De acordo com pesquisas de opinião, que ganharam fama e deitaram na cama, a percepção de que a existência de corrupção mantém no Brasil velocidade de cruzeiro não se dá por achada. Paira acima de qualquer dúvida. A Datafolha registrou em agosto de 2011 o primeiro tranco oficial no governo Dilma: o que, para 64% dos cidadãos, representava em agosto de 2011 um hábito indesejável da administração pública, em dezembro já subia para 69% num país que parece indiferente à prática acintosa da corrupção administrativa. Mais uma vez, a margem de erro de 2%, para baixo ou para cima, salvou a honra geral. Durou pouco a ideia de melhoria emanada da administração Dilma Rousseff, por injunções políticas, força do hábito ou alguma razão superior no que se poderia considerar sólida cleptocracia em língua portuguesa. Ou brasileira, como preferem outros.
A arraigada certeza da impunidade não faz cerimônia, nem para salvar as aparências. Por ela (a corrupção, claro) ainda se subentende que não são como parecem as indiretas oficiais dadas pela presidente Dilma, aqui e ali, mas acidentalmente, por medo de escorregar no abismo. Foi curta a temporada. Claro que não começou agora o feio hábito de confundir o público com o privado, que ficou na moda e se sente consuetudinariamente em casa. Nada contra ela, a presidente, pouco contra o saneamento público de hábitos privados e muito ainda em proveito da facilidade com que se democratiza a prática de faturamentos por fora de escrúpulos. Salvo seja.
Quem trouxe à baila em dezembro último o que circula por tradição oral foi a pesquisa Datafolha, quando captou de viva voz a opinião pública no último mês de 2012: subiu para 69% o número de brasileiros que tinham somado 64% no começo do ano. A margem de erro ficava dentro de 2%. Nada desprezíveis os números, e até preocupantes, considerando a gesticulação de limpeza que o governo Dilma Roiusseff fez, e lhe valeu a crescente simpatia da verdadeira classe média, que é testemunha histórica por natureza e hábito. A presidente encheu o balão da pequena burguesia, que se sentiu prestigiada e retribuiu com ostensiva preferência por ela na sucessão presidencial engasgada. Não obstante, a sombra de Lula se materializa, ao fundo, nas pesquisas de natureza eleitoral para 2014.
Não terá passado despercebido à presidente que, senão por dentro, pelo menos andava por perto, quando se dispôs a acabar com a farra em respeito à opinião pública e a afinidade natural com a classe média, que atesta nostalgia de governos que não roubem nem deixem roubar, mas sem fingir que estão de mãos atadas por interesses políticos inferiores.
Estava implícito, de maneira empírica, o constrangimento da presidente nas relações com o cabo eleitoral que cuida dos seus canteiros de votos e pensa que engana a opinião nacional quando cede a prioridade à candidatura Rousseff em 2014. É enganosa a ressalva de que, se não for ela, ele será. Mas já é. Esta é a maneira de confundir, e não esclarecer, segundo ensinava Chacrinha, o que disse para se escafeder do compromisso. Uma esquerda sem costura de ideias se encarrega de desautorizar as palavras para garantir em 2014 a prioridade ao ex-presidente de plantão. Na margem de erro onde se localiza o jogo, que importam dois pontos percentuais a menos ou a mais?
Pelo outro lado, os que negavam vestígios de roubalheira grossa em agosto eram 34% e caíram para 20%. A classe média propriamente dita reafirmou nas pesquisas eleitorais sua inclinação em favor de Dilma Rousseff, que não precisa declinar sua condição social, nem alegá-la no exercício das responsabilidades políticas. Nem por isso, porém, precisa dar por suspensa, senão engavetada, a disposição de conter a corrupção por ação e não por declaração de intenções. Foi então que a porca torceu o rabo, como se dizia na República Velha, e não se diz mais em respeito à democracia. Então, a percepção de melhoria fez meia volta, e a corrupção subiu como de hábito. A presidente sucumbiu ao receio de ser classificada de udenista, que veio a ser a maldição posta a serviço da corrupção. Para afastar qualquer semelhança com Jânio Quadros e suas vassouras, Dilma aposentou o espanador com que tirou a sujeira aparente, aqui e ali, e desautorizou vassouradas para valer.
O que ficou para depois furou o balão de expectativas acumuladas cedo demais como depósito de esperança da classe média, que é quem se sente roubada entre empresários perfilados e o proletariado disponível. Em dezembro já estava em 69% a taxa dos brasileiros que percebem corrupção na administração federal. Na estadual e na municipal, a mensuração pode esperar. Nenhum governo— com exceção do realmente curto mandato de Itamar Franco (honra lhe seja reservada) que a conteve em 59% — fica fora dos limites altos da estatística republicana. Pelo menos, desde a volta ao caminho democrático em 1985.
Fonte: Jornal do Brasil
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