domingo, 23 de junho de 2019

Janio de Freitas: Em vez dos militares

- Folha de S. Paulo

O verdadeiro combate à corrupção só pode ser feito por gente honesta

Ainda sem saber o que liga o Exército ao bolsonarismo, estamos sob um teste novo do nosso futuro democrático e das perspetivas do país. As consequências que o Poder Judiciário der às transgressões de Sergio Moro vão indicar a determinação de sustentar o Estado de Direito ou a capitulação a um vale tudo irremediável, escancarando o país, ainda mais, ao que nele haja de pior.

Já era tempo de se vislumbrarem alguns sinais nos níveis de responsabilidade legal e moral na aplicação de Justiça e dos direitos civis. Ali não se ouve, não se vê, não se fala e, sobretudo, não se age a respeito da conduta de Moro na Lava Jato.

Não fugiu a esse imobilismo o requerido à Polícia Federal pela procuradora-geral Raquel Dodge: a investigação pedida é sobre a obtenção das gravações e sua divulgação. Os alvos verdadeiros são o jornalista Glenn Greenwald e o site The Intercept Brasil.

A Polícia Federal é um departamento sob controle de Moro no Ministério da Justiça (nome cada vez mais impróprio). A primeira nomeação de peso desse novo ministro, na PF, foi para a seção do Crime Organizado. Até poderia vir a calhar.

Não bastando, porém, que o principal interessado seja o próprio ministro, seu nomeado foi um dos delegados da Lava Jato que fizeram propaganda, pela internet, para Aécio Neves na campanha de 2014. Pretendente a novo mandado, Raquel Dodge deixa bem claro o limite de sua iniciativa quando, em relatório ao Supremo, opina contra habeas corpus para Lula.

Não se ocupa da questão Lula, propriamente, mas do intercâmbio de transgressões de Moro e Dallagnol. Tem “manifesta preocupação com a circunstância” de que as mensagens “tenham sido obtidas de maneira criminosa”. Dá essa “circunstância” como decisiva, mas vai além.

Considera que “a autenticidade não foi analisada e muito menos confirmada”, logo, as gravações não têm validade processual. Mas, nesse caso, a afirmação de “maneira criminosa” de obtê-las também não é válida: “não foi analisada e muito menos confirmada”. E quem informou que a obtenção foi criminosa? Ou o que, mais do que admissível probabilidade, prova essa “circunstância”?

A autenticidade das vozes e dos diálogos de Moro e Dallagnol, no entanto, foi reconhecida por ambos. De imediato. Bastou-lhes ouvi-los, para que saíssem só pela tangente, “não tem nada de mais”, “isso é normal”, “não houve ilegalidade”. Nenhum dos dois negou serem sua voz e suas palavras nem negou o diálogo. Haveria, portanto, muito mais a ser pedido por Raquel Dodge. Mesmo na exótica situação de fazê-lo ao gravado Moro.

Não há como ter dúvida honesta sobre a autenticidade das gravações. Além disso, o site The Intercept, sua seção Brasil e Greenwald fazem jornalismo sério. Dúvida e honestidade de propósitos e métodos voltam-se para os setores que vão dar, ou negar, as consequências apropriadas ao embuste praticado em nome da Lava Jato.

O verdadeiro combate à corrupção só pode ser feito por gente honesta, a Lava Jato não precisa das outras. Nem a população precisa de mais gente a enganá-la e explorá-la.

Este é um momento de decisões graves —o que é sempre perigoso no Brasil.

Bruno Boghossian: Trapaças no debate das armas

- Folha de S. Paulo

Em festival de enganações, presidente só oferece ao cidadão a opção de 'se virar'

“Santa Catarina é o estado que tem mais clube de tiro. Não por coincidência, é o estado menos violento do Brasil”, disse Jair Bolsonaroem sua última transmissão ao vivo. A relação estapafúrdia vendida pelo presidente coroa o festival de distorções e enganações no debate sobre a ampliação das armas de fogo. Mais uma vez, os fatos ficaram para trás.

Existe uma série de argumentos para embasar propostas de flexibilização. Há justificativas razoáveis em defesa da extensão do porte para algumas profissões ou a favor da liberação em propriedades rurais. Prevalece, entretanto, a falta de lógica.

Na quinta (20), Bolsonaro riu ao contar que senadores que votaram para derrubar seus decretos haviam sido ameaçados e —“olha só”— pediram proteção. “Você, que não tem como pedir proteção armada ao poder público, vai se virar como?”

A pergunta transforma em discurso institucional a ideia de que, na segurança, cada um cuida de si. Ainda que o Estado deixe muito a desejar, um governante não deveria oferecer ao cidadão só a opção de “se virar”.

Vinicius Torres Freire: Brasil, quase 200, envelheceu mal

- Folha de S. Paulo

Um país rachado tenta sair de recessão recorde com revolução econômica inédita

Tomadas de três pinos, armas, tuítes iletrados e guerrilha ideológica em geral nos distraem de modo lúgubre de novidades sérias na vida do país.

A volta de algum crescimento talvez leve anos, passam a dizer cada vez mais economistas, com o que bateremos o recorde da maior crise econômica da República. Pela primeira vez em pelo menos meio século, pretende-se fazer um acerto nas contas do governo sem aumento da carga tributária. Pela primeira vez em quase 90 anos, ou desde sempre, pretende-se fazer com que o país cresça sem intervenção ou investimento estatal —ao contrário.

Do que o país vai se ocupar nesta travessia do deserto? De guerra ideológica aberta e extensa? Pior? Seja como for, a perspectiva histórica ilumina um pouco do imenso problema: sair da recessão exorbitante em meio a uma reforma radical do Estado e profunda divisão ideológica, tropeçando nas ruínas do sistema político de 1988.

Os acertos nas contas públicas e outras acomodações sociais, econômicas e políticas dos últimos 50 anos se valeram do aumento da carga tributária, do total de impostos recolhidos por União, estados e municípios (ou de inflação).

Nos anos “J” (JK, Jânio e Jango), de 1956 a 1963, a carga tributária ficou em torno de 17% do PIB. Na ditadura, cresceu brutalmente até chegar a 25% do PIB na virada para os anos 1970, patamar em que ficou até antes do Plano Real. No final dos anos FHC, foi a 32% do PIB. Desde Lula, flutua em torno de 33%, tendo batido em 34% em 2007-08. Em 2017, última medida disponível, estava em 32,4% do PIB.

Bernardo Carvalho: Os homens fora do lugar

- Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Um fio liga Quincas Borba a quem não vê nada de mais na suspeição de um juiz

Não basta estar mais ou menos resignado a viver num país de ideias fora do lugar para engolir um ministro da Justiça (este pelo menos com a desculpa de salvar a própria pele), mas também um ex-presidente ilustrado e velhos juristas conformados ao bolsonarismo, adiantando-se já na primeira hora para anunciar que não veem “nada de mais” na revelação de conluio entre um juiz e um procurador da República.

Quincas Borba, protagonista do romance de Machado de Assis e inventor de uma “filosofia” selvagem de inspiração darwinista e schopenhaueriana (a partir da qual o crítico Roberto Schwarzformulou o conceito das “ideias fora do lugar”), também soube adaptar o que parecia funcionar alhures à impropriedade das contingências locais.

Seu “humanitismo” anunciava a hipocrisia dos nossos ilustres contemporâneos. O oportunismo destes, como o de seus antepassados, com a desculpa renitente de um ideal incompatível com a prática, tenta vestir a desgraça local com as cores pálidas de um universalismo fajuto.

Se nossos ilustres contemporâneos não estão nem aí para a suspeição criada pelo conluio entre juiz e acusação, é simplesmente porque não podem se imaginar no banco dos réus. Continuam a se comportar no diapasão altivo da herança que esse mesmo conchavo escuso e antiético em princípio alega combater.

*Elio Gaspari: Uma viagem com Moro e Petra Costa

- Folha de S. Paulo / O Globo

O ministro da Justiça não cabe no papel do juiz exibido em documentário

No mesmo dia (19/6) em que o ministro Sergio Moro atravessava sua maratona de nove horas no Senado, estreava na Netflix o filme “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa.

A cineasta de 35 anos acompanhou as multidões que foram para a rua a partir de 2013, o impedimento de Dilma Rousseff em 2016, a prisão de Lula em abril de 2018 e a eleição de Jair Bolsonaro em outubro.

Filmou o ex-presidente arrumando a mala a caminho da carceragem de Curitiba e a cena em que mediram sua pressão arterial (146x90).

Ao longo de todo o filme, o juiz Sergio Moro e a Operação Lava Jatoaparecem como o que foram, um instrumento eficaz de combate à corrupção. No dia de sua estreia, outro Moro, ministro de Bolsonaro, respondia aos senadores que o acusavam de ajeitar a bola com a mão em conversas impróprias com o Ministério Público.

Entre o que aconteceu e o que está acontecendo, fechou-se um círculo. Ou quase, porque Petra Costa expõe momentos de corrupção explícita que foram varridos para baixo do tapete da política nacional depois do impedimento de Dilma. Além disso, não se sabe onde está o Queiroz.

Há no filme, narrado por Petra, um tom de lamento da vertigem em que entrou o processo político nacional. A proximidade da câmera com o comissariado petista mostra sua onipotência, a autossuficiência doutoral de Dilma Rousseff e o messianismo de Lula.

Numa cena do comício que antecedeu sua ida para a prisão, do alto de um caminhão, ele disse: “Os poderosos podem matar uma, duas, ou cem rosas, mas jamais conseguirão deter a chegada da primavera”. Talvez ele acreditasse que elegeria um novo poste.

Da eleição, com 57,8 milhões de votos, resultou Jair Bolsonaro, o capitão primaveril daqueles que aplaudiam a condenação de Lula.

Tinha razão Nelson Cavaquinho: “Tira o seu sorriso do caminho (...)/ Eu na sua vida já fui uma flor/ Hoje sou espinho em seu amor”.

Depondo no Senado, Sergio Moro evitou discutir o conteúdo de suas conversas com o procurador Deltan Dallagnol, fortificando-se na denúncia da forma ilegal como elas foram coletadas pelo site The Intercept Brasil. Esse novo personagem não cabe no roteiro da vertigem mostrada por Petra Costa. Faz parte de outra história, na qual flores e espinhos crescem juntos.

Petra Costa é cineasta, e Moro era juiz. O documentário tem um explícito viés simpático a Lula, mas não se deve cobrar imparcialidade a uma cineasta. Imparcial seria o juiz Moro. Era?

Merval Pereira: A importância do caminhão

- O Globo

O trabalho do caminhoneiro, tido como aventureiro e romântico, continua sendo precário nos dias de hoje

“Governar é abrir estradas”, dizia o presidente Washington Luis. Não mais, mas o papel do caminhão na economia brasileira continua crucial, a ponto de a sua falta ter o peso de parar o país, como em 2018. Os caminhoneiros movimentam 60% de toda a carga brasileira, através de 1,7 milhão de quilômetros de estradas, quase sempre mal conservadas.

Historicamente, o sistema viário brasileiro sempre foi dependente das estradas, ao contrário de outros países, como os Estados Unidos ou a Franca, que têm nas ferrovias o seu principal meio de transporte, de gente e de mercadoria.

Por isso, a greve dos caminhoneiros em 2018 parou o país por dias, afetando o abastecimento das cidades. Pouco depois do Dia do Caminhoneiro, que se comemora em 20 de maio, fez um ano a nova tabela de frete, fruto de negociações entre o governo Temer e as lideranças da greve de caminhoneiros. Que já está superada.

A carga tributária sobre o preço do diesel foi a detonadora da greve, e até hoje a questão não está resolvida, volta e meia o fantasma de uma nova paralisação assombra o governo Bolsonaro, que, por sinal, apoiou a greve em 2018.

Os donos de carga alegam que a tabela foi editada para acabar com a paralisação, e não reflete os verdadeiros custos operacionais de transporte. E pleiteam no Supremo Tribunal Federal o fim do tabelamento de fretes. Uma nova tabela está em consulta pública, e deve entrar em vigor no próximo mês. As transportadoras, receosas dos efeitos da greve que mobilizou sobretudo os caminhoneiros autônomos, aumentaram suas frotas, reduzindo o mercado de subcontratações.

Hoje, como sempre, o caminhão continua sendo o símbolo de um país que buscou a interiorização através das estradas. Por isso, é também representativo da cultura nacional, ajudando a espalhar pelo país a música sertaneja, gerando série de sucesso na televisão como Carga Pesada, com os caminhoneiros Pedro e Bino, interpretados por Antonio Fagundes e Stênio Garcia protagonistas de aventuras pelas estradas.

Ascânio Seleme: Errar e seguir errando

- O Globo

Todo mundo sabe que o presidente da República tem enorme dificuldade para se expressar com clareza. Por vezes ele diz uma coisa pensando estar afirmando outra. Jair Bolsonaro tem mais problemas quando tenta exprimir uma sentença longa. Eventualmente ele emprega palavras fora do seu contexto e comete erros vernaculares. Além disso, tem dicção ruim e vícios de linguagem que tornam os finais das suas falas repetitivos. Seu desconforto oral é ainda mais evidente quando ele não domina o assunto. Mas sexta-feira passada ele passou por cima de todas essas questões para dizer que errou na condução da articulação política do governo.

Ao explicar por que retirou do ministro Onyx Lorenzoni a condução da pauta política, Bolsonaro disse: “Depois que a gente faz as coisas, a gente plota que podia ter feito melhor ou não ter cometido aquele erro”. O presidente admitiu que estava errada a divisão de tarefas que fez no Palácio, e que voltar ao modelo do governo de Michel Temer era a melhor alternativa. Faz sentido, em parte. O modelo do governo anterior, ao qual Bolsonaro disse estar retornando, era de negociação permanente com o Congresso das pautas de interesse do governo.

Bolsonaro tem ainda mais obrigação com sua pauta do que Temer. O ex-presidente não tinha programa próprio, foi eleito vice sob uma agenda petista. Seu projeto, quando assumiu a Presidência, foi baseado no documento Ponte para o Futuro, com o qual tentara antes salvar o mandato da sua antecessora Dilma Rousseff. Bolsonaro, ao contrário, tem um programa de governo. Com ele foi eleito e por ele foi incumbido de governar o país. Não batalhar pelo seu êxito pode parecer traição aos olhos de quem o colocou no Palácio.

Míriam Leitão: O verdadeiro conflito do Brasil

- O Globo

Divisão no Brasil hoje não é entre esquerda e direita, mas sobre valores universais, como o meio ambiente e a autonomia da mulher

No Salão Tiradentes lotado, em Araxá, no Festival Literário, o escritor angolano José Eduardo Agualusa, numa mesa sobre democracia e literatura, falou que no exterior se tem uma noção mais clara do que acontece no Brasil. “Não acho que aqui seja uma questão entre esquerda e direita, não acho mesmo. Aqui é uma luta entre inteligência e estupidez, entre civilização e barbárie”. Há momentos decisivos na vida de qualquer povo, em que é isso que se coloca, como lembrou a historiadora Heloisa Starling logo depois, citando Hannah Arendt, leitura indicada para esse tempo do Brasil.

Há valores que são universais e a eles é que devemos deferência e não à cada vez mais enganosa fronteira entre direita e esquerda. O esforço é para manter conquistas, que dávamos como garantidas, como a autonomia da mulher, o respeito à orientação sexual, o combate ao racismo, a proteção do meio ambiente, a defesa dos povos indígenas. Por sobre esse pacto básico civilizatório, podem ser explicitadas diferenças sobre questões em que grupos políticos tenham visões diferentes. O problema no Brasil atual é que a clivagem começa a ser sobre os valores universais.

Dorrit Harazim: Retrofit presidencial

- O Globo

Trump não foi o único presidente a dar rasante no sempre escorregadio terreno da reeleição. Também Bolsonaro achou que era hora de sair do casulo

No dia da posse de Donald Trump como 45º presidente dos Estados Unidos um fato passou despercebido até mesmo de seus seguidores. Enquanto o inflamado discurso inaugural do novo mandatário ainda ecoava pelo mundo, e sua teatral assinatura alfa-macho disparava decretos em série para a TV, Trump encaminhara um documento burocrático à Comissão Eleitoral dos Estados Unidos — sua inscrição formal como candidato à reeleição em 2020. Ou seja, iniciou a campanha poucas horas após desfazer as malas na Casa Branca naquela sexta-feira 20 de janeiro de 2017.

Como os tempos ainda eram de choque global, poucos conseguiram olhar para além daquele dia. Como pensar em reeleição num início de mandato delirante, em que o Salão Oval fora transformado em reality show e em que a capacidade do presidente para se manter no poder era constantemente submetida a solavancos autocriados?

Só Trump manteve o foco fechado em 2020. Nunca parou de ser candidato. À alta rotatividade de demissões e crises de governança, sua máquina reeleitoral jamais emperrou: aos comícios da campanha de 2016 sucedeu-se um retrofit batizado de “turnê da vitória”.

Desde a posse, Trump compareceu a mais de 60 megaeventos em estados-chave para turbinar seu eleitorado de raiz.

Eliane Cantanhêde: Xeque-mate

- O Estado de S. Paulo

Moro: É para anular tudo? Soltar todos? Devolver os bilhões de reais recuperados?

Ao responder ao senador Fabiano Contarato (Rede-ES) no depoimento ao Congresso, o ministro Sérgio Moro deu um xeque-mate não só na oposição e no Congresso, mas no Supremo, que julgará nesta terça-feira o pedido de suspeição de Moro e a consequente anulação de todo o processo que levou o ex-presidente Lula à prisão.

Delegado e professor de Direito, Contarato foi implacável ao citar a Constituição, o Código Penal e a Lei da Magistratura, enfatizou a imparcialidade de juízes como essência da democracia e condenou diálogos que Moro teria tido com procuradores: “Se eu, como delegado, fizesse contato com as partes de um inquérito, sairia preso da minha delegacia”.

Os questionamentos, pertinentes, geraram um momento de tensão, mas Moro deu a volta por cima com uma dúvida que percorre os meios jurídicos e políticos e aflige a sociedade: “O sr., então, quer que se anule tudo?”

O próprio Moro destrinchou o que seria esse “tudo”: anular todos os processos de governadores, parlamentares, empreiteiros, altos funcionários e doleiros condenados pela Lava Jato? Até dos pivôs Renato Duque e Paulo Roberto Costa? E devolver todo o dinheiro recuperado, algo próximo de R$ 3 bilhões, para esses condenados e para as empresas?

Xeque-mate, porque é disso que se trata nesse jogo de acusações entre os que condenam Moro pelos diálogos e os que podem até achar que não foram bonitos e corretos, mas nem por isso destroem as provas e o processo de julgamento por tribunais de segundo grau e, no caso do ex-presidente Lula, até pelo Superior Tribunal de Justiça, o STJ. O efeito, inclusive político, da anulação de “tudo” seria devastador.

Vera Magalhães: Caos na cozinha

- O Estado de S. Paulo

Bagunça apontada no Planalto desde a largada segue com mudanças sem sentido

No dia 6 de janeiro, ao término, portanto, da primeira semana de Jair Bolsonaro, observei que o governo estava naquele momento de desencaixotar as caixas e cada um começar a tomar pé de seus postos, mas apontei que a “cozinha” do governo, o Palácio do Planalto, era a área em que parecia “reinar a bagunça maior na mudança da ‘família’ Bolsonaro”. “O arranjo montado para o Planalto parece meio esquisitão, disfuncional”, escrevi, neste mesmo espaço.

Este não é um governo afeito a receber críticas. Coloca todas elas no escaninho da “torcida contra”, mantra, aliás como outros, herdado do petismo empedernido. Então isso passou por má vontade, quando era, digo sem muito orgulho, experiência (idade avançando, vamos ser claros).

Eis que, ao completar um semestre para lá de tumultuado, Bolsonaro praticamente virou a cozinha do avesso. Demitiu chef, subchef, cozinheiros e ajudantes, alterou o cardápio. Melhorou? Nada indica que sim.

Depois de passar meses demonizando a prática da articulação política, tendo sido responsável por inocular em seus seguidores de estimação das redes sociais o ridículo “mas, afinal, o que é articulação política?”, o presidente reconhece que fracassou justamente nesse aspecto. Quem era acusado de torcer contra pode dizer que avisou?

O que eu disse naquela coluna de janeiro? “Onyx Lorenzoni, primeiro ministro anunciado pelo ‘capitão’, como insiste em chamar o presidente até hoje, chegou com um voluntarismo diretamente proporcional à própria inexperiência”. Pois é. Onyx acaba de ser escanteado da articulação política.

Bolívar Lamounier*: Sobre polianas e cassandras

- O Estado de S.Paulo

Temos a democracia porque não temos opção e porque seria suicídio considerar outra opção

As duas últimas décadas do século passado foram um período de polianas; Francis Fukuyama sentenciou que o mundo atingira o “fim da História”, com a consagração definitiva do Estado democrático. As duas primeiras do século 21 estão sendo uma época de cassandras: dia sim e outro também algum articulista famoso nos alerta para o iminente fim da democracia, com populismos autoritários alastrando-se por toda parte.

Em boa hora, no dia 15/12/2018, o jornal O Globo republicou uma importante entrevista da filósofa húngara Ágnes Heller, professora da City University of New York (Cuny), na qual a doutora Heller chutou o balde do cassandrismo com todo o vigor de que foi capaz. “Nossa única chance de sobreviver – ela disse – é preservar a democracia liberal.” Em vez de tergiversar, sublinhou o adjetivo liberal, frisando que tratava da democracia representativa, com todos os seus méritos e defeitos. E disse “nossa” para ressaltar que fala das sociedades civilizadas, respeitadoras do indivíduo e da liberdade, governadas por Estados constitucionais e pluralistas.

O torpedo disparado por Ágnes Heller tem um endereço certo: o regime declaradamente antiliberal do sr. Orbán, em sua Hungria natal, e, de quebra, as autocracias nada disfarçadas de Putin, na Rússia, e de Erdogan, na Turquia. Heller entende que o advento de tais regimes se deve à passagem da política baseada em partidos representativos de classes sociais a um outro padrão, fundado em sociedades de massas.

Rolf Kuntz: Bolsonaro e os 25 milhões sem os pinos do emprego

- O Estado de S.Paulo

A recuperação parou, adverte o BC, mas que importância tem isso para o presidente?

Comunistas, bolivarianos, inocentes úteis, ateus, criptopetistas, inimigos da Lava Jato, partidários da velha política, fabricantes de fake news ou, mais prosaicamente, economistas de boa reputação, bem treinados e dotados de algum bom senso. O leitor pode escolher a qualificação, mas, em qualquer caso, será prudente levar a sério a sombria avaliação de oito diretores do Banco Central (BC), incluído seu presidente, Roberto Campos Neto. A recuperação econômica já era. Ou, em linguagem mais engravatada: os últimos dados “indicam interrupção do processo de recuperação da economia brasileira nos últimos trimestres”.

Não há terrorismo nem oposição irresponsável nessa frase do comunicado oficial distribuído depois da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. A mensagem sobre o quadro econômico, analisado em todas as discussões sobre a taxa básica de juros, tornou-se gradualmente mais dramática nos últimos meses, até surgir a palavra “interrupção”. Pergunta crucial: esse diagnóstico faz alguma diferença para o presidente Jair Bolsonaro e a maior parte de seus auxiliares? Não está claro. Ou parece pouco provável, em vista das prioridades presidenciais mais ostensivas nos últimos dias – a tomada para três pinos, por exemplo, e a defesa do decreto sobre as armas, derrubado, por enquanto, por 47 a 28 votos no Senado.

As más notícias sobre as condições do consumo e da produção têm-se acumulado quase sem pausa. Na terça-feira, quando o Copom iniciou sua reunião habitual, o Monitor do PIB, publicado mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), havia indicado novo recuo do Produto Interno Bruto. O valor havia diminuído mais 0,1% de abril para março. Também havia caído 0,9% no trimestre móvel findo em abril em relação aos três meses terminados em janeiro.

A perda de 0,2% no primeiro trimestre, no confronto com os três meses finais de 2018, já havia sido informada oficialmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se as contas da FGV estiverem certas, a tendência negativa estendeu-se por todo o quadrimestre. As estimativas do Monitor em geral antecipam com muita aproximação os dados do PIB divulgados trimestralmente pelo IBGE.

Luiz Carlos Azedo: Meus liberais preferidos

-Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“O presidente da República não está empenhado em construir um amplo apoio no Congresso. É homem de confronto, gosta da radicalização de extrema direita e do embate político na sociedade”

Três homens públicos conduziram o processo de luta contra o regime militar no antigo MDB, eram velhos caciques do antigo PSD: Ulisses Guimarães (SP), um democrata radical; Tancredo Neves (MG), um liberal moderado; e Amaral Peixoto (RJ), um conservador. Havia outros, mas nada acontecia sem que os três entrassem em acordo. Para quem não sabe, desses três, quem apoiou o golpe militar e depois se arrependeu foi Ulysses. Não foi o único, o ex-presidente Juscelino Kubitschek (PSD) também apoiou a derrubada do presidente João Goulart, para surpresa de muitos, pois era o favorito disparado às eleições convocadas para 1965.

Governadores poderosos conspiraram de forma decisiva a favor do golpe: Carlos Lacerda (UDN), da antiga Guanabara; Magalhães Pinto (UDN), de Minas; e Ademar de Barros (PSP), de São Paulo. Acreditavam que a destituição de João Goulart facilitaria a chegada deles à Presidência da República. Acontece que os militares liderados pelo marechal Castelo Branco, que assumira a Presidência, pretendiam ficar longo tempo no poder.

Homens de articulação política, Ulysses, Tancredo e Amaral, sem pretensões presidenciais à época — afinal, a barra estava muito pesada —, sobreviveram às cassações por subversão ou corrupção, mantiveram seus direitos políticos e respectivos mandatos. Resolveram apoiar a formação do MDB, o único partido de oposição permitido pelo regime, que quase se dissolveu em 1970, após acachapante derrota eleitoral para a Arena, o partido do governo.

Após assumir o comando do MDB no lugar de Pedroso Horta, num lance quixotesco, Ulysses se lançou anticandidato a presidente da República na sucessão do general Garrastazu Médici, o mais linha-dura dos presidentes militares, em 1973, confrontando a candidatura de cartas marcadas do general Ernesto Geisel. Pavimentou, assim, com apoio de Tancredo, Amaral e outros líderes de oposição, a surpreendente vitória do MDB nas eleições de 1974. Se observarmos a trajetória de cada um dos três caciques até a redemocratização, porém, veremos que caminharam juntos, mas com estratégias diferentes.

Ulysses apostou no cenário de ruptura com o regime, a partir da mobilização da sociedade, com uma narrativa de democrata radical. Quase chegou lá com a campanha das Diretas Já. Tancredo confiou na sua capacidade de articulação política, buscou criar um partido, o PP, para viabilizar uma transição democrática negociada com os militares, mas teve que voltar atrás com o Pacote de Abril de 1977, um retrocesso na abertura de Geisel. Amaral, que considerara o golpe de 1964 “a morte da política”, apostou na transição por dentro do regime e assumiu o comando do PDS, no qual a antiga Arena havia se metamorfoseado, para viabilizar um político civil na sucessão de Figueiredo. A escolha de Paulo Maluf como candidato do governo frustrou seus planos. Mas havia Tancredo…

Ricardo Noblat: Moro ladeira a baixo

- Blog do Noblat / Veja

Não sei, não lembro, não reconheço
O que foi revelado de grave pelo site The Intercept até a semana passada a respeito das conversas do ex-juiz Sérgio Moro com procuradores da Lava Jato, e hoje pelo site em dobradinha com a Folha de São Paulo, não é nada se comparado com o que está por vir.

Imagine só se fosse dado a conhecer o teor das conversas de Moro com os procuradores no dia em que um juiz de plantão mandou soltar o ex-presidente Luiz Inácio da Silva… Ou parte do que disse Moro em telefonemas para impedir que a ordem fosse cumprida…

Por sinal, naquele dia, o PT já havia se preparado para recepcionar Lula em liberdade. Ele seria levado para um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. E dali seguiria em caravana para São Bernardo do Campo, em São Paulo.

Tropas do Exército entraram em prontidão tão logo a ordem do juiz tornou-se pública. Se Lula fosse de fato libertado, mas a ordem do juiz suspensa em seguida, o Exército daria suporte às forças policiais destacadas para prendê-lo outra vez.

Mas essa história será mais bem contada no futuro. De volta a mais um capítulo das trocas de mensagens entre Moro e os procuradores. As publicadas, hoje, pela Folha só reforçam a suspeita de que era Moro quem de fato comandava a Lava Jato.

Juiz pode pedir investigações. Mas não pode atuar em parceria com a acusação ou com a defesa quando lhe cabe julgar um processo. Evidente por tudo que foi mostrado, e pelo que resta a ser, que Moro privilegiou, sim, a acusação em prejuízo da defesa.

Em outro país onde a Justiça se leva a sério e a sério também é levada, o que vem sendo revelado a conta gotas seria razão mais do que suficiente para anular a condenação de Lula. Que tudo ou quase tudo fosse refeito, e o caso repassado a outro juiz.

Contra Moro então se abriria um processo no Conselho Nacional de Justiça. Mas não estamos em outro país. Estamos no único com nome de árvore. Quando nada, isso deveria servir para que as florestas fossem preservadas. Infelizmente, não serve.

Aqui, dá-se como razoável que um juiz empenhado em combater a corrupção possa atropelar as leis – tanto mais se for para meter na cadeia um ex-presidente processado por vários crimes e que poderia até se eleger caso fosse novamente candidato.

Aqui, dá-se como razoável que o juiz que tira de cena o líder das pesquisas eleitorais largue a toga para virar ministro do presidente que se elegeu favorecido por sua decisão. E uma vez acusado de ter dito o disse, responda que não reconhece o que disse.

Por sinal, trata-se do mesmo juiz que cobrou com afinco e desassombro de delatores e testemunhas de fatos ocorridos há muitos anos que lembrassem exatamente o que viram, ouviram e disseram. Ai daqueles que não o atendessem.

Lava Jato articulou apoio a Moro diante de tensão com STF, mostram mensagens

Conversas indicam que Deltan discutiu com então juiz medidas para evitar desgaste por divulgação de planilhas com políticos

Ricardo Balthazar e Flavio Ferreira, da Folha; Rafael Moro Martins e Amanda Audi, do The Intercept Brasil

SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO - Procuradores na linha de frente da Operação Lava Jato se articularam para proteger Sergio Moro e evitar que tensões entre ele e o Supremo Tribunal Federal paralisassem as investigações num momento crítico para a força-tarefa em 2016, segundo mensagens privadas enviadas por uma fonte anônima ao The Intercept Brasil e analisadas pela Folha e pelo site.

O objetivo era evitar que a divulgação de papéis encontrados pela Polícia Federal na casa de um executivo da Odebrecht acirrasse o confronto com o STF ao expor indevidamente dezenas de políticos que tinham direito a foro especial --e que só podiam ser investigados com autorização da corte.

O episódio deixou Moro contrariado por criar novo foco de atrito com o Supremo, um dia depois de ele ser repreendido pelo tribunal por causa da divulgação das escutas telefônicas que tiveram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como alvo naquele ano.

As mensagens indicam que os procuradores e o então juiz temiam que o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, desmembrasse os inquéritos que estavam sob controle de Moro em Curitiba e os esvaziasse num momento em que as investigações sobre a Odebrecht avançavam rapidamente.

Os diálogos sugerem que o incidente foi causado por um descuido da Polícia Federal no dia 22 de março de 2016, quando ela anexou os documentos da Odebrecht aos autos de um processo da Lava Jato sem preservar seu sigilo, o que permitiu a divulgação do material por um blog mantido pelo jornalista Fernando Rodrigues na época.

Assim que soube, do dia seguinte, Moro escreveu ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, para reclamar da polícia e avisar que acabara de impor sigilo aos papéis.

"Tremenda bola nas costas da Pf", disse. "E vai parecer afronta", acrescentou, referindo-se à reação que esperava do Supremo.

Moro avisou que teria de enviar ao tribunal pelo menos um dos inquéritos em andamento em Curitiba, que tinha o marqueteiro petista João Santana como alvo. Deltan disse ter contatado a Procuradoria-Geral da República e sugeriu que o juiz enviasse outro inquérito, com foco na Odebrecht.

Horas depois, o procurador escreveu novamente a Moro para discutir a situação e sugeriu que não tinha havido má-fé na divulgação dos papéis pela PF. "Continua sendo lambança", respondeu o juiz, no Telegram. "Não pode cometer esse tipo de erro agora."

Deltan procurou então encorajar Moro e lhe prometeu apoio incondicional. "Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações", escreveu.

Moro disse que temia pressões para que sua atuação fosse examinada pelo Conselho Nacional de Justiça e comunicou que mandaria para o Supremo os três principais processos que envolviam a Odebrecht, inclusive os que a força-tarefa tinha sugerido manter em Curitiba.

Bolsonaro volta a atacar o Congresso

‘Querem me deixar como a rainha da Inglaterra’, afirmou o presidente; ele disse ser contra a PEC para reeleição de Maia e de Alcolumbre

Fabrício de Castro, Thiago Faria / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – O presidente da República, Jair Bolsonaro, voltou ontem a atacar o Congresso e acusou parlamentares de tentarem reduzir seu poder, transformando-o em uma espécie de “rainha da Inglaterra”. Também criticou a articulação de deputados e senadores para aprovar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que permita a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, conforme mostrou ontem o Estado.

Os comentários foram feitos por Bolsonaro ao tratar de um projeto de lei aprovado na Câmara e no Senado que, segundo ele, delegaria ao Parlamento a indicação de integrantes de agências reguladoras, e não pela Presidência da República. “Se isso aí se transformar em lei, todas as agências serão indicadas por parlamentares. Imagina qual o critério que vão adotar”, disse o presidente. “Pô, querem me deixar como rainha da Inglaterra? Este é o caminho certo?”, questionou.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu Bolsonaro e afirmou que o projeto em questão “não tira nenhum poder do presidente e não delega nada novo ao Parlamento”. “O presidente não perde prerrogativa alguma”, disse Maia ao Estado.

O projeto da Lei Geral das Agências Reguladoras, que aguarda a sanção de Bolsonaro, endurece as regras para preenchimento dos cargos e prevê que a escolha seja feita a partir de uma lista tríplice, pré-selecionada por uma comissão de seleção. A indicação, porém, ainda seguirá sendo do presidente da República.

Congresso barra ‘agenda Bolsonaro’, mas apoia economia

Das 32 propostas enviadas pelo presidente, só três foram aprovadas. Apesar de impor derrotas a temas caros a Bolsonaro, como o decreto sobre armas, o Congresso tem levado adiante medidas na área econômica.

Congresso resiste a agenda bolsonarista, mas avança em medidas econômicas

Bruno Góes e Daniel Gullino / O Globo

Nesses quase seis meses de governo, o Congresso tem resistido à pauta mais identificada com o discurso de campanha do presidente Jair Bolsonaro, a chamada “agenda bolsonarista”, mas as medidas econômicas vem avançando entre os deputados e senadores. O GLOBO analisou a tramitação das 32 propostas legislativas apresentada por Bolso na roque dependem de aprovação do Congresso. Desde que assumiu o cargo, ele editou 17 Medidas Provisórias (MPs), dez projetos de lei, quatro projetos de lei complementar e uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Além disso, Bolsonaro editou uma média de um decreto por dia, alguns deles derrubados por deputados e senadores.

A pauta econômica tem tido um tratamento diferenciado. Apesar deter sofrido alterações que levaram o ministro da Economia, Paulo Guedes, a entrar em rota de colisão com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a reforma da Previdência deve ser votada em breve na comissão especial. A proposta é prioridade do Executivo e foi encampada pela maioria da Casa. Além da reforma da Previdência, a Câmara resolveu dar andamento a uma reforma tributária por conta própria. Os parlamentares também aprovaram a MP destinada a combater fraudes no INSS e outra, editada pelo ex-presidente Michel Temer mas encampada pela gestão Bolsonaro, que abriu o mercado para companhias aéreas estrangeiras.

Bolsonaro diz que Congresso quer transformá-lo em uma rainha da Inglaterra

Presidente diz que Legislativo passa a ter superpoderes e que pacto entre Poderes deveria vir 'do coração'

Ricardo Della Coletta, Daniel Carvalho / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Envolto em uma turbulenta relação com o Congresso, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse neste sábado (22) que o Legislativo passa a ter cada vez mais "superpoderes" e que quer deixá-lo como "rainha da Inglaterra", que reina, mas não governa.

"Pô, querem me deixar como rainha da Inglaterra? Este é o caminho certo?", indagou Bolsonaro.

O presidente fez o questionamento ao dizer que tomou conhecimento de um projeto na Câmara que transferiria a parlamentares o poder de fazer indicações para agências reguladoras.

"Se isso aí se transformar em lei, todas as agências serão indicadas por parlamentares. Imagina qual o critério que vão adotar. Acho que eu não preciso complementar", afirmou Bolsonaro.

O presidente disse que "o Legislativo, cada vez mais, passa a ter superpoderes" e disse que o pacto entre Executivo, Legislativo e Judiciário deveria ser algo vindo "do coração".

"Com todo respeito, nem precisava ter um pacto. Isso precisava ser do coração, do teu sentimento, da tua alma", disse o presidente, na saída do centro médico do Palácio do Planalto, onde foi nesta manhã para fazer exames antes de embarcar para o Japão, na terça-feira (25) para participar da reunião do G-20.

Após os exames, o Planalto emitiu nota em que afirma que o presidente apresenta "ótimas condições de saúde".

O último projeto aprovado no Congresso sobre o assunto saiu do Senado em 6 de junho e está sobre a mesa de Bolsonaro para sanção ou veto.

O texto não passa para o Legislativo a atribuição de indicar conselheiros, diretores, presidentes, diretores-presidentes e diretores-gerais de agências reguladoras. Segundo a projeto aprovado, a escolha continua sendo do presidente da República, mas agora ele teria que selecionar um nome de uma lista tríplice que será elaborada por uma comissão de seleção.

A composição e os procedimentos deste colegiado serão estabelecidos em regulamento, que deve ser feito por decreto do próprio presidente da República.

O Senado também retirou trechos polêmicos que foram incluídos na proposta alterando a Lei Geral das Estatais. Com isso, foram derrubados pontos que, na prática, possibilitariam a nomeação de políticos e seus parentes para cargos de direção em empresas estatais.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse à Folha que não comentaria as declarações de Bolsonaro. "Não vou responder pois acho que ele não compreendeu o projeto", afirmou Maia.

O atual secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, defendeu o projeto das agências reguladoras quando integrava a Casa Civil do governo Michel Temer.

Em uma apresentação de 42 slides exibida em um workshop de infraestrutura na Fiesp, em agosto de 2018, o então subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil afirmou que o "pilar do projeto é o equilíbrio entre a efetivação da autonomia das agências e o fortalecimento da governança e do controle social".

Ele disse também que a "ideia subjacente é garantir a autonomia das agências, mas, em contrapartida, deixar claramente estabelecidos padrões elevados de transparência, controle social e de qualidade técnica da regulação".

Sem Santos Cruz, governo Bolsonaro tende a se radicalizar, afirma analista

Wellington Ramalhoso / UOL, em 18/06/2019

SÃO PAULO - A demissão do general Carlos Alberto dos Santos Cruz da Secretaria de Governo fortalece o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e abre um espaço maior para radicalizações na gestão Jair Bolsonaro (PSL). A avaliação é feita por Marcos Nobre, professor de filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor do livro "Imobilismo em Movimento. Da Redemocratização ao Governo Dilma".

Para o pesquisador, a decisão de Bolsonaro de demitir o general muda a correlação de forças no Palácio do Planalto e torna mais difícil o papel que militares assumiram de organizar e conter o governo.

Nobre classifica Bolsonaro como representante da extrema-direita e o considera um risco à democracia. Apesar da vitória em 2018, o presidente e a extrema-direita são minoritários na preferência do eleitorado brasileiro, argumenta Marcos Nobre. "Bolsonaro surfou uma onda que era muito maior do que ele [na eleição presidencial]".

Em sua opinião, a democracia ficará sob ameaça caso partidos de direita decidam aderir ao governo. "O único projeto que esse grupo de extrema-direita liderado pelo presidente tem é de hegemonia, se consolidar no poder e conseguir ser duradouro no poder".

Para o professor da Unicamp, Bolsonaro busca preservar seu núcleo duro de apoio e mobilização e ao mesmo tempo atrair a direita tentando convencê-la de que uma plataforma de extrema-direita é o único caminho para que ela se consolide no poder e impeça a reorganização da esquerda

De acordo com o analista, o presidente não tem tanta pressa na aprovação da reforma da Previdência. Se ela demorar alguns meses, explica o professor, o presidente chegaria a 2020 com mais condições de alavancar o desempenho de aliados nas eleições municipais, elemento imprescindível para convencer a direita a apoiá-lo nos anos seguintes.

Marcos Nobre assumiu recentemente a presidência do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), instituição criada há 50 anos por professores, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), afastados das universidades pela ditadura militar.

Confira abaixo os principais trechos de entrevista que ele concedeu ao UOL.

• UOL - O sr. afirma em artigos que as instituições estão operando de forma disfuncional no Brasil. Quando e como isto começou a acontecer?

Marcos Nobre - O sinal de alerta para o sistema político foi junho de 2013, mas o sistema político não entendeu que precisava se autorreformar de maneira profunda. Enfiou a cabeça embaixo da terra e falou: "essa onda de insatisfação em algum momento vai passar".

No momento em que o candidato derrotado [Aécio Neves, no segundo da eleição presidencial de 2014] não só levantou a suspeita de fraude como entrou com uma ação com suspeita da urna eletrônica, começou um movimento incontível. Aécio Neves (PSDB) achou que aquela energia que tinha saído de junho de 2013 iria apoiá-lo. Acontece que aquela energia se dissipou por vários caminhos, e não necessariamente foi para ele, muito menos para o governo [Michel] Temer (MDB).

A Lava Jato se pôs como representante da reforma do sistema político, coisa que o Judiciário não pode fazer. Ele não foi feito para isso.

A disfunção começa aí. Você tem um candidato derrotado que não aceita a derrota, que não aceita as regras do jogo, tem uma energia social que está dispersa e que é vampirizada por uma parte do Judiciário, que promete uma coisa que não pode entregar, que é a reforma política.

• O sr. também afirma que o presidente Bolsonaro depende do colapso das instituições para se manter. Por que, na sua opinião, Bolsonaro foi o candidato do colapso e não um símbolo da nova política?

Ele se elegeu por causa desse colapso. Principalmente depois da facada [sofrida durante a campanha eleitoral], ele conseguiu carrear para a candidatura dele grupos do eleitorado muito distintos. Claro que uma pessoa pode pertencer a diferentes grupos, mas você tem o lava-jatismo, o antipetismo, o conservadorismo de costumes, o pedido de lei e ordem, o pessoal que votava nulo, o pessoal que se abstinha. Muitos desses segmentos confluíram para uma mesma candidatura. Essa confluência foi única. O candidato Bolsonaro entrou exatamente na janela do tempo que era a janela do colapso institucional.

Ele surfou uma onda que era muito maior do que ele. A parcela da população brasileira de extrema-direita é muito menor do que os votos que ele recebeu.

No governo, ele vai ter de fazer a transição para a institucionalização. Ainda estamos para ver como e quando. Mas é um movimento politicamente muito difícil de fazer. Como é que você sai de candidato antiestablishment para um candidato institucionalizado?

Com crise, trabalhador perde até 16% da renda em 5 anos

Queda atingiu 5 de 9 setores pesquisados; construção, transportes e alimentação sofreram maiores perdas

Douglas Gavras / O Estado de S. Paulo

Os trabalhadores de cinco entre nove setores da iniciativa privada perderam até 16% da renda entre o primeiro trimestre de 2014 – período anterior à recessão – e os três primeiros meses deste ano. Os números usam dados do IBGE e já descontam a inflação do período. Os trabalhadores de alojamento e alimentação (hotéis, pousadas e restaurantes), construção e transportes foram os mais atingidos e somente a agricultura registrou aumento real expressivo no rendimento, de 5,2%. Na outra ponta, o setor público teve aumento real, de 7,5% da renda, no período pesquisado. Analistas avaliam que a informalidade crescente e as dificuldades enfrentadas pelo setor de construção ajudam a explicar o menor rendimento dos trabalhadores. “Muitos que perderam o emprego caíram na informalidade ou conseguiram novas vagas com remuneração mais baixa. E quem se manteve empregado não conseguiu ser promovido”, avalia o economista da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro.

Os anos de crise, além de terem destruído empregos e levado ao aumento da informalidade, também corroeram o rendimento dos trabalhadores da maioria dos segmentos. A depender da área de atuação, a perda real (já considerada a inflação) superou os 16% nos últimos cinco anos. De nove setores da iniciativa privada analisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cinco tiveram quedas significativas na renda que o trabalhador recebe habitualmente por mês.

Entre o primeiro trimestre de 2014, antes da recessão, e os três primeiros meses deste ano, os trabalhadores de alojamento e alimentação (de hotéis, pousadas, restaurantes ou vendedores de alimentos), da construção e do transporte foram os que tiveram as maiores perdas reais de rendimento, de 7,2% a 16,3%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) – Contínua, do IBGE, selecionados para o Estado pela consultoria LCA.

Entre os trabalhadores da iniciativa privada, apenas os da agricultura tiveram aumento real expressivo do rendimento habitual, de 5,2% durante esse mesmo período. No grupo que inclui quem trabalha no setor público, houve um aumento real ainda maior, de 7,5%.

A queda na renda das famílias e o aumento da informalidade – sobretudo em atividades ligadas aos serviços, como o transporte com aplicativos e a venda de alimentos – e o afundamento do setor de construção civil ajudam a explicar o menor rendimento que esses trabalhadores têm recebido, avalia o economista Cosmo Donato, da LCA.

Legislativo acerta ao debater a revisão do SUS: Editorial / O Globo

Administração por ‘organizações sociais’ pode aumentar prestação de serviços de hospitais públicos

A Câmara começou a debater a revisão do Sistema Único de Saúde, única alternativa disponível para dois de cada três brasileiros. O desempenho e as fragilidades da rede pública foram discutidos por deputados e técnicos do Banco Mundial, agência financeira de fomento das Nações Unidas que acompanha a evolução do sistema e costuma indicá-lo como exemplo a outros países.

Detiveram-se no rápido crescimento dos gastos com saúde no Brasil e sua influência na elevação dos índices gerais de preços da economia. De 2003 a 2017, o crescimento dessas despesas ocorreu em velocidade sempre superior à da renda por habitante —medida na divisão do Produto Interno Bruto pela população.

Quando os gastos com saúde crescem continuamente e absorvem uma parte significativa da riqueza que a economia de um país produz, tem-se um problema de sustentabilidade econômica e fiscal no longo prazo. Esse “desafio de sustentabilidade fiscal”, como foi definido, requer atenção porque nos próximos anos as despesas com saúde tendem a ultrapassar os limites constitucionais estabelecidos para os gastos públicos. Como em outros países, o problema deixou de ser apenas o aumento das despesas. Mais importante é como aumentar os gastos de forma mais eficiente.

Estima-se que em 2014 o sistema de saúde custou R$ 22 bilhões. Mantido o ritmo de crescimento, em 2030 o dispêndio com saúde irá a R$ 700 bilhões. Se medidas de aumento da eficiência nos serviços públicos forem implementadas, calcula o Banco Mundial, será possível economia de quase R$ 1 trilhão na próxima década e meia — equivalente a uma Reforma da Previdência como desenha o Congresso.

Um ranking vergonhoso: Editorial / O Estado de S. Paulo

Há 5.570 municípios no País, mas apenas 85 deles (1,5%) têm todas as condições de oferecer um sistema de saneamento básico digno à população. O dado foi apresentado pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) em um relatório divulgado na segunda-feira passada. A conclusão é tão clara quanto vergonhosa: saneamento básico está longe de ser uma prioridade para a esmagadora maioria dos administradores públicos no Brasil. “Cano embaixo da terra não dá voto”, diz-se no meio político há muito tempo. A persistência das péssimas condições de higiene e saúde em que vivem milhões de brasileiros e ameaçam a sobrevivência de muitas crianças não comove os governantes.

Para elaborar seu relatório, o terceiro da série iniciada em 2016/2017, a Abes avaliou 1.868 municípios, o que representa 68% da população brasileira. As 27 capitais fazem parte do ranking, que foi dividido em quatro categorias: “Rumo à universalização”, “Compromisso com a universalização”, “Empenho para a universalização” e “Primeiros passos para a universalização”. Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Goiânia (GO), São Paulo (SP) e Salvador (BA) são as cinco primeiras colocadas na categoria “Rumo à universalização”. Porto Velho (RO) é a única cidade na categoria “Primeiros passos para a universalização”.

A hora dos juros: Editorial / Folha de S. Paulo

Piora da atividade econômica justifica uma taxa mais baixa

Com a economia brasileira em risco de uma recaída recessiva, num contexto de desemprego elevado e inflação cadente, causa espécie que o Banco Central ainda resista em indicar claramente uma redução de sua taxa de juros.

Tomada na quarta (19), a decisão de manter a Selic em 6,5% anuais não é fácil de justificar. Para início de conversa, o BC aponta que houve piora da atividade. Indicadores preliminares sugerem que o Produto Interno Bruto pode encolher de novo neste segundo trimestre, e as expectativas para a expansão no ano caíram abaixo de 1%.

Quanto à inflação, os próprios modelos utilizados pela autoridade monetária já apontam para números abaixo das metas de 2019 e 2020, fixadas em 4,25% e 4%, respectivamente. Mesmo nas simulações em que se consideram as expectativas de mercado de corte dos juros básicos para 5,75% neste ano, a inflação fica em 3,9% em 2020.

Até o cenário internacional parece contribuir. A decepção com o crescimento mundial e os riscos de guerra comercial levaram a maior parte dos principais bancos centrais do mundo a reduzir os juros —ou pelo menos indicar que o farão nos próximos meses.

Cortar o custo do dinheiro no Brasil, pois, está longe de se mostrar hoje uma aventura que ponha em risco o controle da inflação, avanço duramente obtido e que precisa ser preservado. Ao contrário, assim prescreve o modelo de metas de inflação nas condições atuais. Por que o BC ainda reluta?

Joaquim Cardoso: 1930

Na estranha madrugada
O homem alto, transpondo o portão da velha casa, depõe no
[chão frio.
O corpo inanimado do seu irmão.
Da sombra das velhas mangueiras, por um momento,
Surgiram, curiosas, as sombras dos melhores heróis de
[Pernambuco antigo.
Sobre o corpo caiam gotas de orvalho e flores de cajueiro.

Luiz Gonzaga: Xote Ecológico