Há 5.570 municípios no País, mas apenas 85 deles (1,5%) têm todas as condições de oferecer um sistema de saneamento básico digno à população. O dado foi apresentado pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) em um relatório divulgado na segunda-feira passada. A conclusão é tão clara quanto vergonhosa: saneamento básico está longe de ser uma prioridade para a esmagadora maioria dos administradores públicos no Brasil. “Cano embaixo da terra não dá voto”, diz-se no meio político há muito tempo. A persistência das péssimas condições de higiene e saúde em que vivem milhões de brasileiros e ameaçam a sobrevivência de muitas crianças não comove os governantes.
Para elaborar seu relatório, o terceiro da série iniciada em 2016/2017, a Abes avaliou 1.868 municípios, o que representa 68% da população brasileira. As 27 capitais fazem parte do ranking, que foi dividido em quatro categorias: “Rumo à universalização”, “Compromisso com a universalização”, “Empenho para a universalização” e “Primeiros passos para a universalização”. Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Goiânia (GO), São Paulo (SP) e Salvador (BA) são as cinco primeiras colocadas na categoria “Rumo à universalização”. Porto Velho (RO) é a única cidade na categoria “Primeiros passos para a universalização”.
A Abes avalia os municípios de acordo com cinco indicadores: 1) Abastecimento de água, que afere o porcentual de pessoas atendidas pela rede dentre o total de residentes; 2) Coleta de esgoto, utilizando o mesmo critério; 3) Tratamento de esgoto, que avalia o volume de esgoto tratado em relação ao total bruto; 4) Coleta de resíduos sólidos, que afere a taxa de cobertura da coleta domiciliar; e 5) Destinação adequada de resíduos sólidos, que avalia a quantidade de resíduos destinada a unidades de processamento ante o total produzido pelo município. A pontuação máxima no ranking é de 500 pontos, quando um município recebe nota 100 nos cinco indicadores. Curitiba é a cidade mais bem pontuada do País, com 499,99 pontos.
A discrepância entre o número de municípios avaliados pela Abes e o total de acordo com o IBGE deve-se ao fato de que a maioria dos prefeitos não tem sequer os dados de suas cidades mapeados para enviá-los ao Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS), base de dados que norteou o levantamento feito pela Abes.
O Brasil é a oitava economia do mundo, mas ocupa a desonrosa 106.ª posição quando o assunto é saneamento básico. Ou seja, os indicadores de oferta de água e esgoto tratados à população são absolutamente incompatíveis com a dimensão da economia do País, o que reforça a convicção de que o caos em um setor vital para a Nação é consequência direta de má gestão, no cenário mais benevolente, ou de deliberada má-fé dos gestores públicos, no pior.
Os números do absurdo falam por si sós: são 35 milhões de brasileiros sem acesso a água potável; 100 milhões usando fossas, sem saber o que é coleta de esgoto; de cada 100 litros de esgoto lançados no meio ambiente, 48 litros não são tratados. Além da questão da dignidade humana, uma miríade de graves problemas de saúde pública decorre dessa situação. Nunca é demais lembrar que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu o saneamento básico com um direito humano.
Por maiores que sejam os avanços em outros campos da vida nacional, como a política, a economia, as ciências ou as artes, estaremos condenados ao subdesenvolvimento até que números infames como os apresentados no relatório da Abes se percam num passado de triste memória e todos os brasileiros tenham acesso a água e esgoto tratados. Passa da hora de superarmos esta que é uma de nossas maiores vergonhas. Um brasileiro que vive em condições insalubres quase no final da segunda década do século 21 é um atestado vivo da incompetência ou da má-fé dos gestores públicos. Qualquer que seja o caso, trata-se de razão mais do que suficiente para encher de brios homens e mulheres que se dispõem a entrar na vida pública para contribuir para a melhoria da qualidade de vida de seus concidadãos.
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