"Está todo mundo falando em fragmentação do centro, mas na esquerda ela vai aparecer forte agora"
Valor: Com Lula preso, qual é a melhor saída para o PT?
Antonio Lavareda: A melhor jogada, no médio prazo, seria apoiar um candidato de outro partido, como o Ciro Gomes (PDT), se encapsular numa vaga de vice, e investir fortemente na eleição da maior bancada federal, que é o que dá tempo de propaganda em rádio e TV e recursos do fundo eleitoral. É se dedicar à formação de coligações estaduais e sair do foco da eleição presidencial e das forças do antipetismo, que são majoritárias hoje na sociedade. Seria uma estratégia para atravessar o deserto. Ele se organizaria, faria um "aggiornamento", diante das severas dificuldades que encontra.
Valor: Mas o PT sempre priorizou a eleição presidencial.
Lavareda: Não é uma ideia estapafúrdia. A vice já foi conjecturada por Lula em 2014, quando ele fez um apelo para que Eduardo Campos (PSB) não se lançasse candidato e apoiasse Dilma. Em contrapartida, Lula garantia a ele que seria o candidato apoiado pelo PT numa frente de esquerda agora em 2018. Em 1950, o PTB tinha feito um presidente da República com quase a maioria absoluta dos votos. Getúlio Vargas teve quase 49% e o partido cresceu, como geralmente acontece com quem está no governo. Mas, em 1955, depois da morte de Getúlio, ia fazer o quê? Lançar João Goulart, que era a figura de maior visibilidade? Não. Aceitou fazer uma aliança com o PSD de Juscelino Kubitschek. Essa aliança foi fundamental para a eleição de Juscelino. O PTB voltou a crescer e num belo dia as circunstâncias ajudaram [João Goulart assumiu quando Jânio Quadros renunciou, em 1961] e chegou à Presidência de novo. Ao final da Quarta República, já era a segunda maior força política no Congresso.
Valor: O PT não parece ser o PTB.
Lavareda: Não parece porque não é, e os tempos são outros. O que a gente tem de comparável nessas épocas tão distantes é que a gente pode dizer que Getúlio, ao seu modo, por seu carisma e peso na classe trabalhadora, era o que o Lula devia ser na Nova República. E Lula foi e é na Nova República o que Getúlio foi lá atrás. Se a gente imaginasse o Getúlio transplantado para esse tempo, mas com o mesmo espírito da época, que era mais chegado a tragédias, numa situação dessa do Lula ele provavelmente se suicidaria. Aliás, Getúlio se suicidou porque se viu deposto e ficou com medo de ser preso.
Valor: Não é difícil para o PT abrir mão da cabeça de chapa sendo o maior partido de esquerda?
Lavareda: Mas não pode postular, porque quem tem voto não são seus candidatos. Quem tem voto vai estar preso, que é o Lula. Eu prevejo que o potencial de transferência de votos de Lula - segundo pesquisas 27% votariam num candidato indicado por ele - se reduzirá para uns 15%, sem o Lula participar ativamente da campanha. Ele não poderá realizar todo o potencial de transferência de votos que ele tem. Se Lula pegasse isso e somasse à intenções de voto do Ciro, que está entre 9% e 10%, já estaria o Ciro no segundo turno, com uns 25%. Com um candidato do PT fraco, a esquerda vai avançar na fragmentação, já tem Boulos, Manuela, Ciro, a Marina Silva também pesca nesse rio da esquerda. Está todo mundo falando em fragmentação do centro, mas você tem duas áreas especialmente fragmentadas: o centro e a esquerda também. E com a saída do Lula agora essa fragmentação vai aparecer forte.
Valor: A união da esquerda, ou parte dela, não deveria ser feita logo para ter resultado?
Lavareda: Mas o PT tem essa dificuldade. Vai ficar no choque, na emoção, na dificuldade de reorganizar o processo decisório. Você não pode imaginar nenhuma grande decisão do PT nas próximas semanas, em abril. O partido não tem condições emocionais ou políticas. O que pode haver são os aliados tentando se solidarizar, para formar uma frente, o PDT se aproximar. Mas não vai haver nenhuma guinada por enquanto.
Valor: Decisões do PT ainda poderão passar por Lula, na prisão?
Lavareda: É complicado. Antes, o Lula era ouvido para tudo. Agora, fisicamente não vai poder. A suprema ironia do Sergio Moro foi chamar o local onde Lula ficará de uma "sala de Estado Maior". Não vão deixar ter reunião política ali. É uma sala do "Estado menor possível", um alojamento tosco de 5 por 3 metros, onde só cabe uma estreita cama de solteiro e tem um banheirozinho. É uma ironia totalmente desnecessária, que o Moro incluiu na decisão. As visitas ficarão restritas aos advogados e à família. A vida dele vai ficar difícil, apertada, limitada. Lula vai ter dificuldade de se articular com o partido. E esse processo decisório do PT vai ficar afetado. Era um partido lulocêntrico que, de repente, perde o centro, como é que faz?
Valor: O partido não se preparou para isso?
Lavareda: Acho difícil ter se preparado. Significa emprestar protagonismo para outros atores, outros personagens. Você vê que no ato no sindicato dos metalúrgicos do ABC, na sexta-feira, não tinha ninguém, nem a presidente do partido, que fosse a figura central, que mais aparecia, que se percebia comandando o processo do grande evento convocado antes da prisão. É muito difícil dado o peso, a dimensão dele. Esqueça que boa parte da preferência pelo PT se dá porque as pessoas preferem o partido do Lula, compare apenas os 35% de intenção de voto com os 17% de preferência partidária. Você pode dizer que Lula é o dobro do PT.
Valor: Caso opte por um plano B, quando anunciá-lo?
Lavareda: O PT sabe que dificilmente seu plano B chegará ao segundo turno. Sem Lula, isso fica distante. Mas se esse for o caminho, o desafio é achar o momento em que ele vai emergir. Se demorar, talvez seja muito tarde. A transferência de votos leva tempo, especialmente para o eleitorado menos escolarizado do PT. É um processo racional e emocional. São necessárias repetidas aparições na TV, em eventos públicos, com cenas de proximidade, intimidade entre apoiador e apoiado, para que se faça a associação.
Valor: Uma vez preso e vitimizado, a indicação de voto de Lula não pode ganhar mais força?
Lavareda: Se fosse em setembro, talvez. Mas até lá a prisão já foi processada, reprocessada e ultrapassada por outros fatos políticos. Quando Getúlio se suicidou, por exemplo, em agosto de 1954, o PTB não teve um crescimento expressivo nas eleições parlamentares de outubro no mesmo ano.
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