segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Opinião do dia || Luiz Sérgio Henriques*

Dispersa em vários partidos e fora deles, a esquerda positiva tem nova e decisiva oportunidade. A “ida ao centro”, como no passado, servirá para revalidar suas credenciais, influenciando liberais e conservadores fiéis à Constituição e deixando-se por eles influenciar. Não se pode excluir uma frente, ainda que informal, para isolar e derrotar os extremistas. Há de ser possível relegá-los às margens e minimizar seu impacto na vida de todos.

*Tradutor e ensaísta, é autor de ‘Reformismo de esquerda e democracia política’ (Fundação Astrojildo Pereira, 2018)

Vera Chemim* || A miopia da direita e esquerda

- O Estado de S. Paulo

A República Federativa do Brasil tornou-se palco de constantes movimentos de “esquerda” e de “direita” que, graças a um regime democrático cada vez mais maduro acolhe posições ideológicas diferenciadas, tendo como pano de fundo, ainda, a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (ex-governo de esquerda) e por outro lado, a vontade da maioria que elegeu Jair Bolsonaro (governo de direita) para a Presidência da República, sem falar da consolidação da Operação Lava Jato no que diz respeito ao combate à corrupção, independentemente de qualquer ideologia de plantão.

Tais protestos estimulam uma reflexão extremamente útil e oportuna para a atual conjuntura política brasileira. Afinal! O que leva todas essas pessoas a defenderem uma pretensa posição denominada “de esquerda”, em contraposição, agora mais forte do que nunca, à posição “de direita”?

Até que ponto, as pessoas que se intitulam em uma ou outra posição têm consciência daquilo que elas pensam ter afinidades?

Trata-se de um engajamento que visa ao crescimento econômico do país? Uma justa distribuição de renda? Uma estabilidade macroeconômica?

Ou se direciona para uma questão puramente político-ideológica?

O eterno conflito entre capital e trabalho, tão explorado por diversos autores, desde Marx até os teóricos contemporâneos remetem a análise para o significado real ou tentativas exaustivas para se chegar a compreender a chamada “direita conservadora” ou a ”esquerda progressista” (nomenclaturas utilizadas no contexto americano).

O que se quer aprofundar nessa direção é a dicotomia existente entre as duas posições, as quais estabelecem desde o seu surgimento, um maniqueísmo teórico, tanto do ponto de vista político, quanto econômico.

Existem ainda, outros questionamentos procedentes dessa divisão: até que ponto a direita é supostamente conservadora e a esquerda é supostamente progressista?

Quais são os critérios que permitem aferir com segurança, tais afirmativas?

José Goldemberg* || Desmate é o problema, o Inpe é só o mensageiro

- O Estado de S.Paulo

Há vários satélites artificiais cruzando o céu e outros países têm acesso ao que acontece

O presidente Jair Bolsonaro prestou um desserviço ao País ao desqualificar o trabalho científico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do seu diretor, Ricardo Galvão, acusando-o de “fazer campanha contra o País” e de que estaria “a serviço de alguma ONG”.

Antes de mais nada, é preciso lembrar que existe uma grande variedade de organizações não governamentais (ONGs), tanto no País como no exterior, algumas delas voltadas para a advocacia de causas ambientais, mas outras realizam estudos técnico-científicos que ajudam muito na análise e compreensão dos problemas. A ideia de que todas elas tenham uma agenda hostil ao País é uma simplificação grosseira e inadequada, como também é incorreta a ideia de que sejam todas organizações de “esquerda”.

As críticas de algumas delas ao que acontece na Amazônia não são nenhuma novidade. Há mais de 50 anos inúmeras dessas organizações, nacionais e internacionais, alertam o governo brasileiro sobre os sérios problemas causados pelo desmatamento ilegal e predatório que é feito naquela região. Contudo, no passado, muitas críticas e denúncias eram baseadas em observações in loco, de caráter jornalístico e usualmente muito exageradas.

A Região Amazônica é tão vasta que só medições do desmatamento por satélite poderiam dar uma ideia realista do que estava acontecendo, e isso foi feito antes de 1990 por satélites americanos. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), na época, tinha acesso às imagens obtidas pelos satélites, mas durante o governo militar era proibida a análise e divulgação dos dados.

Denis Lerrer Rosenfield* || A preservação da Amazônia

- O Estado de S.Paulo

Os grandes poluidores somem de cena e surge o Brasil como culpado pelos males ambientais

O Brasil é figurante do desmatamento em nível planetário como se os problemas do mundo estivessem concentrados na falta de controle do desmatamento em nosso país. Segundo essa opinião, a agricultura e a pecuária nacional são as grandes responsáveis. Grandes poluidores desaparecem de cena e aparece o Brasil como culpado dos males ambientais. Parece a hipocrisia não ter limites, quanto mais não seja também pelos interesses do agronegócio em outros países, que querem prejudicar nossa competitividade.

Comecemos pelo nosso alto grau de preservação ambiental. Toda propriedade no Brasil, ao contrário de outros países do mundo, é obrigada a preservar a vegetação nativa, segundo a região em que estiver localizada. Na Amazônia, por exemplo, a reserva legal é de 80% da propriedade. Na área de Cerrado o porcentual chega a 35% e nos Campos Gerais, como no Sul, 20%. Note-se que o direito de propriedade é relativizado em função da preservação, fazendo os agricultores andar de mãos dadas com o meio ambiente.

Se pensarmos em termos gerais, 25,6% da área do território nacional é preservada pelos próprios agricultores. Isso equivale a 218 milhões de hectares, o que corresponderia, para efeitos de comparação, segundo a Embrapa Territorial, a dez países europeus, dentre os quais os maiores, como França, Alemanha, Reino Unido, Itália e Espanha. Observe-se ainda que nenhum outro país, mormente os que mais acusam o Brasil de destruição ambiental, tem um instituto semelhante. Por que não começar, se são tão responsáveis ambientalmente, por introduzir a reserva legal? Poderiam iniciar por um módico índice de 20%. Porque, muito provavelmente, a grita seria geral: “Atentado ao direito de propriedade”, “redução da competitividade”, “mudança da cultura rural” e assim por diante. Será que tudo isso não lhes antepõe um problema de ordem moral? De onde vem essa arrogância, essa posição de superioridade?

Cida Damasco || Shutdown à moda da casa

- O Estado de S. Paulo

Meta fiscal está garantida, mas falta dinheiro até para limpeza nas universidades

A expressão “shutdown”, já familiar nos Estados Unidos, começa a tirar o sono de integrantes do governo brasileiro. Trata-se da paralisação da administração pública, como resultado de travas no orçamento. Cercado de suspense, o shutdown abalou a gestão Obama, repetiu-se por duas vezes na era Trump e, como, nesses últimos tempos, tudo que acontece nos Estados Unidos acaba servindo de exemplo para o Brasil, já tem gente temendo que ele também chegue por aqui (atenção: contém ironia).

O próprio Bolsonaro admitiu, na sexta-feira, que a falta de dinheiro está deixando os ministros “apavorados” e o Exército será forçado a trabalhar em regime de meio expediente, além de dispensar um terço dos recrutas. Mas não é só o Exército que enfrenta sufoco financeiro. Faltam recursos para pesquisa e até para atividades básicas nas universidades. Embora a declaração oficial seja de um corte linear de gastos, persiste a desconfiança de que as decisões envolvam também critérios ideológicos. O ministro das Ciências e Tecnologia, Marcos Pontes, alertou para o risco de calote nas bolsas de pesquisa, já em setembro. A UFRJ ameaça suspender as aulas, por não conseguir cobrir os gastos com segurança, iluminação e até com limpeza. E providências semelhantes estão em discussão em várias das 63 universidades federais.

Marcus André Melo* || Anomia boba

- Folha de S. Paulo

Estaria o Brasil se argentinizando?

“Há quatro tipos de países: os desenvolvidos, os subdesenvolvidos, o Japão e a Argentina”, afirmou Simon Kusznets (1901-1985), ganhador do prêmio Nobel de economia de 1971. O excepcionalismo da Argentina é lendário entre cientistas sociais, e o enigma é decadência do país.

Para alguns analistas, a chave são as instituições. A explicação clássica foi apresentada pelo jurista e teórico social Carlos Nino em seu notável “Un País al Margen de la Ley” (1992). Seu diagnóstico é brutal: a institucionalidade escassa do país deve-se a uma patologia que denominou “anomia boba”, e define como “inobservância normativa generalizada”. Essa modalidade de anomia é tola por ser ineficiente: todos estariam em situação melhor se observassem as leis.

A Argentina de Nino é um gigantesco dilema do prisioneiro. Após a ascensão dos liberais radicais em 1916, o país parecia seguir a trajetória de países como Austrália ou Nova Zelândia, mas saiu dos trilhos com o golpe do general Uriburu em 1930. A “década infame” que se seguiu caracterizou-se por fraude eleitoral massiva, que desmoralizou a democracia representativa e levou à ascensão do iliberalismo peronista. “Atentados à consciência de juridicidade” (Nino, p. 64) passam a ser perpetrados em série: Suprema Corte destituída, Constituição reformada sem que se cumprissem os requisitos para emendamento etc.

Celso Rocha de Barros* || Aparelhamento bolsonarista

- Folha de S. Paulo

Qual vai ser a desculpa para descartar qualquer um que não aceite acobertar esquemas?

Aparentemente, a maneira de parar a Lava Jato era fazê-la de otária. Nada dessa coisa da esquerda de confrontá-la abertamente, nada de tentar desmontá-la em silêncio, como tentou Temer: o negócio era se eleger como campeão da luta contra os corruptos, colocar Moro no Ministério da Justiça, prometer-lhe uma vaga no STF, convocar passeata todo domingo contra a corrupção, e, enquanto isso, aparelhar os tribunais, a polícia, a Receita, o Coaf, todos os órgãos que foram responsáveis pelas investigações de corrupção da última década.

Bolsonaro conseguiu que Toffoli neutralizasse o Coaf, e não deixou que Moro nomeasse gente sua para o órgão. Fez tudo isso enquanto convocava manifestações dizendo que o Coaf era a coisa mais importante de todos os tempos, que se o Coaf não ficasse com Moro o mundo acabaria. No fim, quem tirou o poder de Moro sobre o Coaf foi o próprio Bolsonaro.

Bolsonaro já deixou claro que só nomeará para procurador-geral da República quem aceitar ser submisso ao presidente. A tradição de escolher o mais votado da lista tríplice, defendida pela turma da Lava Jato, acabou, não tem mais, morreu, vai ver era comunismo aquilo.

E qual vai ser a desculpa para descartar todo e qualquer nome que não aceite acobertar esquemas? A moral, é claro.

Vinicius Mota || Querida, encolhi o Moro

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro, mensagens vazadas e barbeiragens políticas levaram ministro à lona

Sergio Moro, que entrou no governo como um Super-Homem, foi reduzido a Homem-Formiga.

Aos que gostam de reordenar o passado conforme os acidentes do presente, pode ter parecido uma jogada sagaz de Bolsonaro. Afinal, ele primeiro atraiu e logo estrangulou um forte adversário na corrida de 2022.

Na fase do flerte, Jair ofereceu a Sergio o Coaf, o vigia das transações financeiras. Na do estranhamento, cedeu facilmente a agência à Economia e agora, na da asfixia, prepara sua entrega ao Banco Central, com a degola do servidor que Moro havia colocado na chefia do órgão.

Ocorreu algo parecido com as medidas legislativas preconizadas pelo ex-juiz para combater o crime e a corrupção. O presidente vendeu apoio prioritário antes da largada, mas entregou desdém pouco depois.

Leandro Colon || Freio na tinta do presidente

- Folha de S. Paulo

Não há brecha para garrancho na caneta de Bolsonaro

Os ministros do governo Bolsonaro estão apavorados, segundo palavras do próprio presidente. Começa a bater o desespero na Esplanada com a falta de dinheiro.

Enquanto isso, servidores públicos da Receita e da Polícia Federal reagem aos movimentos de interferência do chefe da República em postos estratégicos dos dois órgãos.

Em mensagem aos colegas, o delegado de alfândega do Porto de Itaguaí (RJ), José Alex Nóbrega de Oliveira, um dos alvos da pressão palaciana, afirmou que “existem forças externas que não coadunam com os objetivos de fiscalização” da Receita.

O presidente da ADPF (Associação Nacional de Delegados de Polícia Federal), Edvandir Felix de Paiva, declarou que Bolsonaro expõe a PF ao descrédito quando mete o dedo na nomeação de superintendentes.

No Congresso, diante do atropelo por parte do presidente, parlamentares articulam acelerar a PEC que dá autonomia administrativa à polícia vinculada hoje ao Ministério da Justiça, sob as ordens de Sergio Moro.

Rafael Mafei Rabelo Queiroz* ||Um presidente em arriscada rota de colisão

- Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Autor argumenta que o impeachment depende de tempestade perfeita no campo político, embora tenha pressupostos legais definidos, nem sempre bem entendidos. Tecnicamente, algumas atitudes de Bolsonaro poderiam se enquadrar na lei.

Impeachments têm um componente político necessário. Como regra, só vão adiante em cenários de tempestades perfeitas, que unem mau desempenho econômico, ampla insatisfação popular com o governo e escândalos políticos mantidos vivos na imprensa. Mas o ímpeto político não basta.

Quando a remoção de um presidente parece oportuna, é preciso avaliar se ela é juridicamente cabível. A conjectura política pertence ao futuro e a cada novo dia é reavaliada. Já o enquadramento jurídico se apoia no passado, informado por doutrina reconhecida, precedentes relevantes e exemplos comparativos, todos decantados pelo tempo e distantes das nossas disputas presentes.

Considerando-se a largada —e os debates incipientes em torno da situação do presidente Jair Bolsonaro—, é preciso ter clareza de que ele foi eleito para um mandato fixo de quatro anos, em pleito referendado pela Justiça Eleitoral; é chefe do Poder Executivo, com os poderes e prerrogativas inerentes; e o termo de seu cargo não se submete ao capricho do Congresso Nacional.

Depois da largada, porém, vem a vida do governo.

O ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment da petista Dilma Rousseff, disse que Bolsonaro vive no "habitat horrendo do mundo das trevas", em "processo alucinatório" no qual "prejudica a si mesmo". E ponderou que o caso pode ser de interdição, não de impeachment.

Crimes de responsabilidade não se confundem com incapacidade jurídica, mas há exemplos de impeachment por inaptidão mental em países com desenho semelhante ao nosso: no Equador, Abdalá "El Loco" Bucaram foi afastado (1997) por "incapacidade mental" ao exercício da Presidência após seis meses no cargo; nos EUA, o juiz John Pickering foi removido (1803-4) da Suprema Corte de New Hampshire por um agravado quadro de alcoolismo (aparecia bêbado para presidir as sessões de seu tribunal).

No Brasil, Café Filho afastou-se da Presidência da República por uma emergência cardiológica, mas sua volta ao cargo foi barrada por um "impedimento" votado pelo Senado —episódio sem fundamento, ocorrido no tumultuado novembro de 1955, que não deve servir de precedente para coisa alguma, embora permaneça a redação do dispositivo constitucional então invocado ("em caso de impedimento do presidente ou vice-presidente...").

O caso de Jair Bolsonaro assemelha-se ao de Donald Trump: seu desarranjo, no que exista, não é novo. Sua degeneração de espírito é prévia à eleição, uma marca política de que ele há tempos se orgulha. É preciso supor que essa característica foi sopesada pelo eleitorado. De mais a mais, embora se trate de traço diplomaticamente embaraçoso e politicamente improdutivo, não é estritamente incapacitante.

Fernando Gabeira || Voltas que o mundo dá

- O Globo

Argentina estava aí antes de Bolsonaro e continuará depois. São relações de Estado a serem desenvolvidas

Apesar do intenso zum-zum nacional, com leis marotas votadas na madrugada, duas notícias de fora marcaram a semana: o risco de estagnação econômica mundial e a volta do peronismo na Argentina. O interesse por política externa nunca foi muito grande no Brasil. Mas tem crescido nos últimos anos. Senti isso na Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Estudantes a frequentavam com interesse para ouvir os debates.

Bolsonaro fez parte dela, por alguns anos. Naquele momento, ainda não era um líder popular nacional. Tornou-se presidente, e discutir com líderes populares é mais áspero: os seguidores são hipersensíveis à imparcialidade ou ao preconceito.

Mas fatos são fatos. A política externa conduzida por Bolsonaro precisa ser criticada, pois pode nos levar a um isolamento perigoso no momento de uma crise mundial.

Bolsonaro aproximou-se dos Estados Unidos. Nada a reparar. A aproximação com os Estados Unidos estava no seu programa e, creio, é apoiada pela maioria dos eleitores brasileiros.

Bolsonaro aproximou-se dos Estados Unidos e está se afastando de outras partes do mundo. Isso não estava no programa. Muito menos reduzir o movimento a uma proximidade com a família Trump, como se política externa fosse tocada por amizades familiares, e não interesses nacionais.

Bolsonaro aproximou-se de Israel. Nada a reparar. Mas se afastou do mundo árabe ao anunciar que levaria a Embaixada do Brasil para Jerusalém. Não completou o plano, mas o desgaste ficou no ar.

Rosiska Darcy de Oliveira || O fantasma da verdade

- O Globo

O presidente da República se diz um homem espontâneo. Suas declarações escatológicas, na fronteira da insanidade e muito além da grosseria —a exemplo da política ambiental do cocô dia sim, dia não —, seriam a prova de sua autenticidade.

Palavras estapafúrdias tentam vender a imagem do improviso de um homem simples e sincero. Ora, a pretensa espontaneidade faz parte de uma estratégia complexa de manipulação fria das emoções mais irracionais, o medo, o ódio e o ressentimento. Desde a campanha eleitoral, o presidente segue à risca a cartilha de desinformação de Steve Bannon, coordenador da campanha de Donald Trump cujas digitais estão nas campanhas bem-sucedidas de Salvini na Itália, Orbán na Hungria e do Brexit no Reino Unido. O documentário “Privacidade hackeada”, disponível na Netflix, descreve as entranhas dessa estratégia.

É parte dela sua recente escolha de assumir, sozinho, a comunicação do governo. Em tom circense, de animador de auditório, suas palavras não são ditas a esmo, têm um propósito, um alvo certeiro: iluminam sua ribalta, pautam o debate, propagam mentiras, semeiam confusão. Convocam o que há de pior nas pessoas.

Cacá Diegues || O amor pelo que somos

- O Globo

O Brasil sempre foi um país sem programas refletidos para um futuro próximo ou distante

É através da cultura que amamos as regiões do globo que nos interessam. Ela nos faz amar as nações e sua história, seu passado e sua memória. Amamos a Grécia Antiga, por exemplo, por causa de seus filósofos e poetas. Por causa de Aristóteles, que ensinou a Humanidade Ocidental a pensar. Por causa de Homero, que nem sabemos se de fato existiu. E de sua obra, possivelmente recriada por cantores diversos e anônimos. Por causa da “Ilíada”, que Alexandre carregava debaixo do travesseiro enquanto conquistava o mundo. É isso que nos faz amar a Grécia e refletir sobre ela, como um mistério que estamos sempre tentando desvendar.

Só amando o que somos, podemos reconhecer valor em nós mesmos. Mas penso que nunca soubemos o que somos. Somos o Brasil que se formou a partir de 1500, tendo aventureiros e desterrados portugueses como colonizadores? Ou somos o Brasil dos imperadores tentando nos dar um caráter nacional, que nunca chegou a se formar? Ou o Brasil das três Repúblicas de nossa experiência política moderna, em crise permanente? Será justo definirmo-nos a partir do que nossas elites quiseram de nós, independente do que pensava, curtia ou fazia a população sem poder? E essa população sem poder sabia o que era, exercia consciente o direito de ser o que desejava ser?

O Brasil sempre foi um país sem programas refletidos para um futuro próximo ou distante. Isso talvez seja o que sempre produziu nosso encanto junto a viajantes e leitores que buscam um projeto de humanidade, que procuram uma resposta para seu mal-estar sobre eles mesmos. Esse Brasil-pandeiro sempre nos serviu de álibi para dormirmos em berço esplêndido, sem receio de acordarmos vivendo uma tragédia. Um país abençoado pela graça, jamais conhecerá a desgraça, seja ela de que natureza for.

Sergio Lamucci || Cenário externo fica bem mais adverso

- Valor Econômico

Piora global é contratempo para o Brasil

O cenário externo ficou bem mais complicado nas últimas semanas. O temor de recessão global cresceu, num ambiente marcado pelo acirramento da guerra comercial entre os EUA e a China. Além disso, a situação da Argentina piorou muito depois que as primárias deste mês mostraram grande probabilidade de vitória da chapa Alberto Fernández e Cristina Kirchner nas eleições de outubro. A desvalorização do peso e a forte elevação dos juros devem jogar a atividade econômica ainda mais para baixo, e uma nova renegociação da dívida em 2020 passou a ser vista como bastante provável.

Com contas externas sólidas e a reforma da Previdência encaminhada no Congresso, os efeitos sobre o Brasil tendem a ser mais limitados do que em choques externos anteriores. Isso não quer dizer, porém, que o país passará ileso por essa deterioração do ambiente internacional. A desaceleração da economia global e a perspectiva de novo encolhimento do PIB argentino no ano que vem afetarão a demanda por produtos brasileiros. Um ambiente de maior incerteza mundial também pode afetar fluxos de capitais para o Brasil e mesmo decisões de investimento no país, ainda que as perspectivas de crescimento por aqui estejam um pouco melhores, dada a expectativa de aprovação da mudança do sistema de aposentadorias, que reduz o risco fiscal, e de queda adicional dos juros básicos.

Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, procurou se mostrar despreocupado em relação às turbulências externas. "Desde quando o Brasil, para crescer, precisou da Argentina?", questionou. "Só na hora da estagnação, em que o país está parado, precisa da indústria automotiva vender automóvel à Argentina. Quem disse que é esse modelo que queremos?"

Para a indústria brasileira, a Argentina é um mercado extremamente importante. Num momento em que o Brasil se debate com a retomada mais lenta de sua história, a deterioração adicional da economia argentina é certamente má notícia. Em 2017, quando o país vizinho cresceu 2,7%, as exportações brasileiras para lá cresceram 31,3% em valor, enquanto a produção de veículos automotores, reboques e carrocerias avançou 17,2%. De janeiro a julho deste ano, as vendas brasileiras para a Argentina estão em queda de 40%, em meio à crise do país comandado por Mauricio Macri.

Bruno Carazza* || 'Mano a mano hemos quedado'

- Valor Econômico

Retorno de Cristina pode marcar guinada de Bolsonaro

A piada corrente na semana passada, após o resultado das prévias da eleição presidencial, era que, na Argentina, em 30 dias, tudo muda - em compensação, em 30 anos, tudo permanece igual. O possível retorno de Cristina Kirchner ao poder, desta vez como vice de seu antigo chefe de gabinete, Alberto Fernandez, abalou os mercados financeiros e ressuscitou o temor da volta do populismo de esquerda em um de nossos mais importantes parceiros.

A derrota do presidente Mauricio Macri nas primárias do último dia 11 de agosto foi acachapante não apenas pelo resultado agregado - 47,65% para a chapa kirchnerista Frente de Todos, contra 32,08% da coligação governista Juntos por el Cambio. A diferença de 3,8 milhões de votos, num universo de quase 25 milhões de eleitores, foi obtida em 21 das 23 regiões argentinas - Macri só venceu na capital Buenos Aires e em Córdoba.

Apesar de inesperado pela magnitude, o resultado das prévias pode ser explicado pelo desapontamento da população argentina com as entregas da administração atual. Após 12 anos de domínio do casal Nestor e Cristina Kirchner, Mauricio Macri elegeu-se presidente em 2015 prometendo mudança (aliás, o nome da sua coligação era justamente Cambiemos). Em seu discurso de posse, perante o Congresso Nacional, exibia a autoconfiança típica do argentino estereotipado, prometendo nada menos do que eliminar a pobreza no país ao final de seu mandato.

A promessa de Macri era adotar uma política econômica liberal, que atrairia investimentos e geraria crescimento e emprego, reduzindo a pobreza. Nos primeiros meses de governo, empenhou-se em desarmar as regras intervencionistas criadas por Cristina Kirchner no câmbio e nos preços administrados, como energia, transporte público e abastecimento de água. A população mais pobre sofreu mais diretamente os efeitos do choque de tarifas, e Macri arrefeceu no seu ímpeto reformista, temendo os impactos sobre sua popularidade.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* || O que esperar da reforma tributária

- Valor Econômico

Mesmo que se consiga simplificar os impostos, ainda teremos carga fiscal muito superior à dos países emergentes

Para a minha geração, que viveu com intensidade os trabalhos da Constituinte depois da redemocratização do Brasil em 1984, a reforma da Previdência é a primeira grande alteração no quadro de proteção social por ela criada e que vigorou quase imutável até hoje. Para os mais jovens entenderem a importância desta mudança, falta o conhecimento do clima de euforia que cercou os trabalhos dos constituintes antes de sua promulgação.

O país vivia então uma espécie de "porre" democrático com o sucesso incrível que foi a volta da democracia, depois de mais de 20 anos, a partir de um movimento popular pacífico e dentro das regras constitucionais estabelecidas pela força das armas pela própria ditadura militar.

Imaginava-se ser possível criar com a força representativa dos constituintes eleitos pelo povo uma sociedade igualitária ou pelo menos mais justa, ao fim dos trabalhos. Esta verdadeira Utopia que seria construída sob o comando de um Estado que estendesse aos mais pobres e necessitados um amplo e generoso cobertor de proteção social, dominava os discursos inflamados da grande maioria dos constituintes em Brasília.

Ricardo Noblat || Autoritarismo a galope

- Blog do Noblat / Veja

Não vê quem não quer

No começo foi o autoengano alimentado pelos que votaram nele e também por aqueles dispostos a tolerá-lo como se fosse um mal menor. O pior mal teria sido a volta do PT ao poder depois de um curto período fora dele.
Apostou-se então que Jair Bolsonaro, expulso do Exército por indisciplina, deputado federal do baixo clero por quase 30 anos, uma vez empossado como presidente da República seria uma pessoa distinta da que se elegera.

O candidato misógino, homofóbico, defensor de ideias estúpidas, sem um projeto para o país que não fosse o de destruir tudo o que havia para construir depois se sabia lá o quê, daria lugar a um presidente normal como os outros.
Bolsonaro chegou a falar em mais de uma ocasião que se comportaria como o presidente de todos os brasileiros – os que votaram nele e os que lhe negaram o voto. E os devotos de raiz, e as almas de boa vontade, acreditaram.

Acreditaram também que se não fosse assim, se ele sofresse recaídas, os militares empregados no seu governo dariam um jeito de enquadrá-lo. E que seus filhos acabariam se conformando com um pai diferente do que conheciam.

A 12 dias de completar oito meses no cargo, vê-se que o Bolsonaro de antes é o mesmo de hoje. Se algo mudou foi o país que tenta se adaptar a ele. O risco que se corre é de Bolsonaro normalizar o país a seu gosto e não o contrário como seria o natural.

Nunca na história do Brasil um presidente eleito pelo voto tentou concentrar tantos poderes como o faz o ex-capitão, um ressentido com seus companheiros de farda que o refugaram no passado, e também com a elite do Congresso que nunca lhe deu importância.

Suas iniciativas mais recentes são escandalosas e parecem mais a serviço de um projeto de ditador do que de um governante simplesmente autoritário, o que por si só já estaria para além dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico do país.

A Polícia Federal é um órgão de Estado, não de governo. Responde às ordens da Justiça. Apenas administrativamente está subordinada ao Ministério da Justiça. E, no entanto, Bolsonaro ocupa-se em domesticá-la para que atenda aos seus desejos.

Ocorre o mesmo com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e com a Receita Federal. A intenção inicial de Bolsonaro é valer-se da Federal, do COAF e da Receita para proteger seus dois filhos (Flávio e Carlos) metidos em rolos fiscais.

Se for bem-sucedido, o passo seguinte será o de valer-se dos mesmos meios para ameaçar ou perseguir eventuais adversários dos negócios políticos e econômicos da família. A esses meios, se junta a Agência Brasileira de Inteligência que ele já controla.

E em breve deverá juntar-se a Procuradoria Geral da República, onde ele pretende pôr alguém que o obedeça incondicionalmente. Não basta engavetar processos incômodos. Terá de processar quem ele queira. A hierarquia acima de tudo. Como num quartel.

A obra jamais estará completa. Mas avançará com o preenchimento de duas vagas a serem abertas no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria dos ministros Celso de Mello em 2020 e de Marco Aurélio Mello em 2021, ano da próxima eleição presidencial.

O que pensa a mídia || Editoriais

Nem esquerda nem direita || Editorial / O Estado de S. Paulo

Em setembro de 2009, o então presidente Lula da Silva, referindo-se à disputa eleitoral pela sua sucessão no ano seguinte, fez um discurso no qual qualificou de “fantástico” o fato de que, segundo ele, a campanha prometia ter “um nível muito melhor” porque “pela primeira vez nós não vamos ter um candidato de direita na campanha”. “Antigamente – Lula dizia –, era o centro-esquerda e a esquerda contra os trogloditas da direita”. E continuou: “Vocês querem conquista melhor do que numa campanha neste país a gente não ter nenhum candidato de direita? Vai ser uma coisa inédita”.

Dez anos depois, o presidente Jair Bolsonaro declarou, em referência à campanha eleitoral do ano que vem, que comunistas são semelhantes a fezes e disse que, “nas próximas eleições, vamos varrer essa turma vermelha do Brasil”. Tirados os termos escatológicos, o pronunciamento guardou semelhanças com aquele feito por Bolsonaro no dia de sua posse, em que qualificou o início de seu governo como o “dia em que o povo começou a se libertar do socialismo”.

Quem leva a sério tais delírios de retórica fica convencido de que o País está há pelo menos uma década prisioneiro de uma guerra sem quartel entre radicais de esquerda e de direita, empenhados numa campanha de destruição mútua. Esse embate, além de excitar militantes e fanáticos de ambos os lados, teria capturado a agenda e a inteligência nacionais de tal modo que todo ato de governo, tanto agora como no passado lulopetista, deve ser avaliado sob o prisma da orientação ideológica do mandatário de turno, e não por sua pertinência e por seus fundamentos.

A persistência da crise nacional, com efeitos particularmente nocivos para a parcela mais pobre da população, indica que a redução ideológica dos problemas brasileiros não serve bem ao País. Ao contrário, perturba o debate sobre os principais problemas e, consequentemente, a adoção das melhores soluções. Fariam melhor os líderes políticos do País se atentassem para as condições sem as quais nenhuma governança será bem-sucedida, seja qual for sua inspiração ideológica.

Poesia || Carlos Pena Filho - A Rosa, no íntimo

Entro em teu breve sono, onde os minutos
são três pássaros líquidos e enorme,
e descubro os gelados aquedutos
guardiães do silêncio, enquanto dormes.

Pouso a cabeça nos teus lábios sujos
de mundo e tempo, e vejo que possuis
em teus seios, dois bêbados marujos
desesperados, sós, raros, azuis.

Enfim, além (no além de tuas pernas
onde Deus repousou a sua face,
cansado de inventar coisas eternas)

desvendo, ao desespero de quem passe,
a rosa que és, a mística e sombria
a noturna e serena rosa fria.

Música || Noites de Frevo : Realeza Linda (Geraldo Azevedo/Carlos Fernando)