Este é o segundo momento do quadro partidário brasileiro. O primeiro começou em 1979, quando a ditadura acabou com o bipartidarismo criado pelo Ato Institucional nº 2, de 1966, que extinguiu o quadro partidário anterior. A implosão da esquerda peemedebista, de um lado, em vários partidos; o esvaziamento eleitoral do PDS, legenda de apoio à ditadura, e a tentativa de formar "linhas auxiliares" de um governo ainda militar, de outro, definiram um quadro partidário com tendência à pulverização, tanto à esquerda como à direita.
O PMDB, esvaziado à esquerda, manteve sua centralidade política como herdeiro da oposição institucional ao regime durante algum tempo, quando boa parte do chamado grupo autêntico, que botou a cara para bater e correu riscos inclusive físicos de se opor à ditadura, migrava para outras legendas sem levar junto o prestígio do antigo partido.
Enquanto o centro oposicionista defendia manter a unidade em torno do PMDB, a esquerda, exceto os partidos comunistas, que ainda não haviam sido legalizados, procurou novos rumos. Vindos do exílio, Leonel Brizola e Miguel Arraes reuniram partidários e procuraram consolidar territórios próprios - Brizola, como herdeiro do velho petebismo, perdeu a legenda do PTB devido a manobras legais do regime e fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT); Arraes, sem conseguir ganhar espaço dentro do PMDB, sua primeira escolha partidária, acabou tomando o PSB. PDT e PSB nasceram em torno de lideranças carismáticas e viveram sob o controle absoluto de Brizola e Arraes. O PT, que vinha da experiência do movimento sindical dos anos 80 e atraiu grupos da esquerda mais radical e os movimentos de base da igreja progressista, teve uma origem menos personalista.
O ex-governador de Pernambuco fez um herdeiro, o atual governador Eduardo Campos. Ele toca o PSB ao estilo do avô. Quando Brizola morreu, sem ter deixado sucessores naturais - embora vários de seus netos estejam na política -, jogou o PDT numa profunda crise. O brizolismo é uma opção política em extinção; o PDT, um partido sem rumo.
O PSB, todavia, foi levado pelo pragmatismo do avô Miguel Arraes, e agora pelo neto Eduardo Campos. Arraes manteve suas pretensões políticas dentro dos limites de Pernambuco e fez acordos para ampliar o partido em outros Estados. Manteve uma equação política de absoluta hegemonia na política pernambucana, quebrada pouco antes de sua morte por desgastes acumulados em sucessivos períodos no governo; e controle total sobre as seções estaduais, que manipulava de acordo com os seus interesses regionais e nacionais. Alianças reiteradas nas eleições proporcionais com o PT mantiveram o partido dentro dos limites mínimos de representação exigidos pela lei, depois derrubados pelo Supremo Tribunal Federal. Arraes atraiu, em São Paulo, a ex-prefeita Luiza Erundina, quando ela rachou com o seu partido de origem, o PT; na Bahia, levou um núcleo que sempre atuou junto ao PCdoB e que girava em torno da ex-prefeita Lídice da Mata. Erundina e Lídice mantiveram-se no PSB por absoluta falta de opção, mas tinham discordâncias acentuadas quanto à forma de condução do partido por Arraes. Voltam a entrar na linha de confronto com as articulações de Eduardo Campos para cooptação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, hoje no DEM. Não é uma adesão confortável para quadros efetivamente socialistas do partido.
O pragmatismo do neto de Arraes tem mantido o partido em crescimento, embora sob constante crise de identidade. O PDT, acostumado a funcionar sob a batuta de um único líder, não tinha ninguém que minimamente desempenhasse o papel antes exercido por Brizola, nem mecanismos de decisão internos democráticos que o substituíssem. Os partidos comunistas, que ganharam identidade própria apenas após o governo José Sarney, quando foram legalizados, também sobreviveram na órbita de partidos maiores - o PCdoB ganhou representação parlamentar às custas de alianças proporcionais com o PT; o PCB, depois PPS, agora mantém essa equação com o PSDB, embora tenha feito, no passado, algumas alianças com o PT.
O quadro partidário pós-Lula já é um segundo momento daquele formado pós-79, no final da ditadura. Os partidos que se consolidaram e polarizam na política nacional, o PT e o PSDB, vivem crises de identidade - o primeiro, por ser governo; o segundo, por estar a tanto tempo fora do poder federal. Os pequenos partidos de esquerda, alguns perderam as lideranças que lhe davam rumo e outros, a organicidade dada por ideologias que entraram em crise no mundo e projetos de poder que foram assumidos pelo partido que exerceu a hegemonia sobre o bloco nas últimas décadas, o PT. A direita ideológica, em especial o DEM, montou uma estrutura partidária baseada em chefes políticos locais, e eles perderam espaço nas regiões mais pobres durante o governo Lula. Os líderes regionais não estão conseguindo se reaproximar dos velhos redutos - daí a tentativa de Kassab de driblar a lei para se encontrar, mais na frente, com um partido a sua esquerda, o PSB, e por meio dele compor a base do governo federal.
É um quadro que, por exaustão de algumas fórmulas tradicionais de organização partidária, tende a ser menos pulverizado. E vai ser concentrado rapidamente quando for proibida a coligação nas eleições proporcionais. Exceto o PSB, por pragmatismo de Campos, os demais partidos de esquerda dependem da coligação proporcional para sobreviver.
Da mesma forma, os pequenos partidos de direita aliados ao governo terão dificuldade de manter suas bancadas. Os médios e pequenos partidos de direita que se apoiam no PSDB estão com o mesmo problema. Já foram praticamente desalojados pela derrota do candidato José Serra à Presidência. E têm dificuldades de sobreviver fora do poder. A aproximação deles ao governo era previsível. Ainda assim, se a coligação proporcional for proibida, não há governo que os salve.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
O PMDB, esvaziado à esquerda, manteve sua centralidade política como herdeiro da oposição institucional ao regime durante algum tempo, quando boa parte do chamado grupo autêntico, que botou a cara para bater e correu riscos inclusive físicos de se opor à ditadura, migrava para outras legendas sem levar junto o prestígio do antigo partido.
Enquanto o centro oposicionista defendia manter a unidade em torno do PMDB, a esquerda, exceto os partidos comunistas, que ainda não haviam sido legalizados, procurou novos rumos. Vindos do exílio, Leonel Brizola e Miguel Arraes reuniram partidários e procuraram consolidar territórios próprios - Brizola, como herdeiro do velho petebismo, perdeu a legenda do PTB devido a manobras legais do regime e fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT); Arraes, sem conseguir ganhar espaço dentro do PMDB, sua primeira escolha partidária, acabou tomando o PSB. PDT e PSB nasceram em torno de lideranças carismáticas e viveram sob o controle absoluto de Brizola e Arraes. O PT, que vinha da experiência do movimento sindical dos anos 80 e atraiu grupos da esquerda mais radical e os movimentos de base da igreja progressista, teve uma origem menos personalista.
O ex-governador de Pernambuco fez um herdeiro, o atual governador Eduardo Campos. Ele toca o PSB ao estilo do avô. Quando Brizola morreu, sem ter deixado sucessores naturais - embora vários de seus netos estejam na política -, jogou o PDT numa profunda crise. O brizolismo é uma opção política em extinção; o PDT, um partido sem rumo.
O PSB, todavia, foi levado pelo pragmatismo do avô Miguel Arraes, e agora pelo neto Eduardo Campos. Arraes manteve suas pretensões políticas dentro dos limites de Pernambuco e fez acordos para ampliar o partido em outros Estados. Manteve uma equação política de absoluta hegemonia na política pernambucana, quebrada pouco antes de sua morte por desgastes acumulados em sucessivos períodos no governo; e controle total sobre as seções estaduais, que manipulava de acordo com os seus interesses regionais e nacionais. Alianças reiteradas nas eleições proporcionais com o PT mantiveram o partido dentro dos limites mínimos de representação exigidos pela lei, depois derrubados pelo Supremo Tribunal Federal. Arraes atraiu, em São Paulo, a ex-prefeita Luiza Erundina, quando ela rachou com o seu partido de origem, o PT; na Bahia, levou um núcleo que sempre atuou junto ao PCdoB e que girava em torno da ex-prefeita Lídice da Mata. Erundina e Lídice mantiveram-se no PSB por absoluta falta de opção, mas tinham discordâncias acentuadas quanto à forma de condução do partido por Arraes. Voltam a entrar na linha de confronto com as articulações de Eduardo Campos para cooptação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, hoje no DEM. Não é uma adesão confortável para quadros efetivamente socialistas do partido.
O pragmatismo do neto de Arraes tem mantido o partido em crescimento, embora sob constante crise de identidade. O PDT, acostumado a funcionar sob a batuta de um único líder, não tinha ninguém que minimamente desempenhasse o papel antes exercido por Brizola, nem mecanismos de decisão internos democráticos que o substituíssem. Os partidos comunistas, que ganharam identidade própria apenas após o governo José Sarney, quando foram legalizados, também sobreviveram na órbita de partidos maiores - o PCdoB ganhou representação parlamentar às custas de alianças proporcionais com o PT; o PCB, depois PPS, agora mantém essa equação com o PSDB, embora tenha feito, no passado, algumas alianças com o PT.
O quadro partidário pós-Lula já é um segundo momento daquele formado pós-79, no final da ditadura. Os partidos que se consolidaram e polarizam na política nacional, o PT e o PSDB, vivem crises de identidade - o primeiro, por ser governo; o segundo, por estar a tanto tempo fora do poder federal. Os pequenos partidos de esquerda, alguns perderam as lideranças que lhe davam rumo e outros, a organicidade dada por ideologias que entraram em crise no mundo e projetos de poder que foram assumidos pelo partido que exerceu a hegemonia sobre o bloco nas últimas décadas, o PT. A direita ideológica, em especial o DEM, montou uma estrutura partidária baseada em chefes políticos locais, e eles perderam espaço nas regiões mais pobres durante o governo Lula. Os líderes regionais não estão conseguindo se reaproximar dos velhos redutos - daí a tentativa de Kassab de driblar a lei para se encontrar, mais na frente, com um partido a sua esquerda, o PSB, e por meio dele compor a base do governo federal.
É um quadro que, por exaustão de algumas fórmulas tradicionais de organização partidária, tende a ser menos pulverizado. E vai ser concentrado rapidamente quando for proibida a coligação nas eleições proporcionais. Exceto o PSB, por pragmatismo de Campos, os demais partidos de esquerda dependem da coligação proporcional para sobreviver.
Da mesma forma, os pequenos partidos de direita aliados ao governo terão dificuldade de manter suas bancadas. Os médios e pequenos partidos de direita que se apoiam no PSDB estão com o mesmo problema. Já foram praticamente desalojados pela derrota do candidato José Serra à Presidência. E têm dificuldades de sobreviver fora do poder. A aproximação deles ao governo era previsível. Ainda assim, se a coligação proporcional for proibida, não há governo que os salve.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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