No último dia do ano findo, Folha de S. Paulo estampou longa entrevista do presidente Sarney. Com sua vasta experiência parlamentar e governamental, sobra-lhe autoridade para opinar sobre grandes e pequenos problemas do Estado, concorde-se ou não com suas considerações. Da entrevista, aparto dois tópicos para comentar, um sobre medidas provisórias, outro sobre sistemas de governo, mostrando-se fiel ao parlamentarismo.
Acerca do primeiro deles, conclui o antigo presidente da República e hoje presidente do Senado, que “sem medidas provisórias é impossível governar... mas com elas a democracia jamais se aprofundará e as instituições jamais se consolidarão”. Com efeito, há situações que exigem medidas urgentes e o processo legislativo pode ser aligeirado, mas não será urgente e deliberadamente não deve sê-lo.
A sabedoria exige algum tempo para a elaboração das leis, salvo aquelas que sejam de óbvia simplicidade em suas causas e efeitos ou quando há urgência urgentíssima, sem a qual pode ser inócua ou frustrante a adoção de norma inadiável. Vinte e quatro horas de divulgação poderá ser fatal à medida, que chegará a destempo. No entanto, as medidas provisórias converteram-se em expediente do dia a dia, virou feijão com arroz, com a conivência de todo mundo, quando a Constituição impõe duas condições para a edição delas, “relevância e urgência”.
O Brasil avançará institucionalmente, afirmou o presidente Sarney, “quando passarmos do sistema presidencialista para o parlamentarista”. Quase desnecessário dizer que, a meu juízo, a assertiva é oportuna e sábia. Já se disse que o presidencial procede como se aos problemas políticos fossem aplicáveis as leis da astronomia, capaz de prever fenômenos com larguíssima antecedência; com efeito, os períodos marcados para os poderes Executivo e Legislativo funcionam por tempo fixo, aconteça o que acontecer, quaisquer que sejam os fatos supervenientes, quando, no sistema parlamentar, os períodos de ambos podem ter antecipada sua duração, o Executivo quando perder o apoio parlamentar, o Legislativo quando, por iniciativa do gabinete, que exerce o governo, solicita ao presidente da República, que preside mas não governa, dissolva a Câmara e ao mesmo tempo convoque eleições para o menor prazo possível, dois, três meses no máximo.
O eventual choque é resolvido pela nação. O paradoxo fica evidente no sistema presidencial, onde os poderes Executivo e Legislativo, eleitos no mesmo dia e pelo mesmo eleitorado, podem ser reciprocamente conflitantes e assim permanecer até o termo de seus mandatos, enquanto no parlamentar a antinomia, que é uma anomalia na democracia, segundo a qual dois poderes nascidos no mesmo dia pelo voto do mesmo eleitorado têm como compor a funcionalidade de ambos, mediante os expedientes que o sistema consagra. Ou seja, as crises que podem surgir são solúveis em breve tempo e não permanecer anos a fio, até o fim dos respectivos mandatos, o que é ilogismo democrático.
Por isso, Joaquim Nabuco notou que o sistema presidencial marca a opinião de quatro em quatro anos, enquanto o parlamentar marca as horas, senão até os minutos. O assunto é rico e fascinante, mas excede as dimensões de um artigo. De qualquer sorte, vale acentuar que merece reflexão a sentença de quem foi governador de Estado e presidente da República, sem falar em mais de meio século de vida parlamentar.
*Jurista, ministro aposentado do STF
Fonte: Zero Hora (RS)
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