Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Mais relevante que o resultado (já esperado) do julgamento do caso do deputado Paulo Pereira da Silva no Conselho de Ética é o processo de produção. A absolvição no âmbito do Parlamento ficou banalizada e, por isso, relegada ao plano das irrelevâncias.
Não se conhece caso de injustiça explícita, de condenação de gente totalmente (ênfase no advérbio, por favor) inocente por quebra de decoro parlamentar. Já os episódios de absolvição de suspeitos, não obstante a força das evidências, de uns tempos para cá viraram regra.
Ali, quem tem padrinho não morre pagão. Quem, como Paulo Pereira, sabe “mexer os pauzinhos” - para usar expressão do próprio - com destreza tem acesso garantido ao panteão dos querubins.
Em maio deste ano, quando uma investigação da Polícia Federal flagrou rastros do deputado em operações de desvios de recursos do BNDES, a gravidade do caso foi vista praticamente sem reservas no Legislativo.
Ao ponto de o corregedor Inocêncio Oliveira aprovar de imediato o envio do processo ao Conselho de Ética, dispensando o exame preliminar por uma comissão de sindicância, por indubitável convicção de culpa.
A Mesa Diretora por unanimidade considerou demonstrada a quebra do decoro e o corregedor não deixou margem a questionamentos: “Não temos a menor dúvida do envolvimento dele. O caso é grave e merece decisão rápida.” Na época, deu-se como ideal o prazo de 60 dias para resolver a questão.
Sete meses depois, o relator no Conselho de Ética, deputado Paulo Piau, concluiu pela consistência das acusações e recomendou voto na cassação do mandato do deputado. Ato praticamente contínuo, absolvido por 10 dos 14 conselheiros.
Discute-se agora se houve influência do espírito de corpo na decisão.
Mais apropriado seria concentrar atenção no espírito de sobrevivência dos pares de Paulinho da Força, dentro e fora do Parlamento.
No intervalo entre a convicção da culpa e a opção pela inocência nada ocorreu no inquérito que pudesse alterar o cenário avaliado com gravidade em maio.
Fora dele, porém, os acontecimentos foram significativos, indicadores precisos das razões pelas quais ninguém quer briga não com o deputado, mas com o presidente da Força Sindical, a segunda central do Brasil, com 1.350 sindicatos filiados, representantes de 6,5 milhões de trabalhadores.
Raríssimos são os políticos que reúnem votos em tal quantidade.
Nenhum deles pôde confrontar o governador de São Paulo, José Serra, comandando um conflito de policiais grevistas às portas do Palácio dos Bandeirantes, bem como não se sabe de nenhum processado que tenha saído de uma sessão do Conselho de Ética direto para a mesa de jantar do presidente da República.
Muito menos há notícia de réus que se ausentam do próprio julgamento para comandar marcha de 30 mil sindicalistas nas cercanias do tribunal, em franco exercício de pressão em tempo real.
Posteriormente
Essa história de prévias no PSDB é mentira ou é sofisma. Na primeira hipótese, trata-se de uma flor do recesso cultivada enquanto o jogo não começa e nada se pode dizer sem abrir a guarda aos adversários - internos e externos.
Na segunda, arruma-se um jeito de legitimar a escolha do governador José Serra sem as habituais divisões do partido. O alvo específico seria a seção de Minas Gerais, que acha que a vez é do governador Aécio Neves, mas, mediante a realização de prévias, teria uma razão objetiva para aguardar na fila. Ou aceitar a composição da chapa puro-sangue.
Só não há possibilidade de as prévias serem, como vimos recentemente nos Estados Unidos, uma disputa de fato. Por aqui a regra da prévia mais confunde que resolve.
É a solução para produzir derrotas previamente desejadas. Há exemplos a mancheias em todos os partidos - sendo o mais eloqüente as prévias do PT em 2002, feitas para Lula oficializar o enterro das pretensões de Eduardo Suplicy.
Crime e justiça
Por enquanto ainda não surgiram as reações contra a decisão do Judiciário de examinar com rigor as ações ilegais durante campanhas eleitorais. Quando a ofensiva deixar de alcançar apenas políticos de Estados periféricos ou começar a alcançar gente com laços de aço no poder, certamente surgirá a tese segundo a qual a Justiça pretende se substituir à vontade do eleitor.
E sempre haverá quem se disponha a levar um debate nesses termos. Em parte por ignorância, em parte por má-fé, acaba-se chegando a um ponto em que é mais fácil criminalizar a Justiça do que simplesmente cumprir a lei.
Um forte
Pela firmeza, clareza, coragem, resquício nenhum de autocomiseração, o vice-presidente da República, José Alencar, demonstra invejável aptidão para humilhar a adversidade.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Mais relevante que o resultado (já esperado) do julgamento do caso do deputado Paulo Pereira da Silva no Conselho de Ética é o processo de produção. A absolvição no âmbito do Parlamento ficou banalizada e, por isso, relegada ao plano das irrelevâncias.
Não se conhece caso de injustiça explícita, de condenação de gente totalmente (ênfase no advérbio, por favor) inocente por quebra de decoro parlamentar. Já os episódios de absolvição de suspeitos, não obstante a força das evidências, de uns tempos para cá viraram regra.
Ali, quem tem padrinho não morre pagão. Quem, como Paulo Pereira, sabe “mexer os pauzinhos” - para usar expressão do próprio - com destreza tem acesso garantido ao panteão dos querubins.
Em maio deste ano, quando uma investigação da Polícia Federal flagrou rastros do deputado em operações de desvios de recursos do BNDES, a gravidade do caso foi vista praticamente sem reservas no Legislativo.
Ao ponto de o corregedor Inocêncio Oliveira aprovar de imediato o envio do processo ao Conselho de Ética, dispensando o exame preliminar por uma comissão de sindicância, por indubitável convicção de culpa.
A Mesa Diretora por unanimidade considerou demonstrada a quebra do decoro e o corregedor não deixou margem a questionamentos: “Não temos a menor dúvida do envolvimento dele. O caso é grave e merece decisão rápida.” Na época, deu-se como ideal o prazo de 60 dias para resolver a questão.
Sete meses depois, o relator no Conselho de Ética, deputado Paulo Piau, concluiu pela consistência das acusações e recomendou voto na cassação do mandato do deputado. Ato praticamente contínuo, absolvido por 10 dos 14 conselheiros.
Discute-se agora se houve influência do espírito de corpo na decisão.
Mais apropriado seria concentrar atenção no espírito de sobrevivência dos pares de Paulinho da Força, dentro e fora do Parlamento.
No intervalo entre a convicção da culpa e a opção pela inocência nada ocorreu no inquérito que pudesse alterar o cenário avaliado com gravidade em maio.
Fora dele, porém, os acontecimentos foram significativos, indicadores precisos das razões pelas quais ninguém quer briga não com o deputado, mas com o presidente da Força Sindical, a segunda central do Brasil, com 1.350 sindicatos filiados, representantes de 6,5 milhões de trabalhadores.
Raríssimos são os políticos que reúnem votos em tal quantidade.
Nenhum deles pôde confrontar o governador de São Paulo, José Serra, comandando um conflito de policiais grevistas às portas do Palácio dos Bandeirantes, bem como não se sabe de nenhum processado que tenha saído de uma sessão do Conselho de Ética direto para a mesa de jantar do presidente da República.
Muito menos há notícia de réus que se ausentam do próprio julgamento para comandar marcha de 30 mil sindicalistas nas cercanias do tribunal, em franco exercício de pressão em tempo real.
Posteriormente
Essa história de prévias no PSDB é mentira ou é sofisma. Na primeira hipótese, trata-se de uma flor do recesso cultivada enquanto o jogo não começa e nada se pode dizer sem abrir a guarda aos adversários - internos e externos.
Na segunda, arruma-se um jeito de legitimar a escolha do governador José Serra sem as habituais divisões do partido. O alvo específico seria a seção de Minas Gerais, que acha que a vez é do governador Aécio Neves, mas, mediante a realização de prévias, teria uma razão objetiva para aguardar na fila. Ou aceitar a composição da chapa puro-sangue.
Só não há possibilidade de as prévias serem, como vimos recentemente nos Estados Unidos, uma disputa de fato. Por aqui a regra da prévia mais confunde que resolve.
É a solução para produzir derrotas previamente desejadas. Há exemplos a mancheias em todos os partidos - sendo o mais eloqüente as prévias do PT em 2002, feitas para Lula oficializar o enterro das pretensões de Eduardo Suplicy.
Crime e justiça
Por enquanto ainda não surgiram as reações contra a decisão do Judiciário de examinar com rigor as ações ilegais durante campanhas eleitorais. Quando a ofensiva deixar de alcançar apenas políticos de Estados periféricos ou começar a alcançar gente com laços de aço no poder, certamente surgirá a tese segundo a qual a Justiça pretende se substituir à vontade do eleitor.
E sempre haverá quem se disponha a levar um debate nesses termos. Em parte por ignorância, em parte por má-fé, acaba-se chegando a um ponto em que é mais fácil criminalizar a Justiça do que simplesmente cumprir a lei.
Um forte
Pela firmeza, clareza, coragem, resquício nenhum de autocomiseração, o vice-presidente da República, José Alencar, demonstra invejável aptidão para humilhar a adversidade.
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