos artigos da lei prevê que esse tipo de denúncia pode ser feito por "qualquer cidadão". 

A determinação de Gilmar Mendes também altera o quórum mínimo necessário para que o Senado — Casa responsável pelo julgamento de pedidos de impeachment — abra processo de afastamento de ministros. Pela decisão, que vale até o plenário do Supremo julgar o mérito da questão, o processo de impeachment de ministros, para ser aberto, precisa ser apreciado em sessão plenária com quórum mínimo de dois terços (54 dos 81 senadores), em vez de 50% mais um voto (41 senadores).

No caso da abertura de processo, Gilmar também entende que — ao contrário de processo semelhante contra o presidente da República — ministros do STF não podem ser afastados do cargo enquanto a ação estiver em curso. De acordo com parecer da PGR, seguido por Gilmar, como os magistrados não têm substitutos, a ausência de um deles pode prejudicar a rotina de julgamentos da Corte.

Na justificativa, o decano apontou que os conflitos entre a Lei do Impeachment e a Constituição Federal criam "um ambiente de insegurança jurídica" que estimula a apresentação de pedidos de afastamento com única finalidade de "intimidar" o Poder Judiciário.

"A intimidação do Poder Judiciário por meio do impeachment abusivo cria um ambiente de insegurança jurídica, buscando o enfraquecimento desse Poder, o que, ao final, pode abalar a sua capacidade de atuação firme e independente", escreveu o ministro, em sua decisão.

Imparcialidade

De acordo com Gilmar Mendes, "os juízes, temendo represálias, podem se ver pressionados a adotar posturas mais alinhadas aos interesses políticos momentâneos, em vez de garantirem a interpretação imparcial da Constituição e a preservação dos direitos fundamentais".

Na avaliação do decano, a facilidade para pedir a abertura de processo de impeachment acaba estimulando a banalização desse "legítimo" instrumento jurídico, que deveria ser excepcional. "É isso que sucede quando se admite, facilmente, o início de um processo para apuração de crime de responsabilidade de membros do Poder Judiciário. Aquilo que era para ser um instrumento legítimo e excepcional de responsabilização, passa a ser utilizado como ferramenta de intimidação e mitigação das garantias judiciais, submetendo os membros do Poder Judiciário à aprovação de caráter político", justificou.

Outra preocupação do ministro foi deixar claro, na decisão liminar, que magistrados não podem ser alvo de processo de impeachment com base, apenas, no mérito de suas decisões. Para Mendes, isso configura criminalização da interpretação jurídica. "Não se mostra possível instaurar processo de impeachment contra membros do Poder Judiciário com base - direta ou indireta - no estrito mérito de suas decisões, na medida em que a divergência interpretativa se revela expressão legítima da autonomia judicial e da própria dinâmica constitucional", argumentou.

A decisão atende parcialmente a duas ações — propostas pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) — e será submetida a referendo dos colegas de Corte entre os dias 12 e 19. O julgamento se dará no plenário virtual, em que os magistrados depositam seus votos remotamente no sistema eletrônico do STF.

Segundo a Constituição, um ministro pode ser processado por crime de responsabilidade se alterar (exceto por meio de recurso) decisão ou voto já proferido em sessão do tribunal; participar de julgamento no qual deveria se dar como impedido; exercer atividade político-partidária; atuar de forma negligente (desídia); ou ferir a honra, a dignidade e o decoro das funções.

Bolsonarismo

O impeachment de ministros do STF tem sido, nos últimos anos, um verdadeiro fetiche do bolsonarismo. Desde que foi eleito presidente da República, em 2017, Jair Bolsonaro prega a abertura de processos contra magistrados — em especial, Alexandre de Moraes, relator do processo das fake news e da ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado que culminou nos atos de 8 de janeiro de 2023 — condenado nessa ação, o ex-chefe do Executivo começou a cumprir, na semana passada, a pena de 27 anos de prisão.

Ao longo dos quatro anos em que ocupou o Palácio do Planalto, Bolsonaro defendeu, em palanques em todo o país, que o Senado deveria julgar Moraes por abuso de poder.

A decisão de Gilmar Mendes — que também não conta com a simpatia da ala mais à direita do Parlamento — provocou reações políticas e reacendeu o debate em torno do tema, que havia esfriado desde que o ex-presidente e alguns dos seus principais assessores passaram a ser julgados pela Primeira Turma do Supremo por envolvimento nos atos golpistas.

Quando ascendeu ao poder, o bolsonarismo elegeu o Supremo como um de seus inimigos favoritos. A Corte foi criticada por Jair Bolsonaro e seus seguidores pelas decisões que tomou ao longo do governo dele. Na pandemia, por exemplo, permitiu que os estados adotassem as melhores práticas de combate à covid-19 sem obrigação de seguir a cartilha negacionista do Palácio do Planalto e ainda obrigou o Senado a abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as responsabilidades do governo federal na gestão da crise.

Em 2021, o próprio Bolsonaro assinou e apresentou à Mesa do Senado um pedido para abertura de processo de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos das fake news e das milícias digitais, que atingiram em cheio a máquina de propaganda do então presidente. O pedido, porém, não teve a assinatura do advogado-geral da União à época, Bruno Bianco.

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