Finalmente - se não surgirem novas resistências - a Câmara dos Deputados vai retomar esta semana a votação da criação do Funpresp, o Fundo de Previdência Complementar do Serviço Público Federal, que o governo pretendia aprovar em 2011, mas o PT e outros partidos aliados boicotaram. O último boicote foi o faniquito do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), que bateu o pé e, intempestivamente, retirou a matéria de pauta em represália à não nomeação de um apadrinhado seu para a diretoria do Banco do Brasil. É com tal descaso e desrespeito aos eleitores e ao País que parlamentares do PT tratam os problemas da República. Mas agora parece não haver mais desculpa e o fundo pode ser definido esta semana.
A criação do fundo não resolve no curto prazo o bilionário déficit previdenciário dos servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, que saltou de R$ 29,5 bilhões, em 2002, para R$ 56 bilhões, em 2011, e vai terminar 2012 acima de R$ 60 bilhões. Mas aprová-lo é uma questão de justiça social. Além de vedar o ralo por onde se esvaem a cada ano mais e mais bilhões de reais, no longo prazo ele resolve em definitivo o maior foco da desigual e injusta distribuição de dinheiro público no País.
Algumas comparações comprovam a injustiça: enquanto 1 milhão de servidores (0,005% da população) mordem R$ 56 bilhões do dinheiro que os 190 milhões de brasileiros pagam em impostos, o governo vai aplicar este ano apenas R$ 42,5 bilhões em investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento - incluindo rodovias, ferrovias, portos, hidrelétricas, saneamento, habitação. E a vida de muitos milhões de brasileiros poderia melhorar se o governo aumentasse esse valor. Tanto se fala em deficiências em saúde e educação, mas, se essa minúscula parcela de 0,005% da população não concentrasse tanta verba pública, sobraria mais dinheiro para melhorar esses serviços.
O Brasil é o país que mais gasta para seus servidores terem o privilégio de se aposentar com o mesmo salário da vida ativa. Até os ricos países europeus da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - e sua conhecida generosidade com sistemas previdenciários - gastam menos do que nós. Os funcionários aposentados desses países custam aos governos em média 2% do PIB (varia entre 0,8% a 3,5%), equivalente a 5% da arrecadação tributária (entre 2,4% a 7,6%). Já o Brasil gasta quase 5% do PIB ou 15% da receita com impostos. O governo Dilma tem pressa em aprovar o fundo porque em 2012 estão previstas 57 mil novas contratações de servidores, que já entrariam sob o novo regime.
O projeto original do governo foi modificado, em comissões na Câmara, em três itens essenciais: ele igualava em 7,5% do salário a contribuição mensal do governo e a dos servidores. Na nova versão, o governo contribui com 8,5%, rompendo a paridade; o projeto original previa a constituição de um único fundo para os Três Poderes. Por pressão do Judiciário, ficaram três fundos distintos; e a gestão do dinheiro seria profissional, terceirizada e confiada a instituições financeiras especializadas. O novo projeto entrega a gestão a diretorias e conselhos indicados pelos Três Poderes e seus funcionários.
Das três mudanças, a mais perigosa é a relativa à gestão. O passado dos fundos de estatais é estarrecedor em matéria de incompetência e interferências políticas que resultaram em prejuízos enormes aos participantes dos fundos. Está tudo documentado no relatório de uma CPI em que aparecem investimentos desastrosos em imóveis, hotéis, shoppings e até em sepulturas. Marcados por corrupção e desvio de dinheiro, esses investimentos geraram déficits milionários que os 190 milhões de contribuintes sempre bancavam. É arriscado abrir brechas para repetir essa prática. O governo não deveria abrir mão da terceirização. Ela é quase uma norma em fundos de empresas privadas, com resultados altamente positivos. Já a gestão entregue a sindicalistas ou apadrinhados políticos... nossa história é farta em desastres para aceitar repeti-los.
Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-Rio
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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