- O Globo
Trump não foi o único presidente a dar rasante no sempre escorregadio terreno da reeleição. Também Bolsonaro achou que era hora de sair do casulo
No dia da posse de Donald Trump como 45º presidente dos Estados Unidos um fato passou despercebido até mesmo de seus seguidores. Enquanto o inflamado discurso inaugural do novo mandatário ainda ecoava pelo mundo, e sua teatral assinatura alfa-macho disparava decretos em série para a TV, Trump encaminhara um documento burocrático à Comissão Eleitoral dos Estados Unidos — sua inscrição formal como candidato à reeleição em 2020. Ou seja, iniciou a campanha poucas horas após desfazer as malas na Casa Branca naquela sexta-feira 20 de janeiro de 2017.
Como os tempos ainda eram de choque global, poucos conseguiram olhar para além daquele dia. Como pensar em reeleição num início de mandato delirante, em que o Salão Oval fora transformado em reality show e em que a capacidade do presidente para se manter no poder era constantemente submetida a solavancos autocriados?
Só Trump manteve o foco fechado em 2020. Nunca parou de ser candidato. À alta rotatividade de demissões e crises de governança, sua máquina reeleitoral jamais emperrou: aos comícios da campanha de 2016 sucedeu-se um retrofit batizado de “turnê da vitória”.
Desde a posse, Trump compareceu a mais de 60 megaeventos em estados-chave para turbinar seu eleitorado de raiz.
O primeiro deles foi na Flórida, 29 dias após a posse. O da última terça-feira, para o lançamento “oficial” da candidatura, também. Nada acidental. É o sétimo comício de Trump no estado que em 2016 lhe deu 29 dos 270 votos necessários para ser eleito pelo colégio eleitoral, mas com vantagem de apenas 1% sobre a adversária Hillary Clinton .
Trump não foi o único presidente a dar rasante no sempre escorregadio terreno da reeleição. Também esta semana, aproveitando o desarmamento noticioso do feriadão de Corpus Christi e talvez animado pela arrancada do seu ídolo, Jair Bolsonaro achou que era hora de sair do casulo. Estava no seu 170º dia no poder. “Não nasci para ser presidente, nasci para ser militar”, declarara dois meses atrás. O mandato de presidente do Brasil deve proibir a reeleição, prometera em discurso de campanha antes do segundo turno.
Saudado na capital paulista como Mito pela multidão evangélica da Marcha para Jesus, os 3 anos e 194 dias que lhe restam à frente do poder podem ter parecido pouco. “Se tiver uma boa reforma política, eu posso até jogar fora a possibilidade de reeleição. Agora, se não tiver e se o povo quiser, estamos aí para continuar por mais quatro anos”, anunciou. É muito “se” para um mesmo parágrafo. Horas antes, em discurso de improviso durante visita à mãe no interior paulista, já havia saudado os moradores com um “Lá na frente todos votarão em mim”.
Tudo isso são conjeturas em terreno mais do que movediço e minado. Nos Estados Unidos, Trump não tem concorrentes, sequer tem pretendentes a concorrente dentro do Partido Republicano. Em 2016 ele dizimara o elenco dos 16 colegas republicanos de partido que disputavam com ele a nomeação. Hoje ele só tem um adversário potencialmente forte: ele mesmo. Do lado Democrata, a disputa pela chance de derrotá-lo está tão pulverizada que a rede NBC teve de dividir os contendores em duas noitadas para o primeiro debate televisivo, agendado para a próxima semana: 10 candidatos no dia 26, os outros 10 na noite seguinte.
Para Bolsonaro, que ainda se beneficia do choque de realidade a imobilizar a oposição de esquerda, o momento já é de competição intestina ou próxima. Por enquanto o presidente e João Doria medem forças amigavelmente em flexões de braço, com o governador de São Paulo saltitante, e Bolsonaro arfante. Neste quesito adolescente outros já se exercitam em privado para poder brilhar em público em 2022, como o governador Wilson Witzel e, numa categoria à parte, o juiz marombado Marcelo Bretas, da Lava-Jato do Rio.
Uma mesma pergunta sobre Trump e Bolsonaro intriga analistas políticos e exigirá tempo até ser desvendada por historiadores: independente da (des)qualificação para o cargo e das crises acumuladas até agora, são eles presidentes calculistas nos erros e acertos, ou improvisadores no poder? Difícil dizer qual seria a resposta mais inquietante.
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