Prisão do ex-presidente lança dúvidas sobre a coesão do PT e da esquerda
Por algum tempo ainda, o PT e as demais forças políticas à esquerda do espectro ideológico respeitarão o recato após a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ele será reverenciado em pronunciamentos, aclamado em atos de rua e, por disparatada que pareça a pretensão, ainda apresentado como candidato petista à Presidência da República.
Para além da sincera devoção, trata-se de cálculo político inescapável. Está em jogo um patrimônio eleitoral correspondente a algo entre 34% e 37% das intenções de voto, conforme pesquisa Datafolha do final de janeiro.
Não há por ora mais que pistas precárias sobre o destino da herança de Lula. No levantamento do instituto, 27% se diziam dispostos a sufragar um candidato apoiado pelo ex-presidente. Quando se dá nome a tal hipótese, porém, os percentuais mínguam.
Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e tido como plano B do partido, nem mesmo pontua. Jaques Wagner, ex-governador da Bahia e outra alternativa considerada, não tem mais de 2%.
É evidente que tudo muda numa campanha, quando a escolha lulista chegar de fato ao conhecimento do público. Porém não se pode prever qual será a capacidade do líder de transferir votos nas atuais e inéditas circunstâncias.
Mais ainda, não se sabe como se comportará o PT sem a presença física de seu fator básico, talvez único, de coesão interna —e, igualmente, o que farão partidos aliados em potencial.
Tais preocupações se fizeram notar no último discurso de Lula antes da prisão. No palanque estavam presentes e foram citados, além de Haddad, os pré-candidatos Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D'Ávila (PC do B).
Importa ao ex-presidente, claro, comandar o processo de escolha de seu quase inevitável substituto na cédula eleitoral —e sustar a proverbial tendência da esquerda à fragmentação.
Nesse campo se destaca ainda Ciro Gomes (PDT), que chega a respeitáveis 13% no Datafolha e certamente buscará o voto útil dessa fatia do eleitorado.
O mercurial ex-ministro de Lula, no entanto, jamais será visto como um candidato seguro, um aliado confiável e muito menos um puro-sangue ideológico, estando em sua sétima filiação partidária.
Não bastassem as disputas entre nomes, resta o ainda mais complexo debate programático. A marcha ao centro conduzida nos governos Lula se perdeu; com o desastre econômico e o impeachment de Dilma Rousseff, o PT regrediu ao radicalismo estéril.
Se tal retórica se mostra útil para manter o fervor de militantes e alianças com renitentes defensores do socialismo, em nada contribui para as condições de governar.
O ex-presidente é por demais arguto para ignorar tal fato —e já conseguiu operar no passado uma reviravolta no discurso de campanha. No restante do partido e da esquerda, não se vê liderança capaz de renovar práticas e doutrinas.
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