A presidente Dilma Rousseff está arriscada a completar o seu mandato com um balanço sinistro, um crescimento econômico próximo de 24% ao ano, em média. Será esse o resultado se o produto interno bruto (PIB) avançar 2,5% em 2013, por enquanto uma projeção otimista, e 3,5% em 2014. Será um desempenho bem inferior à media mundial - 3,6%, segundo estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) - e muito distante dos 5,6% esperados para os países emergentes e em desenvolvimento. Mas a estagnação poderá ser, e quase certamente será, apenas um dos componentes mais feios do quadro brasileiro se o rumo da política for mantido. As contas públicas estarão mais desajustadas, o balanço de pagamentos, mais esburacado, a inflação, distante da meta, e a imagem do País, prejudicada no mercado internacional.
Não só os brasileiros perceberam a maquiagem fiscal: "medidas contábeis para atingir a meta de superávit primário reduziram a transparência", segundo relatório publicado na quarta- feira pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos países desenvolvidos e de alguns emergentes de boa reputação.
Boa imagem é essencial para um país com déficit em conta corrente já na casa de 3% do PIB e com perspectiva de aumento. Não se mede reputação só pela capacidade do Tesouro de captar dinheiro no exterior, principalmente quando paga juros muito mais altos que os do mercado internacional. Mede-se também pelo ingresso do investimento estrangeiro direto, insuficiente, a partir de março e abril, para cobrir o buraco nas transações correntes. Investimento direto tende a ser menos especulativo e mais seguro para as contas externas do que outras formas de financiamento. Alem disso, representa, em geral, um compromisso de longo prazo com a economia do país receptor.
Em sua última projeção das contas externas, o Banco Central (BC) estimou para este ano um déficit e m conta corrente de 2,78% do PIB e um saldo de investimento direto equivalente a 2,69%, pouco menor que o necessário. Mas o cálculo inclui um superávit comercial de US$ 15 bilhões, pouco provável, nesta altura. O saldo da conta corrente é a soma dos resultados da balança comercial (mercadorias) , da balança de serviços (viagens, fretes, juros e lucros, entre outros itens) e das transferências unilaterais (remessas de trabalhadores, por exemplo).
O desequilíbrio entre importações e exportações de bens diminuiu nas últimas semanas, mas o déficit acumulado no ano até 26 de maio ainda ficou em US$ 4,6 bilhões. O número final do mês deve ser divulgado nos próximos dias. Se o buraco até o fim de maio mês tiver encolhido para US$ 4 bilhões, será necessário um superávit mensal de US$ 2,7 bilhões até dezembro para alcançar o saldo projetado pelo BC. Em estimativa divulgada na quarta-feira, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) reduziu de US$ 12 bilhões para US$ 7,7 bilhões o excedente comercial esperado para 2013.
É preciso algum otimismo, portanto, para prever, como o BC, um déficit de apenas US$ 67 bilhões na conta corrente. Não há risco iminente de uma crise cambial, mesmo com um rombo proporcionalmente maior no próximo ano. O País dispõe de reservas de moeda estrangeira superiores a US$ 370 bilhões (US$ 374,8 bilhões no dia 28). Isso oferece alguma segurança. Nenhum volume de ouro, dólares ou euros pode substituir, no entanto, uma política sensata e uma evolução saudável das contas externas. Reservas são finitas e os financiadores fogem tanto mais velozmente quanto mais o país precise de dinheiro de fora.
Qualquer brasileiro familiarizado com a história das grandes crises nacionais deveria saber disso. Negligenciar o balanço de pagamentos tende a ser desastroso, exceto quanto o país tem o privilégio de imprimir dólares e sua economia é a maior e a mais forte do mundo. No caso do Brasil, o erro mais grave é descuidar do comércio de bens, porque o déficit da conta de serviços é normalmente muito amplo e assim será por muito tempo.
Entre janeiro e março a exportação de bens e serviços foi 6,4% menor que nos três meses finais de 2012. A importação, 6,3% maior. O resultado dessa conta foi um dos grandes componentes negativos do PIB do primeiro trimestre. Esse déficit é explicável em parte pelo câmbio valorizado, mas o governo deveria dar maior atenção a outros fatores, mais característicos do País e mais importantes a longo prazo.
Não é preciso repetir a lista dos mais graves problemas de competitividade (bastaria lembrar a tributação irracional, a escassez de mão de obra qualificada e a logística deficiente). Além disso, o desajuste cambial é explicável, em boa parte, por um erro inteiramente made in Brazil, a prolongada tolerância à inflação. Também isso afeta a relação entre o real e as principais moedas do comércio internacional. Mas raramente algum empresário cobra do governo maior esforço contra a alta de preços ou contra a gastança, um dos principais fatores inflacionários.
O Executivo federal apenas começou, muito lentamente, o combate aos desajustes internos. A nova Lei dos Portos é um raro exemplo de acerto. Em contrapartida, as desonerações, mal concebidas e amplamente improvisadas, são ainda os componentes principais do arsenal da política econômica, apesar de sua comprovada ineficiência. Além disso, o compromisso com a seriedade fiscal é cada vez mais frouxo. Não se discute mais, em Brasília, se o governo será capaz de alcançar a meta, mas se usará ou deixará de usar toda a lista, cada vez mais ampla, de redutores do superávit primário. Contra esse fundo, a decisão do BC de levar a sério a inflação e acrescentar meio ponto porcentual à taxa básica de juros tem um brilho especial. Obstáculos muito maiores que os juros entravam o crescimento./ Jornalista
Fonte: O Estado de S. Paulo
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